O futuro da vigilância no trabalho já chegou e tu estás a ser vigiado

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Tecnologia

O futuro da vigilância no trabalho já chegou e tu estás a ser vigiado

A monitorização sistemática da performance dos trabalhadores já não é apenas feudo exclusivo dos call centers.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

A vigilância no trabalho costumava ser uma coisa amadora. Nos primórdios da Microsoft, o próprio Bill Gates memorizava as matriculas dos carros dos empregados para se manter a par de quem chegava tarde ou saia mais cedo. Um bocadinho assustador, talvez, mas claramente old school - o tipo de esquema patético que um gajo astuto e desenrascado como o George Constanza arranjaria maneira de contornar, deixando o carro estacionado permanentemente no trabalho para que toda a gente pensasse que estava sempre no escritório.

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Hoje em dia, baldares-te ao trabalho já não é algo que consigas fazer tão facilmente. Um tipo de monitorização cibernética, absolutamente desprovida de sentimentos, está a entrar nos escritórios e a assegurar-se de que cada toque no teclado é devidamente registado. O teu computador pode mesmo ser aleatoriamente alvo de captura de ecrã e até o teu sono pode ser monitorizado para garantir que atinges a melhor performance possível.

Recentemente, jornalistas do Daily Telegraph chegaram ao trabalho e encontraram sensores OccupEyemotion em cada secretária. À equipa foi dito que os aparelhos teriam como objectivo ajudar a empresa a poupar nas contas de electricidade, através de uma identificação mais eficaz dos "tempos de menor actividade". Os trabalhadores não aceitaram a justificação de ânimo leve e levantaram a possibilidade de a iniciativa ter como base um levantamento de quais seriam os primeiros a ser mandados embora no processo de despedimentos que a empresa preparava. Os sensores foram removidos.

O site BuzzFeed revelou o sentimento de paranóia que o episódio terá originado. "Nunca antes, ir à casa-de-banho durante o expediente foi um acto tão rebelde", terá confidenciado um jornalista. Mas, à medida que a vigilância dos nossos postos de trabalho começa a tornar-se cada vez mais comum, a rebelião dos trabalhadores continua a ser escassa. A monitorização sistemática da performance já não é apenas feudo exclusivo dos call centers. É agora prática corrente no mercado de trabalho em geral.

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"Mesmo que gostes do teu chefe, não deves assumir que a empresa confia em ti, ou respeita a tua privacidade".

"Não há, de facto, muita privacidade nos locais de trabalho", diz Lewis Maltby, director do US National Workrights Institute. "Estás constantemente a ser monitorizado, quer saibas, quer não saibas. Os empregadores nem sempre te dizem o que estão a fazer".

Os europeus podem pensar que estão um pouco mais protegidos que os americanos, mas em Janeiro último, uma decisão aterradora do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) estabeleceu um precedente que permite aos patrões aceder às tuas mensagens privadas se suspeitarem que estás a abrandar o ritmo.

O caso teve como base um engenheiro romeno que foi despedido depois de a sua empresa ter descoberto que usava o Yahoo messenger para falar com a sua noiva a partir de um computador do trabalho. Os juízes do TEDH decidiram que não era disparatado que um empregador "verificasse se os seus empregados estavam de facto a tratar das suas tarefas profissionais durante o horário de expediente".

Mesmo que gostes do teu chefe, não deves assumir que a empresa confia em ti, ou respeita a tua privacidade. Software como o "Worksnaps" permite que os patrões tirem regularmente capturas de ecrã de actividades online, contem o número de vezes que carregas nas teclas, ou mesmo que consigam imagens a partir da webcam.

Testemunhos sobre o "Worksnaps" revelam o entusiasmo de gerentes pelo facto de conseguirem manter-se "a par dos tempos úteis de trabalho" e de conseguirem assegurar-se de que "ninguém é um peso morto". Uma responsável norte-americana salienta mesmo que o software a ajudou a "meter de lado aqueles que andavam a conversar através do Facebook e a jogar online".

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Outros fazem experiências com microfones e ferramentas de analytics, para monitorizar as interacções cara-a-cara entre empregados. A Amazon tem uma ferramenta online interna que encoraja os trabalhadores a comentar sobre as conquistas e falhas uns dos outros. Os funcionários cumprimentam-se entre si com a expressão "Amabots". "A empresa corre continuamente um algoritmo de melhoria de performance sobre os seus funcionários", realça Amy Michaels, antiga responsável de marketing do Kindle na Amazon.

"Se os negócios estão cada vez mais obcecados com dados sobre produtividade, será a balda uma arte em vias de extinção?".

E mesmo que andes na estrada não tens escapatória. Uma antiga directora de vendas de uma empresa californiana tem, neste momento, um processo legal pendente contra a empresa onde trabalhava e em que se queixa de ter sido despedida porque desligou a aplicação de GPS no iPhone de trabalho. Uma app que a monitorizava 24 horas por dia.

Onde é que tudo isto nos vai levar? Se os negócios estão cada vez mais obcecados com dados sobre produtividade, será a balda uma arte em vias de extinção? E em que altura do dia de trabalho é que podemos assumir que estamos desligados e fora do raio de acção de qualquer tipo de análise?

"Preocupa-me, por exemplo, que pessoas que trabalham a partir de casa - pessoas que estão ligadas ao sistema da empresa no seu computador pessoal - estejam a ser sujeitas a monitorização e análise de dados, como se estivessem no escritório", diz Lewis Maltby. "Faz com que a diferenciação entre trabalho e comunicação pessoal se torne mais complicada".

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A fronteira entre profissional e privado é hoje tão ténue, que se torna difícil saber onde começa um e acaba o outro. "O equilíbrio entre trabalho e vida é uma coisa do passado", admite Jacob Morgan, autor do livro "The Future of Work". "Estamos a direccionar-nos para uma integração do trabalho com a vida, em que levas o trabalho para casa e a vida pessoal para o trabalho".

"Os empregadores estão apaixonados pela ideia de conseguirem medir coisas".

Por isso, não fiques surpreendido se o teu patrão te começar a perguntar sobre a tua forma física, ou, ainda mais assustador, se começar a mostrar interesse sobre se andas a dormir bem.

Grandes empresas como a BP America já estão a dar aos funcionários meios para tentarem reduzir os custos com a saúde. O director do Centro de Inovação da Universidade de Londres, Chris Brauer, acredita que há margem para o incremento de wearables no local de trabalho, quer seja para monitorizar o bem-estar, como para "desenvolver perfis de comportamento mais benéficos". "Trata-se de aproveitar dados que anteriormente não estavam visíveis", justifica.

"Se a tua empresa trabalha com investimentos de risco, por exemplo, vais querer empregados que consigam trabalhar bem sob stress constante. Vais fazer os testes psicomotores tradicionais? Ou será melhor deixares que um analista veja os dados referentes à real forma de como está a ser a sua performance? Desta forma consegues perceber se alguém é apto ao nível biométrico para uma função específica".

Ainda assim parece que há um último reduto para a interacção entre humanos "workbots". Dave Coplin, chefe do departamento de "Envisioning" da Microsoft, acredita que hologramas e outros efeitos visuais podem dar-nos a hipótese de conseguirmos uma presença mais emotiva se não pudermos estar presencialmente numa reunião, por exemplo.

Se a ideia de seres reduzido a uma carrada de dados não te agrada, não és o único. "É simplesmente estúpido. Não somos máquinas", diz Lewis Maltby. "Os empregadores estão apaixonados pela ideia de conseguirem medir coisas. Mas há coisas - as coisas que realmente interessam para que uma pessoa seja boa no seu ofício - que nem sempre podem ser medidas". E acrescenta: "Os sistemas invasivos que as empresas puseram em marcha vão além do senso comum. "A autonomia para pensares como deves fazer o teu trabalho está a desaparecer, tal como a privacidade desapareceu. Assume que estás a ser monitorizado. Porque, provavelmente, estás mesmo".

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