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saúde mental

O pesadelo de viver com emetofobia, o medo de vomitar

A ideia que se apodera do meu cérebro (inclusive quando estou a dormir) é: "Vomitarei hoje?". Ao que imediatamente respondo: "Provavelmente sim!".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Foi a cenoura que me tramou. Era um cartaz todo rabiscado que dizia "Mantenha a comunidade saudável". Havia também muitos outros desenhos colados na parede, feitos pela pequenada, mas a cenoura - toda sorridente, como se estivesse a rir-se de mim - atingiu-me como um murro no estômago.

Estava em frente à porta da clínica psiquiátrica. Tinha feito tudo "bem" nessa manhã e, mesmo assim, atrasei-me mais de uma hora (deveria ter demorado uns 30 minutos no máximo). Comi as minhas inofensivas papas de aveia, enchi uma garrafa de água e guardei uma bolsa de plástico impecavelmente dobrada em caso de enjoo. Tinha também uma pastilha elástica, na qual confio, todos os dias, para que elimine qualquer sabor da boca que possa fazer-me vomitar. Contudo, ainda senti um medo familiar assim que fechei a porta de casa.

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Vejo-me como um guerreiro do vómito pouco ortodoxo. Sofro de emetofobia grave há três anos, mas já a tenho, com diferentes graus de intensidade, há mais de uma década. A ideia que se apodera do meu cérebro (inclusive quando estou a dormir) é: "Vomitarei hoje?". Ao que imediatamente respondo: "Provavelmente sim!".

Este tem sido o meu principal pensamento todos os dias, durante os últimos três anos. A sensação de náusea é real e doentia. O aumento repentino de temperatura, o suor frio e os arrepios são sintomas de que vou vomitar. Este é o momento em que vomito. É o meu corpo. Não consigo evitá-lo. Estou encurralado. Vou vomitar. Vou vomitar. Vou vomitar.

Tenho 24 anos. Vomitei quatro vezes na vida.

Sigo uma dieta de alimentos seguros e insípidos, porque não quero correr o risco de ter uma intoxicação alimentar. Sou hiper-sensível no que diz respeito à higiene e lavo as mãos mais do que é necessário. Quando não está ninguém em casa limpo os talheres e as maçanetas das portas com toalhitas anti-bacterianas. Todos os invernos é um pesadelo - apocalíptico - quando no telejornal dizem que há um vírus novo a propagar-se. Para mim, ouvir isso é o mesmo que uma pessoa normal ouvir "Ei, está um gajo no teu jardim com um machado coberto com o sangue das suas vítimas e sabes que mais? Tu és a seguir!".

Sei que parece estranho e irracional, mas no ano passado estive vários meses a fantasiar com a possibilidade de me suicidar, porque não conseguia suportar o medo desta náusea constante. Não receio a morte, porque quando estás morto não podes vomitar. E, mesmo que o faças, estás morto, portanto não sentes nada. Tinha tudo meticulosamente planeado, a ideia de morrer parecia, em muito menor medida, mais tolerável que vomitar. A única coisa que me fez superar este período foi um grupo de bons amigos, terapeutas e psiquiatras incrivelmente compreensivos.

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Foi também nesse momento que o meu cérebro decidiu deixar de funcionar normalmente. Aprendi rapidamente que o meu cérebro trabalha agora em duas modalidades: ou em excesso, ou nem sequer funciona. Pelos vistos, não conseguia fazer frente a este medo irracional de vomitar e decidiu tirar uns dias de férias, sem dizer nada a ninguém. Comecei a viver uma despersonalização intensa.

Caminhava como se fosse um extraterrestre, ou seja, podia ver toda a gente, mas não conseguia comunicar com ninguém. Podia apenas manter uma conversa básica e custava-me bastante olhar alguém nos olhos. Lembro-me de passear por um supermercado e pensar que nada do que me rodeava era real e que eu não era uma pessoa. Não foi a primeira vez que senti esta despersonalização, mas enquanto antes durava apenas uns minutos, agora acontecia constantemente.

Por fim, diagnosticaram-me uma depressão, mas não acreditei. Não passava o dia inteiro a chorar fechado no quarto. E, na minha ingenuidade, pensava que isso é que era ter uma depressão. Não me sentia triste. Simplesmente não sentia nada, era como se apenas existisse e não vivesse. Ainda para mais, nos períodos mais profundos desta depressão, o medo e a expectativa de poder vomitar a qualquer momento nunca se desvaneceram. A sensação de perigo continuava a ser muito real.

Depois de tudo isto, foi bastante difícil para mim ter de tomar antidepressivos e continuar a medicar-me. Passei vários meses deitado na cama, sem me mexer, para evitar qualquer vontade de vomitar. Chorava em silêncio cada vez que tomava um comprimido, pensando que os medicamentos me fariam vomitar. O antidepressivo que me receitaram tinha como efeito secundário "muito frequente" náuseas, por isso, na noite que tomei o primeiro comprimido fiquei deitado na cama a chorar, na escuridão do meu quarto, para o caso deste simples acto agravar ainda mais as minhas náuseas horríveis e desejando desesperadamente que o meu corpo não se rendesse.

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Alguns amigos meus aperceberam-se de que algo se passava quando estava deprimido, um deles chegou a dizer-me que o meu aspecto tinha mudado, que via que eu "não estava bem" e, mesmo antes disto, pouca gente sabia qual era o meu estado de saúde mental. Os que sabiam, já estavam absolutamente familiarizados com a minha situação, porque estavam sempre ao meu lado quando tinha um ataque de pânico - momento em que me sinto a ponto de vomitar, assim, sem mais nem menos.

Nestes momentos, quando tento explicar-me, faço-o demasiado rápido, a toda a velocidade. Digo-lhes que não posso jantar fora, que a minha ingestão de comida é bastante limitada, que não viajo e que a minha vida está destruída por causa das minhas obsessões. Enquanto lhes falo de forma incoerente, os meus olhos estão fixos na porta de saída, avaliando se seria melhor vomitar naquela sala, na casa-de-banho ou na rua. Se decidir sair, talvez não chegue a tempo, mas se ficar ali dentro as pessoas poderão ver-me vomitar. Qualquer umas das possibilidades é um pesadelo. Enquanto a minha mente procura uma solução, continuo a explicar-lhes o meu ataque de pânico, esperando de alguma forma que, ao contar-lhes como me sinto, o medo desapareça. Pensado que poderei parecer menos desequilibrado se explicar o que sinto. Logo depois, uma vez passado o ataque de pânico, arrependo-me imediatamente de ter exposto a minha fobia.

Viajar é uma luta contínua, por causa dos enjoos que sinto cada vez que tenho de me deslocar num meio de transporte. Demoro o dobro do tempo a chegar a qualquer sítio, porque tenho que lutar (constantemente) com a vontade de voltar para casa, já que as náuseas são um aviso de que vou vomitar. Comer num restaurante é a mesma coisa que me pedirem para caminhar num arame suspenso sobre um tanque de tubarões. Deixei de beber álcool e não saio à noite. Não provo nenhum alimento cozinhado, a menos que saiba que não terei que sair de casa durante o resto do dia, caso sofra de uma intoxicação alimentar. Saio sempre dos autocarros antes do tempo, caminhando mais do que o necessário para evitar multidões, com medo de vomitar em cima de toda a gente, ou mesmo que alguém possa vomitar sobre mim.

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Perdi muitos eventos e momentos importantes por causa desta maldita e ridícula fobia. Mas, pelo menos agora o meu cérebro está a funcionar normalmente. Receitaram-me uns antidepressivos novos que ajudam a prevenir as náuseas e provocam sonolência, por isso agora só acordo uma ou duas vezes por semana a meio da noite com medo de vomitar e não todas as noites, como acontecia antes. Parece um milagre. Estou a ser medicado há quase um ano e, apesar de ainda me sentir preso pelos meus pensamentos, sinto-me uma pessoa viva. Para mim, isso significa que estou a melhorar. Agora também faço terapia de exposição para tratar a minha fobia de vomitar. Já consigo ver fotografias de pessoas a vomitar sem pestanejar e ver vídeos de gente a vomitar sem que me dê vontade de saltar pela janela. Conseguiria estar ao lado de alguém a vomitar? Provavelmente não, mesmo que acredite que numa situação dessas conseguisse fazê-lo. Ainda continuo a sentir náuseas todos os dias, mas aguento bem. Pouco a pouco parece que vou vendo a luz ao fundo do túnel.


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