Sludge Tapes
2014Terminal the culture é um tijolo: passa despercebido quando isolado, mas, em conjunto com os seus semelhantes, consegue dar consistência a uma qualquer forma bem mais difícil de ignorar. Terminal the culture não é sequer um tijolo qualquer e, mesmo a partir de um formato tão humilde como é a cassete, reforça três importantes ideias: 1) há um espectacular submundo musical a acontecer nestas fitas; 2) sem ser especialmente regular, a Sludge Tapes conquista-nos com cada nova edição; 3) Ryo Murakami já vai merecendo um lugar de elite entre os produtores que nos surpreendem com noise quando esperamos techno e vice-versa. Ryo Murakami parece aliás cada vez mais especializado em esfrangalhar expectativas com soberbo efeito. É também por isso que Terminal the culture deixa aqui de ser um tijolo para passar à condição de thriller, porque uma review que o honrasse tinha mesmo de envolver uma cambalhota.Sabemos que a arte do thriller passa também pela maneira como manipula o medo que temos do imprevisível. A música de Terminal the culture incide essencialmente num industrial repetitivo e esmagador, conforme avisa o “sludge” da label responsável, mas todos estes sons que emulam o funcionamento da máquina são normalmente afectados por um factor extra que parte directamente do génio de Ryo Murakami. Ou há alguém que consiga reagir sem espanto à entrada de um sample de uma oração árabe (talvez), numa cassete que até aí mais parecia uma mixtape para o Leatherface escutar ao acordar?Ryo Murakami não deve acreditar que o mundo dure muitos mais anos, mas os que nos restam provavelmente serão também assim: altamente autómatos e com algumas surpresas nem sempre agradáveis pelo meio. No final, Terminal the culture deixa-nos com uma dúvida tão incómoda como a própria cassete: o que acabámos de escutar foi a banda-sonora para um endoidecimento ou a banda-sonora de um endoidecimento? Seja o que for, apanhou-me desprevenido e isso é uma bênção.