Um homem de meia idade está sentado na escuridão, envolto por papéis e livros. Ele já foi o cofundador bem-sucedido de uma firma de advocacia, mas agora leva uma vida desolada e solitária. Em frente, sobre a escrivaninha, há uma máquina de escrever: sua única concessão à modernidade já está datada há mais de século.Um dos subenredos mais incomuns da série Better Call Saul, spin-off de Breaking Bad, gira em torno de Chuck McGill, irmão do protagonista que largou a vida pública por conta de uma sensibilidade misteriosa à eletricidade.
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A condição, conhecida como sensibilidade eletromagnética, já tomou diversos debates fora da tela, e críticos ou vêem o tema como uma intolerância genuína à tecnologia, ou como uma farsa neoludita elaborada.Vilas "eletrossensíveis" já surgiram nos Estados Unidos, livres de sinais telefônicos e wifi, com produtos como cortinas bloqueadoras de frequências eletromagnéticas e folhas de absorção de microondas à venda na internet — haja ironia. Sites caseiros oferecem dicas para "vítimas eletromagnéticas" numa linguagem cada vez mais bombástica, listando o controle da mente via "V2K" (sigla inglesa para a expressão "voz no crânio") e até mesmo abdução alienígena como riscos que corremos ao deixar ondas eletromagnéticas permearem nosso cérebro.
Em vez de se refugiar numa cidadezinha da Virgínia, em Better Call Saul, vemos Chuck embrulhado numa folha de papel-alumínio, escondido numa sala escura. Embora ele possa estar sofrendo mesmo de uma alergia à vida moderna, seja de forma psicossomática ou não, o look do Chuck remete diretamente ao chapéu de papel-alumínio, um clássico entre teóricos de conspirações paranóicas.O acessório aparece em Arquivo X, Futurama, na ficção científica romântica de M. Night Shyamalan Sinais, e claro, naquele episódio de Simpsons, "O Irmãozinho Drogado", quando o remédio Focusin, substituto de Ritalina receitado ao Bart, faz com que ele acredite que sua mente é controlada pela liga de baseball.Renunciar a tecnologia é renunciar a toda a sociedade. Mesmo na cidade rural e remota de Albuquerque.
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Mas a história do chapéu é ainda mais antiga: há referências ao acessório num conto muito esquisito e presciente, escrito em 1927 por Julian Huxley, irmão do famoso Aldous e meio-irmão de Andrew, laureado do prêmio Nobel.
Além de escrever, Huxley era biólogo evolucionista e, infelizmente, eugenista, e o conto The Tissue-Culture King (A Cultura de Tecidos do Rei) explora bastante tal ofício. O enredo trata de um cientista chamado Hascombe, que se perde numa floresta e é capturado por uma tribo. Hascombe ganha a simpatia da tribo com sua capacidade "mágica" de cultivar amostras de carne do rei local, Bugala.O que sucede é tão distópico e agradavelmente detestável quando os trabalhos mais famosos de Huxley. Mantido em prisão domiciliar, Hascombe se torna uma espécie de Dédalo e é forçado a emprestar seus talentos a um regime corrupto. Mas a proximidade do poder sobe à sua cabeça, e Hascombe transforma suas "ambições intelectuais pervertidas" em controle de mentes em massa.Por fim, o cientista hipnotiza o rei e escapa vestindo uma "capa de papel-alumínio", que é "relativamente à prova dos efeitos telepáticos". Mas ele é dominado assim que tira a capa. O narrador lamenta:"Roguei e implorei para que ele pensasse bem e mantivesse a decisão, que seguisse em frente. Nossa, como eu me arrependi! No ímpeto de descartar todo e qualquer peso inútil, deixamos para trás nosso capacete, nossa proteção contra a telepatia."
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A história termina numa questão que deixaria qualquer teórico da conspiração orgulhoso, perguntando aos leitores se são "pessoas que trabalham porque gostam do poder, ou se trabalham porque querem encontrar a verdade sobre o funcionamento das coisas".A conclusão sombria torna o conto relevante para teóricos da conspiração posterioroes. Huxley cria uma atmosfera de paranoia, destacando o pacto fáustico feito pelo povo obcecado pelo tecido. Modernizar-se é comprometer a própria privacidade. Isso me lembra nosso próprio amor por tecnologias convenientes, invasoras de dados, e o fervor quase espiritual que incitam em nós.The Tissue-Culture King chega a equiparar o amor por inovações com sugestibilidade hipnótica. O conhecimento se concentra nas mãos de poucos, transformando o Rei Bugala numa corporação tecnológica primitiva, que sempre invade a privacidade dos usuários. Recusar a inovação e fugir com um chapéu de papel-alumínio é recusar a própria sociedade, e ao se virar, Hascombe demonstra que a aceitação é inevitável.De volta ao seriado do Netflix: ao desenvolver uma eletrossensibilidade, Chuck, irmão do Saul, vira um eremita. Com a mania por inovação descrita em The Tissue Culture King, ou agora que todo mundo tem um smartphone, a tecnologia detém uma dominação cultural tão grande, que basta ficar inerte para fazer parte da contracultura. Renunciar a tecnologia é renunciar a toda a sociedade, tamanha é sua importância. Mesmo na cidade rural e remota de Albuquerque.
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Chuck McGill é um peixe fora d'água, um guerreiro numa batalha perdida. Por conta do problema, ele vira uma pessoa vulnerável (no caso —*alerta de spoiler*—, ele vai parar numa ala psiquiátrica).
É fácil solidarizar-se com Chuck, especialmente nos últimos episódios, quando ele é eletrocutado pela polícia. Mas antes de trocar seu iPhone por um "Brain Coat" — casaco de nylon, coberto de prata — , sugiro levar em consideração os resultados de um estudo conduzido pelo MIT em 2005.Ao testar três modelos diferentes de chapéu ("o clássico, o Fez e o Centurião" — suponho que os testes sejam semi-sérios), pesquisadores descobriram que revestir a cabeça com papel-alumínio na verdade amplifica frequências eletromagnéticas, em vez de blindar o usuário. A radiação é parcialmente refletida pelo material, focalizando as ondas diretamente no cérebro do usuário.Os pesquisadores concluem o estudo com uma nota jocosa: "Não é preciso ir muito longe para concluir que a moda do chapéu provavelmente foi propagada pelo Governo, possivelmente em conjunto com o órgão regulador das comunicações. Esperamos que este relatório encoraje a comunidade paranóica a desenvolver chapéus melhores para não cair nas mãos desse imprevisto". É melhor se cuidar, que a liga de baseball vem aí.Tradução: Stephanie Fernandes