Meio da tarde de um dia de Abril. O Lux visto de uma perspectiva invulgarmente calma e a cidade, também ela, sem excessiva agitação. Nessa noite, a apresentação do mais recente trabalho dos Throes + The Shine, Wanga [ouve o álbum na íntegra em baixo].Aí já sabemos. Uma tarde calma é condição essencial, depois do primeiro acorde é saltar chispa, fogo, labareda e demais artefactos incandescentes, que estes quatro, se não são filhos de Vulcano, são-lhe, pelo menos, familiares chegados.
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Entre o puxar de cabos, colocar a tarola e o bombo em posição e acertar a altura dos micros, recordamos aquele bar, em Lisboa, ao lado da esquadra da polícia, de quem desce o miradouro de São Pedro de Alcântara em direcção à Praça da Alegria, de nome Mercado. Era posto avançado de alegria e de libertar o corpo para o que a música deve ser - licença sem regra, de corpo e alma, ou nas palavras do Boss, Born to Run.Se não foi o primeiro concerto de Buraka Som Sistema, pelo menos um dos primeiros, muito antes dos grandes festivais, das tours mundiais e da polémica estéril com o Fernando Ribeiro – que impacto, que excitação, que efervescência juvenil. Everybody wins!
Dez anos e agora aqui no Lux com uns dos seus mais fiéis descendentes. Tremendamente injusto considerar os Throes + The Shine como meros repositórios de tão nobre linhagem, mas o impacto que causam remete-nos, inapelavelmente, para os momentos iniciáticos da nossa existência.Sem pergaminhos da boa educação, sem espartilhos sociais, uma equação de tão fácil resolução: corpo + alma = 1. Só e tão só isto. Não deveria ser sempre assim? Sempre de frente para um quarteto que vai marcando as nossas noites, da primeira no Musicbox, até à mais recente apresentação deste Wanga.
Não é dançar de copo na mão, não é dançar dando às mãozinhas estilo ventoinha, ou de telemóvel pronto para selfie. É despojamento puro. É Mambo na palavra dos próprios, é voodoo, é cumbia, é ritmo latino-americano e africano, é rock numa misturada que se entranha, libertadora de qualquer limite geográfico, social, cultural.
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De África, à América Latina passando pela Índia, no segundo tema Tá A Bater, e bate muito, mesmo não sendo nós o negro mais pausado.
Nós curtimos e não bazamos e cada vez em maior velocidade, o voodoo é cada vez mais intenso e os feiticeiros são convocados a um ritmo frenético, o caminho é feito ao ritmo do amor e com sangre caliente (Guerreros), chamem os bombeiros que a temperatura está alta e sobe a ritmo exponencial.Para isso aí está ela, a condutora mais audaz da pussywagon, a pirómana de multidões Da Chik (Keep It In) e os Meridian Brothers, conhecimento travado durante o último Milhões de Festa, no já referido Guerreros, ou logo no primeiro tema, Capuca, com Pierre Kwenders. Ai que isto queima.
A cena é louca. Não entra a energia negativa, por muito que deixe os chinelos à porta, a negatividade não tem autorização.Aguentar o ritmo, aceitar o desafio, entrar no esquema que vai sair proponema e, por muito que custe, equilibrarmo-nos na grande linha de sintetizadores em Praça. É festa, é pular. Tudo a saaltaaaarr! Tudo a meexeeer!
E o que nos resta? Esmifrarmo-nos até o corpo aguentar e curtir, que como já diz a sabedoria popular, tristezas não pagam dívidas. Com o Verão à porta, com menos roupa, que assim o fogo espalha-se mais eficazmente.Arround the world que Throes + The Shine não conhecem limites, muito menos os deste rectângulo à beira-mar plantado.