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Entretenimento

Colocar armas nas mãos de artistas

Enquanto a história de um tiroteio ricocheteava nas notícias, a Jonathan Ferrara Gallery inaugurou uma exposição, poderosa e inegavelmente oportuna, chamada Guns in the Hands of Artists.

"In the Pursuit of Happiness (When the Shit Hits the Fan)", 2014, de Dan Tague (detalhe)

Enquanto a história de um tiroteio, numa escola do Estado de Washington em Outubro, ricocheteava nas notícias, a Jonathan Ferrara Gallery, em New Orleans, inaugurou uma exposição, poderosa e inegavelmente oportuna, chamada Guns in the Hands of Artists. Organizada no âmbito da bienal de arte contemporânea da cidade, a Prospect 3 reúne trabalhos de mais de 30 artistas, que usaram como inspiração armas desmanteladas, e postas fora de circulação das ruas da cidade pelo programa de desarmamento, levado a cabo pela Polícia.

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"One Hot Month," 2014, de Generic Art Solutions

As obras na exposição, tanto de artistas locais como nacionais, são apresentadas em vários suportes, incluindo fotografia, impressão, escultura e vídeo. Os trabalhos falam sobre o papel das armas na cultura americana e fazem, inúmeras vezes, referência a casos reais de violência armada. One Hot Month da Generic Art Solutions, por exemplo, é uma colecção de serigrafia composta por 27 fotografias de vítimas de armas de fogo, em New Orleans, durante o mês de agosto de 2002, sobre as quais se projectam imagens de pistolas.

"Kurt Cobong," 2014 de Skylar Fein

Baseada numa exposição similar, que aconteceu em 1996, montada na época em que New Orleans tinha a reputação infame de ser a capital do homicídio nos EUA, esta segunda veio retratar uma questão inevitável e incontornável. A obra de Luke du Bois, Take a Bullet for This City, por exemplo, faz-nos vivê-lo de forma visceral. Consiste numa arma que está programada para disparar no vazio, sempre que um tiroteio é denunciado na cidade.

"Take a Bullet for This City", 2014, de R. Luke DuBois

A primeira versão da Guns in the Hands of Artists aconteceu na antiga galeria de Jonathan Ferrara, a Positive Space the Gallery. A exposição foi ideia do artista Brian Borrello, que conta com duas esculturas expostas na actual exposição. Ferrara relembra: "O contexto daquela exposição foi a subida brutal de homicídios em meados dos anos 90, na cidade de New Orleans. O Brian quis montar essa exposição para levar ao debate temas como as armas e a violência na nossa sociedade, usando a arte como forma de diálogo e ponto de encontro".

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"Target: Audience", 2014, de Generic Art Solutions

Graças a este conceito, potente e marcante, a exposição teve direito a destaque no New York Times, na Time e no Good Morning America (entrevista que o Ferrara quase perdeu porque na altura"trabalhava até as 4 da manhã").

Dezoito anos depois, e com mais experiência, Ferrara decidiu revisitar Guns in the Hands of Artists. "A ideia surgiu. Cada vez que algo acontecia, eu pensava:Tens de fazer alguma coisa. Fazer o quê? O que é que se faz numa situação como esta? Depois de ter feito esta exposição 20 anos antes, pensei: É isso que posso fazer. A ideia tinha funcionado muito bem, e senti-me obrigado a revisitá-la"

"Carry On, Drugs, Gun & Teddy Bear", 2014, de Luis Cruz Azaceta

Desta vez Ferrara decidiu envolver entidades do governo na organização da exposição. Falou com o Conselho Municipal, com o gabinete do Mayor, e inclusive com o departamento de polícia de New Orleans. Mesmo sendo um membro activo na comunidade, para superar todos os trâmites burocráticos e conseguir as armas que precisava demorou dois anos."As minhas conexões políticas jogaram a meu favor, mas ainda assim demorei entre seis e oito meses só para poder conhecer o departamento de polícia, visitar a sala de provas e escolher as armas."

Em Janeiro de 2013, Ferrara, juntamente com Brian Borrello, entrou finalmente na sala de provas do NOPD para selecionar as armas que seriam usadas no projecto. "Lá dentro…", recorda Ferrara, "…passas por uma sala cheia de droga apreendida, depois, por milhares de bicicletas, e finalmente chegas à sala das armas, onde estão por todo o lado. Disseram-me: É só escolher. Acabámos com 186 armas: 160 pistolas e 26 espingardas de cano cerrado".

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Depois de esperar pela autorização do agora ex-chefe do NOPD, Ronal Serpas, e manobrar a burocracia municipal, Ferrara finalmente recebeu o material, no início de 2014. Nesse momento ficou a saber que o departamento de Álcool, Tabaco e Armas (ATF) tinha incendiado as armas antes de entregá-las. Por isso deu aos artistas duas opções: trabalhar com as armas destruídas pela ATF, ou usar uma arma comprada por ele, desde que estivesse desarmada. Segundo o organizador da exposição, muitos artistas escolheram o desafio de trabalhar com as armas queimadas.

"Sleeping on Reason," 2014, de William Villalongo

Entre os artistas participantes temos nomes conhecidos como é o caso de Mel Chin e Deborah Luster. Ou jovens emergentes de New Orleans. Quando lhe perguntei como tinha escolhido os artistas respondeu: "Esta não é uma questão exclusiva de New Orleans, por isso não tem sentido ter só arte local. É uma questão nacional que afecta todas as regiões do país. Tentei trabalhar com os artistas a partir dessa perspectiva".

"Arthur," 2014, de Mel Chin

Guns in the Hands of Artists apresenta artistas de vários géneros, raças e étnias. Ferrara também convidou artistas que tipicamente não trabalham com armas – como Nicholas Varney, um designer de jóias conhecido por trabalhar com Hillary Clinton e Liza Minnelli, que criou uma bala de 18 quilates cravejada de diamantes. "Queria desafiar os artistas a usar as armas como matéria-prima", frisou Ferrara. "Queria desafiar pintores ou escultores a pegar nesse elemento e incorporá-lo nas suas práticas, queria que fizessem uma declaração sobre armas e violência."

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"Looking Down the Barrel of a Gun (Last Judgment) After: Hans Memling's 'The Last Judgment' Triptych (c. late 1460's), Bambi's mother from Disney's 'Bambi' (1942)", 2014, de Adam Mysock

"The Last Six, Under Six, Murdered by a Gun in the Sixth," 2014, de Adam Mysock

Ferrara, que também é artista, construiu uma escultura intitulada Excaliber No More para esta exposição, cravando uma espingarda numa pedra. "Até criar esta obra não me senti completamente à vontade com a exposição", afirma.

"Excalibur No More", 2014 de Jonathan Ferrara

Apesar da odisseia das armas, Ferrara arranjou uma espingarda Mossberg – a que usou para fazer a sua escultura - com uma facilidade inacreditável e assustadora. Como a venda de armas particulares é legal no Louisiana, limitou-se a comprar uma arma que encontrou na internet, por 300 dólares. "Precisei de dois segundos para comprar a arma, e 15 minutos para ter uma conversa sobre a Segunda Emenda. Nenhuma restrição, nenhum registro, podia ter saído pela porta e em seguida ter cometido qualquer loucura."

Antes de colocar a espingarda na pedra com ajuda dos funcionários da Mediterranean Tile, Ferrara sentiu que tinha de disparar a arma que tinha comprado. "É uma onda de adrenalina", explica. "Seria uma heresia e uma falsidade artística comprar a arma, a pedra, e simplesmente inserir uma na outra. Senti que precisava de ter uma relação física com o poder que te dá uma arma, e depois anulá-la."

"War of Freedom," 2014, de Michel De Broin

Para além da exposição, que dura até 25 de janeiro, a Guns in the Hands of Artists também conta com uma componente educacional. Earl Johnson, oficial de controle de Armas do NOPD, perguntou a Ferrara: "Vais fazer essa exposição numa galeria em Julia Street. Como é que isso vai chegar aos miúdos dos subúrbios?". Para responder a essa pergunta a galeria fez uma parceria com o Youth Empowerment Project (YEP), uma organização que trabalha com jovens entre os 7 e os 24 anos que já tenham passado pelo sistema judicial, para organizar uma série imagens, transmitidas ao vivo na galeria, sobre violência armada e o impacto que têm na juventude.

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"Marigny Warning," 2014m de John Barnes

Ferrara tem planos de fazer um livro e um documentário sobre a exposição, e vê-a como algo itinerante. "O próximo passo será viajar". Revela: "No mês passado tivemos muitos espectadores que não faziam parte do mundo das artes. As pessoas das artes adoraram e as pessoas que não são das artes também. Há uma beleza visual e conceptual nas obras. A parte interessante é que, quando envolves o espectador na estética, ele abre a sua mente de uma forma inédita. A arte é o ponto de acesso para a mudança de diálogo".

Guns in the Hands of Artists fica em exposição naJonathan Ferrara Gallery , em New Orleans, até 25 de janeiro de 2015.

Emily Colucci é uma jornalista que vive em New York.É co-fundadora do Filthy Dreams, um blog que analisa a cultura através de uma perspectiva queer. 

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