Fomos lá e vimos: Torto, Sequin, Jibóia, Equations e Filho da Mãe @ A Festa é Aqui

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Música

Fomos lá e vimos: Torto, Sequin, Jibóia, Equations e Filho da Mãe @ A Festa é Aqui

Um dia histérico no centro histórico do Porto.

Levantar tudo quanto é calçada e substituír por granito pálido é a tendência no urbanismo. No passado sábado celebrou-se mais uma operação cosmética bem sucedida no Porto. Sim, no Porto, onde tudo é melhor — até festarolas organizadas pela autarquia. “A Festa é Aqui” foi o nome da comemoração da Câmara Municipal do Porto do dia nacional dos Centros Históricos, sita na nova Rua das Flores, pedonalizada e isenta de calçada. Entre

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, famílias e o ocasional autarca, a Porto Lazer decidiu dar espaço ao estábulo da Lovers para entreter e converter os transeúntes. A tarde teve um começo algo cambaleante. Coube aos veteranos Torto a inauguração das festividades, no palco no Largo de S. Domingos. Não foi das melhores opções — o rock sombrio do trio pedia mais recato, menos sol, e uma predisposição que não incluísse a dormência pós-prandial partilhada pela pequena audiência que até então tinha chegado. Apesar disso, os Torto mostraram-se bravos perante as adversidades e defenderam-se bem. Seja como for, ver o presidente Rui Moreira lançar-se num périplo de beijinhos informais pela Rua das Flores dentro ao som de “Tigre” foi kismet. De seguida, Sequin inaugurou o palco no Largo dos Lóios. Igualmente descontextualizada, Ana Miró foi no entanto capaz de subverter as condições. Com um electro pop sequioso de verão e movimentos soltos, a jaula de fachadas e sombra dos Lóios não a parecia favorecer. Mas duas coisas ajudaram: a audiência compôs-se e tornou-se heterogénea. As apresentações sucessivas de Sequin não deixam de convencer, e já há mais do que vontade de a ver devidamente equipados com bronzeador na pele e piña colada na mão. O público já estava amolecido em todos os sítios certos quando subiu ao palco o padrinho de Sequin, Jibóia. Munido dos habituais riffs curvos e loops arabescos, o colorido otomano do Óscar Silva derreteu o próprio ar. De costas voltadas para o bruto aristoghetto das Cardosas, parecíamos estar a encarar o próprio Sahara. A travessia apenas se tornou mais sinuosa com a esperada assistência de Sequin. Contrabalançando os lances venenosos de Jibóia, os tons melífluos de Ana Miró ajudaram a levar o público ao ponto de rebuçado. Foi neste estado minado que a procissão seguiu de novo para o palco no Largo de S. Domingos. E será talvez aqui a altura de mencionar um grande desperdício nesta tarde de festa: o palco da Rua das Flores, subequipado e muito mal posicionado. Já por lá havia passado um conjunto de sopros da Orquestra Sinfónica do Porto, e um quarteto da PortaJazz parecia ameaçar muito boa música. Pena que as condições de som não fossem as melhores: o ruído ambiente imenso, e a estreitez daquele troço da rua conspirar para tornar qualquer tentativa de acompanhar os concertos penosa. Mas ao largo de S. Domingos já se preparava uma revelação. Os Equations, afinal. Sim, esses gadelhudos que têm a boa vontade de todos aqueles com que se cruzam. Aqueles do math rock, com uma Kate Bush em esteróides que debita assaltos. Pois bem, esses Equations evoluíram. O Pikachu que nos é familiar transformou-se num Raichu que exige submissão. A apresentar — aliás, apenas a deixar adivinhar, já que muito foi deixado de fora — um novo álbum. O quinteto da Coronado e de Coronado apresentou um novo registo — um prog rock mais ortodoxo, se tal não for contrasenso. O entrosamento entre os membros da banda parece maior do que nunca. Sem um frontman assumido, esta canoa com cinco capitães cruza oceanos com um destemor assegurado pelo ritmo certo e furioso de Zé Pedro, os riffs calculados de ZéZé ou o novo tom seguro e descontraído de Bruno. No concerto que possivelmente teve o público mais ecléctico, a unanimidade foi patente. Aguarda-se uma apresentação mais formal do novo trabalho. Por fim, o fecho de um dia repleto ficou nas mão de alguém merecedor do golpe de misericórdia. Filho da Mãe encerrou as festividades da tarde com uma tortura elegante. Munido de uma guitarra lancinante, sem uma palavra proferiu éditos íntimos e queixosos. Este último concerto teve lugar no palco dos Lóios, e tal como antes, nada parecia convir à comunhão de um concerto. Uma artéria automóvel logo ali ao lado prometia poluição, e o céu aberto seria demasiado para a exposição pessoal que havia de acontecer. Mas Rui Carvalho encarregou-se de remeter tudo isso a cenário, pregando a audiência ao palco até ao último acorde. Gerou-se aquela reverência deliciosa em que cada ruído extrâneo vindo do público era acompanhado de censura silenciosa em massa e em sintonia.

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