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Entretenimento

Profissão? Concorrente de televisão

Falámos com um concorrente de televisão profissional, uma espécie rara dentro do universo do pequeno ecrã.

Estão atentos a todos os castings. Não se cansam de ir a provas. Participam em todos os concursos possíveis. Ganham, perdem, voltam a ganhar, voltam a perder. Vivem para isso e aspiram viver disso. São os concorrentes profissionais de programas de televisão, uma espécie à parte dentro do universo fascinante da caixinha mágica. Falámos com um deles.

"Realmente, acho que não é possível uma pessoa viver dos concursos de televisão. A única excepção seria o Pasa Palabra. Aqueles que ganharam mais de um milhão de euros neste concurso podem viver desse dinheiro durante uns aninhos. No meu caso, mesmo tendo ganho muitos prémios, nunca consegui o jackpot. Participei em quase quarenta concursos durante vinte anos – agora já não o faço – e por isso conheço muito bem tudo o que envolve programas deste género". Fernando Cerezo foi, durante duas décadas um (quase) profissional dos concursos. Participou na maior parte dos mais importantes programas deste género em Espanha; desde o El Precio Justo a Atrapa un Millón, entre muitos outros, desde o início dos anos 90 até aos nossos dias. Este madrileno passou por dezenas de castings, respondeu a centenas de perguntas e o seu rosto passou por todos os canais de televisão do país. Não é famoso, mas teve mais momentos de fama que alguns dos supostos famosos da nova geração.

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Fernando já se aposentou (oficialmente) da sua carreira de concorrente, talvez porque muitas produtoras já o conheciam, ou talvez porque os novos programas já não são a mesma coisa. Com a liberdade suficiente, que o permite falar sem qualquer impedimento sobre a sua experiência, Fernando é a prova palpável que "o concurso"continua a ser um formato atractivo para o espectador. E também um formato com uma durabilidade e rentabilidade que agradam os canais de televisão. Os bons resultados das audiências de programas como o Pasa Palabra ou Ahora Caigo, dois veteranos que ainda estão em alta, confirmam que estão bem de saúde num território muito propício a mudanças de tendências e interesses. E prémios como o que o Pasa Palabra deu a semana passada ao inspector da polícia Luis Esteban - um total de 345.000 euros -, converte-se num bónus bem chorudo em tempos de crise, já que qualquer oportunidade de ganhar um dinheiro extra é sempre bem-vinda. Como assegura Cerezo, "com tanto desemprego é normal que haja mais interesse em participar neste tipo de programas, porque um prémio decente – imaginemos, três mil euros, por exemplo – pode aliviar-nos durante um bom bocado. Participar em concursos é uma espécie de saída para situações económicas precárias".

Encontrámos o Fernando graças ao seu blog, onde para além de divulgar novos castings para participar em programas, partilha também uma série de truques e conselhos que podem ajudar a ganhar um concurso e ao mesmo tempo não fazer má figura. Analisámos seu perfil e trajectória e não tardámos muito a entrar em contacto com ele, não só para saber mais sobre como é ser um concorrente e como são realmente os concursos, mas também (e principalmente) para esclarecermos, de uma vez por todas, aquelas dúvidas que nos assaltam quando vemos estes concursos no sofá lá de casa.

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VICE: Tens uma ideia mais ou menos exacta da quantidade de dinheiro que ganhaste durante estes anos?

Fernando Cerezo: É difícil ter um cálculo actualizado, porque foram muitos os prémios que recebi durante estes anos, que não foram poucos. Além disso, ganhei várias viagens, dois carros e outros prémios desse género. Digamos que actualizando tudo isto e convertendo-o em números, penso que terei ganho uns 80 mil euros.

Perguntei-me várias vezes: quanto tempo demoram as pessoas a receber o seu prémio?

O prazo para receber o prémio está estipulado no contrato que assinas antes de entrar no concurso. Normalmente demora três ou quatro meses a partir da data de emissão do programa, (e caso não seja emitido, não recebes nada, mas isto raramente acontece).

E os impostos?

No ano seguinte, o montante do teu prémio é somado aos teus bens passivos como mais um bem (faz parte do teu património). Conforme o cálculo final, esse é o valor que as Finanças vão ter em conta. Se forem prémios pequenos, o processo não muda muito e a percentagem será similar à que tinhas para o resto dos teus bens. Só se o prémio for grande é que o valor de base subirá bastante, podendo mesmo chegar aos 48%. Bendita retenção…

Saíste alguma vez de mãos a abanar?

De alguns programas sim, como por exemplo El Precio Justo, onde estive duas vezes.

Como é que geres a tua vida no meio de tantas gravações de programas em que tens que estar tantos dias fora? Por exemplo, nos concursos como Saber y Ganar ou Pasa Palabra.

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Nos programas em que a tua participação se alarga no tempo, tens de tirar alguns dias de férias. Por exemplo, em Saber y Ganar há gravações todas as semanas, durante dois dias seguidos, nos quais fazem 10 programas, cinco por dia. No caso de Pasa Palabra gravam-se três programas por dia.

Tenho muitas vezes a sensação de que os concursos podem ser manipulados, ou pelos menos direccionados em função dos interesses do próprio programa. Alguma vez tiveste essa suspeita?

Raramente. Mas lembro-me, em 2000, do dia em que Enrique Chicote levou 50 milhões no "Quem Quer Ser Milionário?". Eu estava lá, ao lado do Carlos Sobera e do Chicote, porque ía participar no programa seguinte, e tive a sensação que as perguntas que lhe fizeram eram bastante fáceis. Parecia que queriam mesmo dar-lhe o prémio, para aumentar as audiências, que nas semanas anteriores tinham sido bastante fracas. E o objectivo cumpriu-se: as audiências cresceram, não apenas no dia da emissão, mas também nas semanas seguintes.

Então a teoria que muita gente tem que sobre o Pasa Palabra, em que o concorrente erra propositadamente para ir aumentando o prémio, não faz sentido…

Os concorrentes nunca erram de propósito. Mesmo que sejas bastante bom nunca sabes que tipo de adversário terás no dia seguinte, por isso é melhor que leves o dinheiro enquanto possas, antes que erres e não consigas completar as 25 definições. Outra coisa que acontece é que muitas vezes há duas ou três perguntas quase impossíveis de responder, que impedem que ganhes o dinheiro todo.

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* * *

Perguntas mais fáceis do habitual. Ou perguntas quase impossíveis de responder. Casting mais inspirado ou menos acertado. Ao ouvir Cerezo, percebemos que há condicionantes que se movem dentro da mais absoluta legalidade. É assim que os concursos gerem o resultado final, para adaptar e responder às suas próprias exigências de audiência e atenção mediática. É bastante conveniente assegurar um bom mealheiro para converter o prémio gordo em publicidade, e também como isco que atrai audiência. Não há trafulhice, mas é possível equilibrar o nível em função do momento e das necessidades.

Que tipo de concorrente procuram estes programas? Existe algum perfil pré-definido?

Há muitos tipos de concursos e cada programa procura um determinado perfil. Há os programas de talento (de cantar, dançar, cozinhar, etc.) em que o mais importante é que o faças muito bem. Noutros, por exemplo culturais de grande nível, tipo Pasa Palabra ou Saber y Ganar, procuram bons concorrentes, gente que saiba muito, e não importa que sejam sisudos ou antipáticos. Por último, temos os pseudo-culturais, tipo Ahora Caigo, procuram pessoas simpáticas, que alimentem o jogo, mesmo que o seu nível cultural não seja muito alto.

E quando te chamam para ires ao casting, como se desenvolve todo o processo e quanto tempo pode demorar desde que te chamam até que o programa seja emitido?

Os prazos dependem muito da produtora. A mais dinâmica é a Gestmusic. Ligas para lá e três semanas depois estás a fazer o casting. Depois, se fores escolhido, demoram apenas duas ou três semanas em ligar-te outra vez. No extremo oposto está o Saber y Ganar. Podem passar meses e meses desde que os contactas até que te respondam e peçam para fazeres o casting, que, neste caso, é por telefone.

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Ficaste fora de muitos concursos?

Claro que houve muitos concursos nos quais quis participar e não pude. Algumas vezes, nem sequer me chamaram para o casting. Outras vezes, os concursos terminaram mesmo antes de os contactar. Por último, noutros castings fiquei pelo caminho.

Em que concurso querias mesmo participar, mas não pudeste?

O Uno, dos, tres. Foi um dos grandes formatos da história da televisão (tanto em Portugal como Espanha), que criou uma espécie de escola, e por isso gostaria bastante de ter passado por lá, e conhecer pessoalmente o Chico Ibanez Serrador. Não aconteceu porque, porque só escrevi para o programa na última temporada, e esta durou pouquíssimo tempo.

Fazendo uma retrospectiva da lista de programas em que já participaste, guardas alguma má recordação?

Tive momentos maus. E a minha pior experiência foi no "Quem Quer Ser Milionário?", onde consegui o mais difícil - que é chegar ao centro. O problema é que depois fiquei muito nervoso (e Carlos Sobra, o apresentador, não ajudou nada), falhei uma pergunta, e levei apenas mil euros para casa. Foi um mau momento, sobretudo pela forma como falhei. Demorei semanas a assimilar o que tinha acontecido.

No teu blog dás conselhos e truques para que os concorrentes não façam má figura. Conta-nos quais são os cinco pontos principais para consegui-lo, num programa de perfil médio.

Depende muito de programa para programa. Se por perfil médio entendemos concursos como Ahora Caigo ou La Ruleta de la Suerte, os factores mais determinantes seriam a simpatia e ter ideias originais - às vezes um bocado estrambólicas -, mas sobretudo, ser diferente dos outros, e ter sentido de humor.