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Milhões de Festa

De Lisboa a Barcelos a pedalar: Dia 1

Uma odisseia de 370 quilómetros até Barcelos.

Três ciclistas Camisola Amarela da Sevenwheels pedalam 370 intensos quilómetros em dois dias para ir ao Milhões de Festa. Ontem foi a viagem de Lisboa até cerca de metade do trajecto, perto da Figueira da Foz.

Aqui ainda se riam! O despertador toca e são quatro e meia da manhã. Deitar-me às duas e tal se calhar foi má ideia. O ponto de encontro foi na Sevenwheels, perto do Marquês de Pombal. Como é clássico do português: chegaram atrasados. Mas pronto, até é facilmente explicável (eu) e desculpável (eles): ficaram a preparar as coisas até tarde enquanto eu bebia uns copos com amigos. Fomos ao Grémio do Carmo (que é bem fixe) tomar um pequeno de almoço de rei e ter uma conversa mesmo boa onda. Isto acabou por adiar a nossa saída em mais hora e meia. Existia alguma ansiedade no ar, ansiedade que o Marco (o dono do café) atenuou com a sua hospitalidade. Acho que os ouvi a dizer “bem, é agora” umas dez vezes antes de ser mesmo. 185 quilómetros por dia ainda é um bocado, sobretudo nestas condições: sem travões, só uma mudança e carreto preso (têm SEMPRE de pedalar). É uma odisseia, uma loucura, um sonho. Perto das oito, e depois de uma mija do Fábio no Cais das Colunas, lá se fizeram à estrada. O café teve grande efeito no Fábio (sim, outra vez ele) que foi mais de uma hora a cantar um conjunto eclético de clássicos. Desde “Summer of 69” à “Woo Woo Swag” do Lil’B, o gajo é um entertainer nato que compensa a ausência de rádio nas bicicletas. Tem futuro. A primeira paragem foi para fingir que dá para impedir o bronze à camionista. O dente do Fábio partiu-se algures — “num momento tinha o dente, no outro já não tinha” —, mas nem foi por causa de uma queda. Ele diz que foi uma abelha ou uma pedra. Não se importou muito, até curtiu. O Ricardo é claramente o mais disciplinado, só toma o Isostar para dar energia e mais nada. Por vezes, assume um papel quase de irmão mais velho no grupo, a mostrar como se arruma as coisas e a dar dicas com base na experiência própria. Se alguém o vir, diga cenas. Como eu era o carro de apoio tinha de ajudar sempre que era preciso (o que até foi fixe). Consegui, por exemplo, que nos oferecessem água quando a nossa esgotou — obrigado, Benebike! Eu re-enchia as "águas", devolvia-as em andamento e essas coisas que os carros de apoio mais fixes fazem. O João estava mesmo esfomeado, já me tinha pedido comida, mas eu não sabia o que dar. Quando o Ricardo, que tinha trazido a comida, parou para ver uma cena na bike, eu estive a falar com ele e fiquei proibido de dar de comer ao João: “Não pode ser, tens de ser treinador. Se ele comer vai rebentar e não chega ao fim.” O João quase que desmaiou, mas depois comeu uns bolinhos e fez-se homem. A paisagem portuguesa do circuito de estradas para camionistas é composta por montes dourados e putas baratas. Vimos tantas que nem iam acreditar no número — p'raí mais de 50. É o mesmo número em euros que custa ter relações num destes montes (a dividir pelos três, não a cada um). Havia uma oferta enorme, senhoras para todos os gostos, desde donas de casa dos anos 60 até amazonas. Estão a ver, andamos mesmo a fazer isto. Isto é uma rotunda em Leiria. Em Leiria descansou-se, comeu-se umas cenas maradas vegetarianas (nada contra) e fez-se amigos. É agradável esta cidade. Os cães vagabundos tratam-te com afeição, como se te conhecessem desde sempre, e as velhinhas cantam-te músicas e olham para e por ti. Nunca tinha comido ao som da “Marselhesa” cantada por uma senhora mais idosa, cujos olhos estavam hipnotizados pela minha presença. Depois de Leiria já estavam em piloto automático, quase nem tive de dar apoio. Senti-me a ver a Volta a Portugal à rico, de carro. Aliás, nesta viagem vi do melhor que Portugal tem para oferecer. O mosteiro é muito fixe porque faz lembrar filmes de terror. Olha só o nome desta terra, que tosco. O nome já era bom (RIP), a temática só o aperfeiçoa. Alguns duvidaram, mas eles conseguiram, e quase de directa. Lá acabámos por chegar ao destino, uma recém-aberta surf house em Lavos. Amanhã é que se vai saber os efeitos do dia de hoje e eles lá estarão para ir até ao Milhões (com ou sem pernas). “Dói? Mete gelo.”