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Música

Fomos até Cortegaça com Branches

O mar como motivação.

Conheço o Pedro Rios desde que nos cruzámos num concerto de Ducktails em Coimbra, aqui há uns anos. Só depois disso é que descobri (e me entusiasmei com) Branches, o seu projecto musical. Em retrospectiva, é curioso que tenhamos estado juntos pela primeira vez nesse concerto em específico — Ducktails é, ou foi, uma das grandes influências do Rios. Convenci-o a levar-me a um sítio que significasse algo para o som que faz. Foi assim que passei um domingo de sol a conhecer este jornalista que também faz música. No fim, pedi que desse o meu nome a uma canção. VICE: Olá Pedro. Por que é que nos obrigaste a vir a um domingo à tarde para Cortegaça?
Pedro Rios: Isto começa de uma maneira muito amigável. Epá, estão a ligar-me… Vou gravar.
Retomando. Tinhas-me pedido um sítio que fosse importante para Branches, e acho que, a ter de escolher, acaba por ser este. Cortegaça é relevante, porque, pelo menos na fase mais recente, ajudou-me a retomar este projecto, que estava semiadormecido. Esse processo passou um bocado por vir para aqui. Deu o contexto psicológico e temático às coisas que fiz em 2010, 2011, que eram influenciadas pela temática balnear, marítima. Era uma altura em que andava a trabalhar muito, um período muito stressante. Ainda não havia nada para mostrar e comecei a tocar em casa, como dantes, numa lógica de escape. E também voltei a surfar. Tudo isso aconteceu quase ao mesmo tempo. Uma coincidência enorme. Elas tinham mais ou menos a mesma função, tanto surfar como tocar e gravar: era uma hipótese de criar um sítio mental com um tempo próprio, mais lento, basicamente. És daqui originalmente?
Sou de perto. Morei a maior parte da minha vida na Vergada, em Argoncilhe. Mas este sítio acaba por ser onde tenho mais raízes, apesar de não ter muitas, porque vinha para aqui ao fim-de-semana. Os meus pais têm uma casa pré-fabricada, uma casa de férias. Os meus amigos mais antigos acabam por ser daqui. Como mudei de casa e de escola, acabei por não fazer aqueles amigos. Isso só aconteceu a partir do 6.º ano. Então, este local tem vindo a ser uma constante na tua vida?
Exacto, acaba por ser isso. Até porque os outros sítios não são nada de especial, digamos assim. Este é muito bonito. É uma pasmaceira (o que é fixe), tirando ao domingo, altura em que há mais movimento. Vejo-me a vir aqui durante mais tempo, com ou sem grandes motivos. De vez em quando “vivo” cá e gostava de surfar aqui, só que acabo por não o fazer. Cortegaça acaba por ser o sítio, sei lá, de referência. Não fazia sentido a entrevista ser no Porto. Poderia dizer que era a praia de Leça ou de Matosinhos, mas são coisas muito recentes e ainda não sinto que estou a surfar em casa quando estou lá. Aqui, sim. Mesmo que seja em praias que não esta, mas aqui perto, a tradição psicológica de ser perto de Esmoriz ainda é muito forte. Sabes que ao pedir-te que escolhesses um sítio, queria um local em que te estivesses em casa, onde sentisses uma maior abertura. Tocaste logo no ponto-chave que é a temática. Por exemplo, o “Sonho Marítimo (Para Carin)”. E há uma coisa muito engraçada, que é quando estavas em DOPO, o único disco que ouvi chamava-se Blue Lands.
Pois, isso aí… Já não sei de onde é que veio, mas os títulos geralmente eram coisa do André [Gomes, de DOPO]. Já não me recordo o porquê de Blue Lands, mas não tinha a ver com isso, porque ele não tem essa referência. Apesar de que nós, de vez em quando, virmos para aqui. Desde Branches, desde 2009, que sim, é [uma referência]. Agora estou a tentar encontrar outros temas. A ideia é fugir a este tema, mas acabo por não fugir muito. Formaste Branches em 2006, quando ainda estavas em DOPO. Ficaste muito tempo sem sair do armário.
O primeiro disco, um split, saiu em 2007. Por isso, imagino que tenha sido 2006. Em 2009 ou 2010, até fiz coisas, mas por alguma razão não as editei. A “Primeira Vez” são coisas que gravei em 2008. Estavam perdidas no meu Gmail. Não sabia delas e depois encontrei-as. És uma pessoa um bocado desorganizada, não és? Dás muito esse ar de gajo perdido.
Sou um bocado desorganizado. Acho que essa coisa de “perder” canções é o pior exemplo — ou o melhor — de desorganização. Fazia as músicas e mandava-as à minha namorada ou a outra pessoa. Sabia que tinha essas coisas algures, mas depois decidi procurá-las no mail e encontrei-as. Aquele disco que fiz em 2008, era disco perdido. Literalmente. Pois, tu editas muitas versões isoladas.
Também é uma coisa que estou a tentar parar um bocado. Vou tentar fazer conjuntos que façam sentido, mas durante algum tempo foi aquela excitação de pôr directamente online — coincidiu com os períodos em que estava mais confiante do que estava a fazer. Ou menos, não sei, mas talvez mais excitado com o projecto. Tinha aquela música e punha. Não há grande razão, acho eu. Mas penso que exagerei um bocado. Quando estava a dizer que ficaste metido no armário, foi porque tu próprio estiveste muito tempo sem dar a cara. Não davas concertos.
Sim, isso é verdade. Com o primeiro disco fiz três concertos, mas não foi Branches em nome próprio. Foram improvisações com os Osso, que era uma banda que entrava no tal split. Nem fazia ideia sobre como poderia transpor aquilo, ou algo, para uma coisa a solo. Não gostei muito, aquilo não foi muito trabalhado. Os concertos correram bem, mas não queria insistir naquele método improvisador, um bocado anarquista. Depois também deixei de fazer coisas ou, pelo menos, de preocupar-me tanto em pô-las online. Mais tarde, lancei o Alto Astral e também não dei concertos. Ninguém me convidou, mas de certa forma ainda bem. Não sentia confiança para me apresentar. Depois houve um convite para ir tocar a Madrid, mas adiei o gajo. “Ah e tal, daqui por uns meses.” Comecei a perceber que isto não fazia muito sentido, queria aproveitar o facto de haver pessoas interessadas em fazer concertos com Branches e assumi que ia dar um concerto. Depois foi o Nuno Miranda [risos] que me obrigou a ir tocar num concerto caseiro. Ei, isso quer dizer que eu vi o primeiro concerto de Branches?
Branches a solo, foi. Porque era a ocasião perfeita, era algo entre amigos e nunca poderia correr mal. E se corresse, ficava tudo bem. Depois de dar esse, começaram a aparecer mais convites. Do género: “Ai ele agora já dá concertos!” E decidi aceitá-los. Estás agora com o Hugo [Gomes, de Sensible Soccers]. A minha dúvida é: o Hugo também faz parte de Branches ou só ao vivo?
Nem ao vivo faz parte, necessariamente. Pode fazer, pode não fazer. Já dei um concerto sem o Hugo porque ele não podia. Não tem grande história. Quando ele pode, pelo menos neste momento, é melhor tocar com outra pessoa, mas também toco sozinho quando tem de ser. Essa é uma diferença. Assumi agora que se for preciso tocar sozinho, tenho de o fazer e quero fazê-lo. Sei que consigo, só que às vezes… És inseguro?
Sou um bocado inseguro. “O que dizem os teus olhos?” [risos] Há uma parte da tua música que me leva para um lugar muito seguro. Fizeste até uma canção chamada “Cortegaça”. Agora que vim aqui, faz todo o sentido. É o retiro: estás longe do mundo, desligaste o telemóvel e cagaste para todos. É algo muito pessoal, obviamente.
Sim, acho que é normal. Na música instrumental, os títulos acabam por ter um peso grande, porque é a única referência que se dá ao ouvinte. Essa “Cortegaça” surgiu assim. Tenho ideia de que fiz essa música depois de surfar aqui neste cantinho. Nesse 2009 foi quando voltei a fazer bodyboard, que era uma coisa que fazia em miúdo, mas que depois parei. Aquela estupidez de: agora tenho carro, agora posso fazer tudo, agora posso ir a todo o lado, e deixei de fazer. Ou fazia uma vez por Verão. Não tive férias propriamente, mas também não tinha o trabalho completo. Então, depois do trabalho vinha quase todos os dias para aqui surfar. Depois esse Verão prolongou-se e isso também gerou a ideia de Verão eterno, num ano em que era Novembro e estava a surfar às cinco da tarde. O Verão continuou até Dezembro, praticamente. Continuei sempre a surfar e voltei a ter o vício. A “Cortegaça” e a “Alto Astral” surgiram daí. Depois de fazer bodyboard, ia jantar a casa, estava num modo super relaxado. Basicamente, ficas todo partido [quando fazes bodyboard]. Na altura, ainda ficava mais, agora já ganhei alguma resistência outra vez, mas na altura era mesmo… Depois de tomares banho, vestes o pijaminha e começas a fazer música, e pronto. Aí, acho que fiz as coisas mais inspiradas. Devia estar mesmo num dia fixe. Mas voltando à ideia de ser pessoal, dos sítios, a ideia de mar não é treta: gosto do mar, e quero viver sempre à beira do mar, se possível. Acho piada ao facto de dedicares canções a quem te é mais querido. Tens canções para o André, tens canções para o Pedro… Porquê?
Nuno Miranda: A “Delícia de Mar” é para mim.
Pedro Rios: Essa música da Carin tinha um nome que era mesmo temporário — “O dia em que os Best Coast tocaram a 'Dammit' para a Carin”. Foi uma coisa que aconteceu, a pedido dela, e eles tocaram Blink182. Meti esse nome e enviei-lhe. Depois achei que era demasiado parvo para o público em geral e queria ter Carin no nome. Depois vim a perceber que, além de ser uma coisa de Fernando Pessoa, era o indicador daquele programa da RUC. Há um programa que tem qualquer coisa de um indicador com algo de “Sonho Marítimo”, acho eu. E não sei se isso estava no meu inconsciente e roubei, digamos assim. Na música instrumental, acho que posso escrever qualquer coisa — é importante dedicar uma coisa a alguém que me é próximo. Na altura, podia ser uma pessoa que estava a passar qualquer coisa menos positiva e pensei: “Olha, vou fazer este miminho a alguém importante”. Sei lá… São todos importantes! Tu és jornalista e também escreves sobre música. Na minha opinião, as tuas especialidades são o punk, as novas correntes de música lo-fi, caseira, hipnagógica, etc. Podes acrescentar…
Sim, e experimental. Música experimental não académica. Não avant-garde academia. Acaba por ser as coisas em que agora me tenho focado mais. Não tanto punk, não há muito espaço. Nem acho que o punk gera ou esteja a gerar assim tantas coisas. Gosto um bocado de tudo. Curtia ouvir pop-punk e essas coisas todas. E até que, ultimamente, comecei a reouvir isso, não sei bem porquê… Com as reuniões de Black Flag e assim?
Isso é mais consensual: Black Flag, Refused. Essas coisas que ninguém com dois dedos de testa pode dizer que é mau vieram mais tarde. Quando era miúdo, ouvia punk: Green Day, Offspring, Rancid, Bad Religion. Bandas que ainda adoro, tirando Offspring, talvez. Gosto muito de Green Day, ainda. Mas só até ao Warning. Se gosto de Ramones, acho que posso gostar de Green Day. Percebes? Já não me lembro do que perguntaste. Da minha óptica essas são as tuas especializações quando escreves sobre música.
Acho que nunca disse isso… Isto é uma análise minha.
Mas eu dou-te a minha análise. Acho que, por exemplo, DOPO, quando aparecem, é uma coisa muito psych-folk, New Weird America. New age às vezes.
New Weird Portugal. Era a música que mais me excitava na altura, basicamente, e também escrevi muito sobre esses artistas. Não sou propriamente músico, nem de perto nem de longe, mas acho que consigo [fazer as coisas bem], dentro desta música que não depende tanto de notas e composições, mas mais de expressão. Quer dizer, acabam por ser músicas que não precisas de dominar… Deixa-me acabar a minha pergunta!
Mas eu vou explicar-te [risos]. Nestas deambulações jornalísticas, às vezes encontro áreas que quero fazer musicalmente. Para já, foram só duas. Foi DOPO, naquela onda mais neo-psicadélica dos meados dos anos 2000. Animal Collective do Sung Tongs, coisas assim. Depois o primeiro disco de Branches. É um bocado cruzar com Richard Youngs, muito parecido até. Mas acho que não o conhecia na altura em que o fiz, mas de certa forma faz sentido. Agora mais recentemente isto coincidiu. O Alto Astral era meio assumido com o andar a apanhar muito o Ducktails. Pois. Conheci-te num concerto de Ducktails em Coimbra.
Sim, já na fase mais decadente dele. Aliás, não vi nenhum concerto na fase boa dele. Tu falavas muito de new age, mesmo sobre o punk, e tens uma versão de um tema punk.
Fiz uma versão da “Cool Kids”, dos Screeching Weasel, e tenho uma ideia de fazer um disco de versões punk com a Carin. Houve alguém que disse uma frase que é: "Branches é uma forma concreta de colocar alguns pontos que andam muito na cabeça." Sabes quem disse isto?
Não. Foste tu, em entrevista ao Rui Miguel Abreu. Por um lado é porque és obrigado a fazê-lo, ou é só obrigação?
Não, não é obrigação. Não me vejo a ir para um estúdio gravar. Quer dizer, estou a dizer isto mas, se calhar, até vou para um estúdio gravar, mas é numa lógica, com outro músico, de improvisação, à nossa maneira. Ou seja, eu a fazer música, tipo demos, e ir para um estúdio para gravar a versão final. Não estou a ver a acontecer. Mesmo em DOPO era assim. Apesar de ser uma música que exigia mais fidelidade sonora, não quisemos. Há certas coisas que se perdiam na gravação. Em Branches, isso não há problema, faz parte. E os sons que eu gravo vivem melhor. Não é melhor, mas funcionam bem sem tanta qualidade sonora. Agora estou a gravar com melhor capacidade, já não estou a gravar com microfone do Messenger. Quando é que assinas pela Not Not Fun?
[Risos] Quando eles me convidarem. Gostava, claro. E quando é que me dedicas uma canção?
Um dia destes. Agora já me passou um bocado essa panca. Não apanhaste a janela da oportunidade das dedicatórias. Agora estou a dizer isto, e é possível que ainda saia mais uma.
Nuno Miranda: Uma para mim.
Pedro Rios: Uma para ti e outra para a Ana. Fotografia por Nuno Miranda