Corin na montanha e o novo capítulo da história dos Alpha
Fotografia de Sam Dingley

FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Corin na montanha e o novo capítulo da história dos Alpha

Corin Dingley é o mentor de Alpha, vive no coração dos Pirinéus, constrói casas, e faz música encantada.

Corin Dingley está sentado no chão no meio de uma sala enorme em obras, ferramentas por todo o lado, pedaços de madeira, cabos dependurados do tecto… Está sozinho, sorridente, chávena de café na mão, mas com um ar esgotado.

Tínhamos combinado falar via skype a propósito do lançamento do novo disco de Alpha, "Loving Nobody" (Don't Touch, 2015) e quando a sua companheira me disse, uns minutos antes da ligação, "o Corin está a trabalhar, mas liga que ele atende", imaginei-o enfiado no seu estúdio caseiro rodeado de instrumentos, computadores e colunas de som. Surpreso ("to say the least"), pergunto-lhe onde é que está e o que está a fazer. E a resposta, envolvida numa gargalhada sincera e que, percebo de imediato, já antecipava o meu espanto, não podia ser mais terrena: "São as realidades da vida…estou a fazer obras, a construir uma casa…".

Publicidade

De surpreso, passo a perplexo e ainda lhe pergunto se é um estúdio novo ou alguma coisa do género, mas não. É mesmo uma casa. Mais um chalet a juntar aos três que Corin e a sua mulher, Sam, alugam a turistas na pequena vila onde vivem com os filhos, no coração dos Pirinéus franceses, há coisa de oito anos. Sabia que que vivia ali e que todos os discos dos Alpha desde 2007 tinham sido ali criados, mas não fazia ideia que para além do génio musical por detrás da criação de um dos álbuns da minha vida, ("Come From Heaven", Melankolic, 1997), estivesse também um empreendedor turístico e…um construtor.

"Construí tudo. Já tinha feito este tipo de trabalho no passado, ainda em Inglaterra, em estúdios de som e coisas assim, mas nunca nesta dimensão. Acabei por descobrir que não só tinha jeito, como também é um processo muito parecido ao de compor música. A criatividade que ambos envolvem é o que me inspira". No caso deste novo espaço, criatividade é mesmo a palavra de ordem. Como acaba por revelar-me mais tarde, em jeito de segredo que não consegue aguentar: "isto será mais do que só um a casa, será um novo disco dos Alpha". Como diz? "Estou a instalar equipamento multimédia integrado, de forma a que quem aqui fique tenha uma experiência sensorial única com música e vídeo originais. Vai ser fabuloso", garante. E mais uma gargalhada.

Corin é o gajo mais simpático do planeta. E também, certamente, um dos mais incompreendidos. Ou, se calhar, até mais do que incompreendido, desvalorizado. É muito provável que tu que estás a ler isto, não faças puto de ideia de quem é o Corin, ou os Alpha, ou porque raio estamos sequer a falar com um gajo que vive no meio da montanha e trabalha nas obras (pesquisa tudo, já). Mas houve um tempo, em que este gajo foi uma estrela. Não uma estrela daquelas de limusine e flashes de paparazzi, mas uma daquelas que esses referenciavam a torto e a direito e faziam questão de convidar para remisturas, produção, colaborações. A Madonna telefonou-lhes (durante mais de dez anos, os Alpha eram Corin Dingley e Andy Jenks) e pediu-lhes para trabalharem em várias músicas que viriam a integrar o álbum "Music". David Bowie, Radiohead, ou Jarvis cocker, dos Pulp, faziam parte do coro de admiradores confessos. Estávamos nos finais dos anos noventa e tudo o que fervilhava parecia vir de um só sítio, Bristol. Chamaram-lhe trip-hop e à cabeça estavam os Massive Attack, Portishead, Tricky…e os Alpha.

Publicidade

A editora Melankolic, subsidiária da Virgin e gerida precisamente pelos Massive Attack, edita "Come From Heaven" como primeiro tomo na sua curta história. Foi o suficiente para começar o culto. "Come From Heaven" é um daqueles discos que é muito mais do que o estilo que o define na imprensa. "Era o rótulo da altura, embora eu pense que o que fazíamos e continuo a fazer, se tiver de ser definido com uma só palavra então que seja 'electrónica'. É música feita em máquinas, mas com um sentimento orgânico, com emoção. Mas nunca liguei muito a isso". Isto diz Corin agora, quase 20 anos depois e ainda no mesmo nicho de culto. "As coisas aconteceram assim. Nada de arrependimentos. Na altura, os nossos cantores estavam poucas vezes disponíveis para os concertos ao vivo e chegou a um ponto, talvez por volta do terceiro disco, em que tínhamos muitas solicitações para tocar e não podíamos fazê-lo de uma forma conveniente, e isso se calhar fez com que as pessoas se fossem esquecendo", reforça, sem pingo de mágoa. Sai gargalhada.

Mas nem toda a gente se esqueceu. Prince, por exemplo, sim, Prince, acaba de publicar Tidal, uma lista das suas músicas favoritas de sempre. E está lá "Somewhere Not Here", ao lado de Marvin Gaye e Curtis Mayfield. "É de loucos não é?", pergunta-me Corin com as mãos na cabeça. E continua: "O Prince? E mete-nos assim com o Marvin Gaye e o Curtis? De loucos. Estamos a tentar encontrar uma morada para lhe enviarmos o novo disco. Pode ser que goste".

E o novo disco, décimo terceiro lançamento, é qualquer coisa de extraordinário. Denso, atmosférico, melódico, escuro, mas fresco e refrescante. Uma espécie de voltar ao início com a bagagem toda de 20 anos a viajar.

Editado em apenas 250 unidades em vinil, todas vendidas em antecipação, "de forma a ser possível fazê-lo", e com download digital limitado a um mês (já não está disponível), "Loving Nobody" é muito provavelmente um dos álbuns do ano e aquele que menos gente irá ouvir. Foi uma forma de poder fazer um objecto que as pessoas quisessem ter, e musicalmente é o culminar de um processo de sete anos. Grande parte das músicas são canções nas quais trabalho desde 'The Sky is Mine', até antes de vir para França", revela Corin, num momento, em que, de repente, se apercebe de que há precisamente sete ou oito anos "que não dava uma entrevista".

Se calhar vai ter de se habituar outra vez. Em Dezembro, os Alpha vão voltar aos palcos (concertos em Bristol e Londres já marcados) e com Corin vão estar, não só a sua cantora de sempre, Wendy Stubbs, como outra das mais regulares, Hanna Collins, e ainda alguns dos convidados especiais que dão voz às 18 canções de "Loving Nobody", Kate Stables, do projecto This is The Kit, Jesse D Vernon, Joe Cassidy, Morning Star, Jamie Gingell, ou Secret Shine. "Ainda não sei se poderão actuar todos, mas espero que sim, vamos ver. De qualquer maneira estou muito contente por voltar a tocar ao vivo", conclui Corin antes de nos despedirmos e de me garantir que, aconteça o que acontecer, não deixará a montanha tão cedo: "Adoro viver aqui, a minha família está muito bem integrada, e temos uma vida tranquila, embora com muito trabalho. Estamos praticamente cheios o ano todo e há sempre muitas camas para mudar. A única coisa que me chateou recentemente foi o aumento brutal dos preços dos correios. Tínhamos feito uma estimativa para o envio das 250 cópias do disco a quem o comprou e agora quando fomos enviar para os Estados Unidos, o preço tinha passado de oito, para mais de 15 euros". Sai gargalhada.

São as realidades da vida!