Eu antes também tomava essa merda a que chamas café

Há um momento na vida de todas as pessoas em que estas têm duas opções, como o Neo, no Matrix, quando tem de escolher entre o comprimido vermelho e o azul. Podem continuar com a rotina de sempre, e cada manhã tomar o seu café para enfrentar a rotina do dia-a-dia, trabalho e amigos. Ou aceitar que existe outra vida, e que talvez tenham estado a dormir este tempo todo, embora – em aparência – tenham estado acordados, devido a todo o café que tomaram.

A maioria das pessoas não concebe o seu dia sem um café, e tu já deves ter tomado, pelo menos um, antes de ler este texto. É por isso que, depois do petróleo, o café é a mercadoria indígena que mais dinheiro move. Este aspecto tem muitas consequências, e nem todas são boas. Uma de elas tem a ver com todos os interesses que existem por trás dele, e portanto, nem tudo o que chega às nossas cafeteiras é bom café. Ás vezes, nem sequer é café.

Ninguém nasce com um paladar gourmet. Sejamos honestos. Hoje em dia podemos dizer que preferimos um vinho alentejano a um do Douro, mas todos começámos pelos vinhos mais baratos do supermercado. Neste caso é igual. Eu também passei anos a contaminar este ouro negro, sempre que lhe juntava açúcar para esconder o sabor de uma bebida à qual nunca chamaria "a damm fine cup of coffee". Mas com o tempo aprendi umas coisas, e estou aqui para explicá-las. A mais importante: existe café comercial, e café do bom.

Cafés comerciaise Cafés especiais

Pensa no teu tipo ideal. Não tem defeitos, pois não? Com o café ideal é igual, é a pessoa ideal com quem queres partilhar a tua vida. Nem mais nem menos: um café do caraças. Mas não vivemos de ideais, e da mesma forma que não damos importância a alguns defeitos da nossa cara metade, aqui também damos por nós a ser permissivos. Tomar "cafézinhos" é como casar com o homem que te dá o primeiro beijo.

A origem é IMPORTANTE

O que bebemos é um produto agrícola – que tem as suas temporadas, dependendo do país produtor – e que se cultiva em regiões situadas entre os trópicos. O café gosta de calor e humidade, como tu gostas de viajar até à América Central, e perder-te na selva. Todo o potencial do café vem das zonas de cultivo. Sem um bom café de origem não podemos desfrutar de uma boa chávena desta bebida. O trabalho posto em prática por mulheres e homens, em cultivá-lo ou apanhá-lo, passa agora para as mãos de outros, que têm de fazer o que seja possível por respeitar o trabalho dos produtores, e assim conseguir o melhor café possível.

Arábica vs. Robusta

Estas duas variedades são, por assim dizer, irmãs de pais diferentes. Por um lado está o café robusta, que é bruto, tosco e duro. O café que produz não é super agradável – contém o dobro de cafeína – e é como alguém com quem não gostarias de acordar. O café arábica é a sua irmã delicada e criativa. Dá mais trabalho, mas a recompensa é maior.

A torra

Tirando a moda de que o café ajuda a emagrecer, e outros benefícios nos quais me custa acreditar, o café que tomamos deve ser torrado. E a coisa tem arte. Torrá-lo demasiado significa desperdiçar recursos, e ficar com mais do mesmo. Algumas torradoras de café xpto cozinham-no, e retiram-lhe o que muitas alminhas se esforçaram em preservar: os potenciais aromas e sabores que podemos encontrar no grão verde. É melhor não tomar um café que tenha sido torrado muito depois de duas semanas (uma pizza pode estar boa no dia seguinte, mas não o estará duas semanas depois). Usa uma torradora pequena.

Rastreabilidade

É parecido com pedir um relatório médico ao gajo com quem vais enrolar-te, para ter a certeza de que não tem nenhuma doença sexualmente transmissível. Com o café queremos saber, no mínimo: de que país vem, a região em que foi cultivado, o nome do produtor, a altitude, a variedade e o processo de produção. Na hora de comprar pede sempre cafés especiais, e se te responderem que "vem da Colômbia, como sempre", não voltes.

O barista

Um barista não é só a pessoa que faz os desenhos e corações no café que normalmente vês no Instagram. É um expert. É a última barreira entre ti, consumidor, e toda a parafernália que envolve este universo. Todos precisamos de um barista nas nossas vidas. É uma espécie de médico de família, e assim que o encontres, nunca mais vais ter de explicar como queres o teu café.