Eu e o arco-íris em Madrid

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Viagens

Eu e o arco-íris em Madrid

Toda a gente pode ter um dia feliz.

Só para contextualizar o pessoal: desde Setembro que trabalho na marca portuguesa V!TOR, fundada por um amigo e colega meu dos tempos em que estudei design de moda — um colorido período da minha vida, que terminou abruptamente quando fritei de exaustão e fui expulsa do curso. Deveras dramático. Desde então que me tenho mantido algo afastada das modas, mas as modas apanharam-me. Depois da última edição do ModaLisboa, em Outubro, na qual a marca participa desde 2010, recebemos o convite de uma agência de tecnologias e comunicação de Madrid chamada 3Clic para irmos lá fazer uma cena gira. Nomeadamente: um vídeo interactivo em html5 que permite comprar as peças a partir do vídeo, com pessoas giras a usarem a nossa roupa gira. Depois de muitas odisseias profissionais e pessoais, o evento acabou por ficar marcado para 13 de Fevereiro nas ruas de Madrid. No dia 11, de manhã, parti à aventura e apanhei o comboio para Lisboa. Esta sou eu. Toda a gente pode ter um dia feliz. Durante grande parte da viagem, fui acompanhada de um enorme grupo de betos, daqueles com sapatinho de vela e camisola pelas costas como já não via há muitos anos, que ora alegremente relembravam as suas peripécias no interrail super fixe que fizeram no Verão passado, ora elogiavam mutuamente os seus outfits e acessórios. A certa altura, comentaram o facto de eu ir a ler no comboio (tão vintage, sei lá), ao que a única moça do grupo responde com alguma indignação: “Eu li Os Maias duas vezes, uma vez no Verão e outra vez para a escola!”  O voo para Madrid, comparando com a viagem de comboio, passou num piscar de olhos. Quando me apercebi, já estava toda encaralhada a tentar comunicar no dialecto local sem sentir que estava num filme porno dobrado ou num episódio do Doraemon no canal Panda. Porém, na manhã seguinte e depois de alguma convivência com os hermanos da 3Clic, já andava a mandar postas em portunhol como se fosse a minha língua materna. No dia do evento tudo correu como esperado, não surgiu nenhum contratempo particularmente chato. Durante duas horinhas saltamos e bailamos pelas ruas madrilenas com velhinhos, turistas japoneses confusos e um gajo vestido de Gato das Botas. Houve uma breve interrupção da parte da polícia — não percebi muito bem o sucedido, mas ao que parece havia futebolada contra o Manchester United, os senhores agentes andavam em modo patrulha anti-hooligan e lá devem ter achado que nós eramos um espécime raro de hooligan fofinho do arco-íris. Enquanto discutiam com o pessoal da agência, começamos discretamente a enxotar os modelos para a Plaza Mayor, onde eu ansiava reencontrar-me com a cabra cintilante. Não encontrei a cabra cintilante em lado nenhum, certamente pôs-se ao fresco com tanto polícia ali a cirandar. Por baixo daquele resplandecente manto de tirinhas metalizadas, deveria encontrar-se um emigrante ilegal. Depois de um desfile com um desfecho regado com uma enorme garrafa de Freixenet, regressámos a casa e preparámos o lançamento da nossa loja online. À uma da manhã, e com o estômago colado às costas, fomos ter com o nosso amigo Jordi Chicletol de Barcelona, organizador da festa La Rara, actualmente conhecida por Hard Candy (nesse fim-de-semana a Brooke Candy ia lá tocar e eu fiquei triste por ter perdido a oportunidade de lhe tocar nas extensões). Fomos, obviamente, parar à Shueca, um bar onde decorria um show de drag queens. Lembro-me de uma chamada Lolita Versace e de outra que se apresenteou com El Pompon. Nunca tinha visto uma dragqueen descalça a saltitar à volta do palco, a fazer playback de uma música para criancinhas com voz à chipmunk. O voo de regresso foi igualmente pacífico. Chegamos a Lisboa à meia-noite e ainda me meti no autocarro para o Porto, no qual passei duas horas a dormir e o restante tempo a ouvir um mano a contar à sua indiferente parceira de viagem todos os detalhes da sua vida amorosa. Aconchegou-me a alma saber que há homens que abdicam do seu cachê, só para que as suas damas os acompanhem quando vão passar som no estrangeiro.

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