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A estranha vida das pessoas que controlam os seus próprios sonhos

Disposto a ser cobaia, comprei o livro "A Field Guide to Lucid Dreaming", um compêndio de técnicas para aperfeiçoar a lucidez.
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Jared Zeizel. Todas as fotos pelo autor.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

"Uma vez estive numa orgia com a Angelina Jolie, a Beyoncé e a Marilyn Monroe", confessa John. E acrescenta: "O Brad Pitt também lá estava, a gravar tudo". A primeira vez que falei com este professor de meia idade foi em Nova Orleães, a propósito de um projecto que tenho em mãos e que consiste em compilar sonhos de gente de todo o Mundo. John não era como os outros. Desde muito cedo foi capaz de "acordar" nos seus sonhos e controlar o que se passava, como se fosse um Deus omnipotente. Para além do sexo, as suas actividades favoritas são voar, lutar contra terroristas e falar com o seu pai que morreu há anos.

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Estudos recentes demonstram que este fenómeno, denominado sonho lúcido, já foi experimentado, pelo menos uma vez na vida, por 47 a 82 por cento da população. Para a maioria destas pessoas, esses momentos de lucidez são raros e fugazes, embora o psicólogo Joe Green assegure que não tem por que ser assim.

Green afirma que a lucidez é uma habilidade que pode desenvolver-se e aperfeiçoar-se e que ele próprio obtém resultados satisfatórios nas suas terapias, desde há décadas. "Com a motivação adequada", explica-me numa entrevista, "qualquer um pode ter sonhos lúcidos".

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Jared Zeizel frente ao "Dark Jared" dos seus sonhos. Todas as fotos por Roc Morin

Disposto a ser cobaia, comprei o livro A Field Guide to Lucid Dreaming , um compêndio de técnicas para aperfeiçoar a lucidez. Uma semana depois experimentei o primeiro sonho lúcido da minha vida, uma vivência de iluminação budista que transcendeu completamente a realidade.

Um mês depois estava sentado em frente ao autor do livro, Jared Zeizel, num café de Hollywood, movido pela curiosidade de saber como podia aprender a dominar o meu novo poder. Começámos a entrevista tocando-nos nas mãos e agachando a cabeça, que é uma forma de confirmar se estamos ou não num sonho.

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VICE: Como podemos aprender a ter sonhos lúcidos?
Jared Zeizel: A primeira coisa que digo às pessoas é que devem escrever tudo o que sonham durante a noite. Um tempo depois começas a dar-te conta de que há alguns padrões que se repetem. Por exemplo, talvez sonhes muito com relógios. Nesse caso, sempre que vês um relógio deves perguntar-te se estás a sonhar, ou não. É uma prova de realidade que, realizada com frequência, ajuda-te a preparar a mente. Chegará um momento em que, quando faças esta pergunta, estarás no mundo onírico.

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Que provas de realidade fazes ?
Várias. No liceu sonhava muito com zombies e durante o dia reproduzia esses sonhos na minha mente, de maneira que, se visse algum zombie, o mais provável é que estivesse num sonho.

Conta-nos outras.
Brinco muito com as localizações. Muita gente sonha frequentemente com a sua casa, sobretudo com a casa de infância, por isso, cada vez que entro em casa pergunto, "Estou a sonhar?". Sempre que me deparo com ambientes pós-apocalípticos, faço imediatamente uma comprovação de realidade.

Um dos problemas que tenho é que, assim que entro em estado de lucidez, emociono- me demasiado e acabo por acordar. Algum conselho?
Descobrimos que, por alguma razão, dar voltas sobre ti próprio ajuda-te a conectares-te com o sonho. Outra coisa que gosto de fazer é encontrar algo tangível e concentrar-me na sensação que tenho ao tocar-lhe. Uso muito as mãos. Pressiono um dedo contra a palma da mão e sinto como atravessa a carne e sai pelo outro lado. É uma sensação muito estranha. Regra geral é importante conter a excitação. Podes concentrar-te na tua respiração, ou contar até dez.

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Assim que estabilizas a tua presença no sonho, o que é que gostas de fazer?
Às vezes invoco o meu alter ego malvado, Dark Jared, para conversar com ele. Adoro voar, ou praticar sexo. Muitas vezes continuo sonhos que já comecei, como num jogo de computador. Também gosto de procurar um jardim onde cresçam árvores com as frutas oníricas mais doces e deliciosas do Mundo.

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É surpreendente a capacidade que a nossa mente tem de gerar prazer e perfeição, para lá do que conhecemos no Mundo real.
É uma maneira fantástica de vê-lo.

O sexo onírico seria outro exemplo. Podes explicar-me um pouco como funciona?
Antes de mais, devo dizer que não conheço nenhum sonhador lúcido que não tenha mantido relações sexuais com uma personagem onírica. As experiências sexuais e de voo são as mais frequentes. Não vejo nenhuma razão para ter vergonha, mas é importante frisar que estas personagens oníricas não deixam de ser as nossas próprias representações.

E no teu caso, que implicações tem este aspecto do sonho lúcido?
Bem, eu gosto de conversar um pouco com a personagem, antes ou depois da relação sexual.


Vê: "A Paralisia do Sono inspirou este fotógrafo a recriar os seus pesadelos"


Como costumam ser essas conversas?
Muitas das vezes estas personagens estão muito abertas ao sexo, embora noutras sejam bastante distantes. Se lhes pedes sexo limitam-se a encolher os ombros e a dizer "Ok", mas às vezes não lhes apetece. Isto suscita uma pergunta: é mau violar a tua personagem onírica? Podes pensar que, como tudo está na tua mente, realmente não estás a fazer mal a ninguém. No entanto, eu acho que se usas os sonhos para explorar o teu mundo interior, então talvez devas pensar duas vezes antes de violares a tua psique.

Como é que explicas o aparecimento de todas essas pessoas conhecidas e famosas que nunca viste na vida?
As celebridades são comuns, as pessoas têm fantasias com elas. Além disso, acho que a sua presença no nosso subconsciente é uma representação das nossas aspirações, ou da nossa auto-estima. No mundo da vigília, a única maneira de estar com uma personagem famosa é tendo muito êxito, este tipo de pensamento explica a sua aparição no mundo onírico.

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Viveste algum episódio digno de menção?
As minhas relações mais memoráveis com personagens do mundo dos sonhos aconteceram com guias oníricos, mas não eram de carácter sexual. Por exemplo, tive sonhos em que Dark Jared tentava convencer-me a ter sexo com a minha guia onírica. A mim parece-me uma falta de respeito.

Quem era a tua guia?
Uma mulher de meia idade. Sinto que é como uma amiga de há anos, ou de outra vida, talvez. Veste-se à moda de 1970 e aparece sempre para ajudar-me, com conselhos crípticos.

Que outros guias tens?
Ultimamente vejo muito um urso gigante, muito velho, de pêlo grisalho com reflexos púrpura. Normalmente aparece em momentos de caos. Sempre que o vejo vou atrás dele e leva-me para um lugar mais tranquilo.

Está claro que és capaz de ter relações de amizade com personagens oníricas. Alguma vez te apaixonaste por alguma delas?
Costumo apaixonar-me por alguém, ou por algo presente nos meus sonhos, várias vezes por ano. Quando acordo continuo a sentir todas as emoções que sentia no mundo onírico.

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Isso também me aconteceu umas quantas vezes e o que me fascina é que, no fim de contas, estás apaixonado por ti próprio, não é? É como se te desse a entender que somos seres completos, capazes de gerar todo o amor que precisamos. No entanto, por algum defeito de criação, não somos capazes de aceder a esse amor sem intermediários.
Adoro a ideia de que os sonhos sejam como um espelho em que nos vemos a nós próprios. Quando olhas para a superfície, tudo parece distante, mas, na verdade, o que vês és tu próprio. Seja como for, o facto de estabelecer uma separação pode ajudar-te a conseguir mudar positivamente. Pelo menos foi o que me aconteceu com o Dark Jared: ele assume os meus rasgos obscuros e permite-me ser o Light Jared, o Jared da luz. Vejo nitidamente essa diferença entre nós os dois.

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Isso faz-me pensar noutra pergunta interessante. Em muitos dos sonhos que tenho coleccionado, as pessoas parecem ter um sentido da moralidade, dita convencional, muito menos marcado que o normal. Sentes que és a mesma pessoa, tanto em sonhos como em estado de vigília?
Quando penso nos actos horríveis ou negativos que cometi em sonhos, a verdade é que não os considero tão maus como se tivessem acontecido neste mundo. Lembro-me de um sonho em que um homem me atacava mim e à minha namorada. Era um homem enorme, de cerca de dois metros e meio. O que aconteceu é que entrei em estado de lucidez e, porque estava num sonho, pude dar-lhe um soco com muito mais força do que aquela que tenho e derrubá-lo. O matulão acabou no chão, a chorar. Quando acordei senti-me muito mal pelo que tinha feito, o que foi muito interessante, porque era ele o agressor e durante o sonho não senti esse tipo de remorsos.

Se todas as personagens dos teus sonhos são reflexos de ti, talvez estivesses a sentir a tristeza que ele sentiu.
Exacto. E quando voltei a este mundo, em vez de dois seres independentes, voltámos a ser uma pessoa.

Há alguma coisa que nunca tenhas feito num sonho lúcido, mas que sempre tenhas tido vontade de experimentar?
Um dos autores do livro, Thomas Peisel, transforma-se sempre num animal, um jaguar ,ou um lobo. Sente como passa de caminhar a uma velocidade normal, a correr com as suas quatro patas. Adora a sensação. Também se transforma em pássaros. Gostava de experimentar fazer o mesmo.

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Desde que investigo as substâncias psicadélicas, sinto-me fascinado pelos estados de consciência místicos. Algumas pessoas garantem ter fumado cigarros em sonhos e ter tido as mesmas sensações que na vida real. Será que acontece o mesmo com as drogas? Tiveste alguma experiência com elas?
Uma vez fumei erva num sonho lúcido. Estava com o Thomas e ambos flutuávamos nas nuvens e tocávamos nas copas das árvores. Foi muito relaxante. Também ouvi dizer que há quem medite nos seus sonhos lúcidos. Há quem medite num sonho e acabe noutro mundo, no qual volta a meditar, à medida que vai entrando em mundos diferentes.

Dei por mim a pensar se seria possível reproduzir em sonhos uma experiência parecida à da morte, como o túnel de luz, as visões de anjos, ou como no livro tibetano dos mortos, esses monstros horríveis que representam a Iluminação. O que é que aconteceria se criássemos na nossa mente o conceito de Deus e nos fundíssemos com ele?
Seria muito interessante. O que é que acontece quando te fundes com outra entidade? Partindo da ideia de que há outros seres no universo e um Deus, ou vários deuses, talvez a única forma de comunicar com eles seja através dos sonhos.

O teu livro incita a levar mais a sério os sonhos. Como vês o futuro?
Sim, é verdade que nos últimos anos este tema ganhou popularidade, seguramente graças a Origem e Despertar para a Vida. O Twitter também contribuiu. A quantidade de adolescentes que falam sobre o sonho lúcido é surpreendente. Há milénios que se fala sobre isto. As culturas indígenas sabiam muito sobre o tema. Mas foi desaparecendo da cultura ocidental, lentamente, e agora as pessoas ignoram-nos quase por completo. Quando éramos miúdos e tínhamos pesadelos, os nossos pais diziam-nos sempre: "Não te preocupes, é só um sonho".

Que dirias tu?
Diria, "é parte de ti". Os sonhos podem ser um canal de comunicação com o subconsciente e com o teu eu interior. Às vezes são só palermices, mas outras são muito importantes, sobretudo se são pesadelos, porque normalmente são manifestações de inquietudes, ou de medos bastante bem instalados. Podes escolher explorá-los, ou ignorá-los, mas eles continuarão aí. A uma criança diria que, o que ela está a ver, está só na sua cabeça e que deve aprender a controlar os seus sonhos, mas também a ouvi-los, porque talvez estes tentem dizer-lhe algo que precisa saber.


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