Estas casas estão a deixar as pessoas doentes

FYI.

This story is over 5 years old.

Fotos

Estas casas estão a deixar as pessoas doentes

Lar doce lar.

No ano passado, quando esteve a morar em Nova Iorque, a fotógrafa portuguesa Ana Brigida Moreira Mendes passou alguns meses em bairros como o Bronx, o Harlem e o Lower East Side a fotografar o interior de prédios delapidados. Não numa de cuscar, mas sim para tentar chamar a atenção para o estado destes edifícios. O bolor nas paredes das casas reflectia-se nos corpos dos seus moradores. Fui falar com a Ana sobre este projecto, Bloomberg's Legacy, enquanto ela estava em casa de cama, por causa de um acidente de bicicleta. VICE: Conta-me como é que este projecto surgiu.
Ana Brígida Moreira Mendes: No ano passado, consegui um estágio na revista Magnum, em Nova Iorque. Saí de Portugal e fui parar ao Bronx. Do outro lado da rua onde morava, havia um grande bloco de apartamentos. As paredes exteriores estavam cobertas de marcas de tiros, o que me deixou curiosa. Foi aí que comecei a questionar a vizinhança sobre isto. O Michael Kamber, do Centro de Documentação do Bronx, apresentou-me a uma pessoa que me contou tudo sobre a tal organização, a Manhattan Together. Nessa altura, entrámos em contacto com a Marielys Divanne, que trabalha com eles. E foi assim que tudo começou. O que é que a Manhattan Together faz exactamente?
É uma organização que trabalha para melhorar os bairros sociais de Manhattan. Eles perceberam que o bairro estava tão degradado que começou realmente a afectar a saúde dos habitantes. Os membros foram de porta em porta tentar saber mais detalhes com cada inquilino, na tentativa de descobrir a origem do problema. Queriam também fazer um levantamento dos problemas respiratórios provocados pelas más condições a que os moradores estavam sujeitos. Contudo, não estavam a ter uma noção real da gravidade da questão. Foi aí que entrei em acção com estes retratos das pessoas e dos danos nos seus apartamentos. Estas fotos funcionaram como prova quando eles processaram a Autoridade de Habitação de Nova Iorque, em Dezembro passado.

Publicidade

A Susana é uma asmática de 16 anos. Há mais de dez anos que vive com bolor na casa de banho, cozinha e quarto. Melrose Houses, Bronx, Nova Iorque, 2012. Quão negligente tem sido a AHCNY?
Bem, quando falamos de habitação social, o principal problema é a burocracia. Quando mostras que tens um problema — água a pingar do teto, por exemplo — podem demorar mais de dois anos para vir arranjar a tua casa. Imagina o que é viver cercada por bolor durante dois anos. Quais são as doenças mais comuns?
Asma, sobretudo. Conheci uma pessoa a quem foi diagnosticado bolor na pele. Nem sabia que isso era possível. A pessoa também não. Por que é que a maioria das pessoas nas fotos são mulheres?
Isso foi puramente circunstancial. Fiz as visitas durante o dia, quando os homens estavam a trabalhar. Também aparecem muitas crianças porque, em alguns dos casos, elas estão demasiado doentes para ir à escola. O que, por sua vez, piora ainda mais o problema. Os pais não sabem o que fazer. A Maribette Cortes (e mais três membros da sua família) sofre de asma. O bolor vive no quarto de banho. Melrose Houses, Bronx, Nova Iorque, 2012. Como é que conseguiste entrar na casa dessas pessoas?
No início, a Marielys Divanne vinha comigo e apresentava-me aos moradores antes de eu fazer as fotos. Mas percebi que, se queria ter a história completa, teria de passar mais tempo com estas pessoas. Muita gente disse-me para não ir para lá sozinha, por causa dos problemas com gangues — houve alguns casos de violações. Como deves imaginar, uma estranha com uma máquina fotográfica não é a coisa mais acolhedora do mundo. Mas as pessoas foram óptimas, não tive problemas. O Oscar Cruz vive nestas condições há mais de dez anos. Ele e a maioria dos seus familiares que vive na casa são asmáticos e sofrem de outros problemas respiratórios. Webster Houses, Bronx, Nova Iorque, 2012. E ainda é possível reparar os danos nos apartamentos?
Acho que seria preciso muito trabalho para colocar estas casas em ordem. Há casos em que eu nem percebo como é que se pode morar ali. Tectos completamente abertos, sacos do lixo a servir de parede, fios eléctricos de fora. É terrível e muito perigoso. E fizeste uma exposição com estas fotos, certo?
Sim, montámos uma exposição no Centro de Documentação do Bronx, em Nova Iorque. Uma coisa engraçada: quando eu aparecia pela primeira vez em casa, as pessoas ficavam um pouco tímidas sobre o problema, ficavam envergonhadas com o estado da sua casa. Mas foram todas à exposição e apontavam para as fotos da sua casa, mostravam-nas aos amigos. Aproximou muito toda a gente. Criou uma sensação de comunidade, agora e mais fácil lutarem juntas.

Publicidade