Talvez nunca como agora, a produção nacional esteja tão fervilhante. Uma premissa assente não tanto no factor qualidade (que sempre existiu, independentemente do período), mas sobretudo pela multiplicidade e diversidade das propostas. Ainda que paire a sensação boa de que ainda há muito por escutar e imenso por explorar, este tempo presente merece alguma celebração. Numa realidade em que a acessibilidade a ferramentas e plataformas de criação e divulgação detêm um papel fundamental, a informação pode contudo, ser mais difusa e dispersa que o desejável. Ou seja, torna-se armadilha demasiado fácil um gajo perder-se num mar de mp3, vídeos, bandcamps e afins. Entrámos nessa espiral e recolhemos alguns exemplos de bandas e/ou artistas merecedores da nossa, e claro, da vossa atenção. É mais que natural que tenham ficado de fora tantos outros, mas este é um trabalho em progresso.ROUNDHOUSE KICKIgor Inácio e Adriana Lourinho são um pequeno Santo Graal da electrónica actual. Operando num Algarve ainda maioritariamente dominado pelas piores polaroids de house-pézinho-na-areia e festas de carga VIP duvidosa, osRoundhouse Kickdestacam-se e brilham na criação de uma esfera sonora híbrida e colorida. Pelas origens daacid housemais rudimentar e damutant discode Nova Iorque, até às novas manobras de techno ainda por mapear, o duo abre espaço para infusões soul e devaneios cósmicos num pulsar urbano-tribal que não desdenha um radioso nascer de Sol. Figuram também na crew da editora One Eyed Jacks, propriedade dos Photonz. Quem já os viu ao vivo, perdidos entre sintetizadores, sequenciadores e uma panóplia analógico-digital por vezes difícil de descortinar, sabe o valor da magia que criam perante uma audiência. Há muita dedicação por aqui, e isso ressalta em casos como a sua reinterpretação do clássico "What's Going On", de Marvin Gaye.Algorythms, de 2012, oferece rasgos de genialidade, mas esta é só a ponta de um tremendo icebergue.
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HHY & THE MACUMBASTudo nosHHY & The Macumbasparece desconcertante e, na mesma medida, estranhamente coeso. Uma espécie de sonho ressacado onde elementos do macabro e do insólito coabitam num voodoo em constante erupção. No centro, encontramos o maestro Jonathan Saldanha, ou HHY se preferirem, que reúne estas e outras referências à volta de uma fogueira imponente. Médio Oriente, África ou Ásia, a geografia desta música é imensa. Com uma formação de músicos variável, a própria dinâmica da banda acaba por ser tão mutante quanto a sua música. Estiveram presentes em importantes festivais como o Sónar, assim como numa das edições das séries Tapper da revista britânica Wire, e este ano figuraram no cartaz do Primavera Sound no Porto.
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TIGER PICNICFundadores de um género que o apelidaram como Catano Blues, osTiger Picnicpersonificam o rock de garagem como deve de ser: crú, directo e sem espinhas. Trocando entre si os papéis de vocalistas, guitarristas e bateristas, Ricardo e Beatriz podem ser apenas dois, mas enchem palco e ouvido por quatro ou cinco. São também 2/4 dos Dirty Coal Train, outras das encarnações rock mais abençoadas em Portugal no último par de anos. Workholics incuráveis e fiéis seguidores da máximado it yourself, já contam com três discos e um EP, o mais recenteCrust de Boroa com um alinhamento composto de versões suadas de clássicos Lead Belly, Circle Jerks, Crass ou Howlin Wolf. Bomba lo-fi, infalível para festa de aldeia ou festival bruto.
MO JUNKIENome forte da netlabel Phonotactics, o cowboy solitário Mo Junkie tem vindo desde 2007 a editar com regularidade invejável e ainda assim passando despercebido por muitos. Exímio na arte do corte e costura musical, talvez um dos maiores símbolos nacionais deste tempo, existe demasiado material e razões que sobrem para incluí-lo nesta amostra. Move-se como poucos na locomoção de ritmos em contínuo, sempre de olho aberto para inclusões exóticas e enigmáticas, fazendo frente a tantos outros alquimistas estrangeiros prezados por cá. Além do mais detém uma compreensão musical genuínamente alargada, logo não ancorada a nenhum género específico embora as suas incursões partam frequentemente dos labirintos do hip hop e electrónica abstracta. O disco
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QUELLE DEAD GAZELLECom a paisagem árida da savana sempre de fundo, não é imediato imaginar tamanho estradalhaço vindo de um singelo combo de guitarra e bateria. Pegando na máxima "less is more", os Quelle Dead Gazelle não necessitam de muito mais na criação pessoal de uma linguagem rock imprevisível e assumidamente orgânica — o toque de condão nos detalhes ou nas soluções só podiam vir de mãos humanas e não de teclados ou ratos de computador. Na passagem deste tornado sónico, sem origem nem destino, sobrou para o EP homónimo (produzido e masterizado por Makoto Yagyu dos If Lucy Fell e PAUS) que reúne seis faixas ilustradoras de raids de jipe, tardes de calor em chama e alucinações com zebras e elefantes. África aqui à porta, mas sem batuques e danças.