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Tecnologia

Quitar o Planeta Terra

Até onde podemos controlar o clima?

O projecto SPICE investigava se um balão poderia ser uma opção viável para dispersar partículas que reflectissem a luz do sol no céu. Ilustrações de Dylan Glynn.

Os cientistas estão on fire . Reunidos numa sala de conferências bem apertada, nos confins de um hotel em Berlim, dezenas de prestigiados investigadores climatéricos, (quase todos, gajos brancos de meia idade), discutem um pequeno documento baptizado provisoriamente como "A declaração de Berlim", no qual se propõe uma metodologia base para definir que tipo de experiências serão permitidas para arrefecer artificialmente o planeta Terra. planetário, basicamente.

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A área conhecida como engenharia geológica (imagina o plano de um vilão do James Bond, mas com melhores intenções) é um campo bastante controverso, e que estuda ideias do tipo: lançar aviões que aspirjam o céu com sulfato para bloquear uma pequena porção de raios solares que entram na atmosfera, ou por exemplo, mandar uma equipa de drones para o oceano, para que estes borrifem as nuvens com água do mar e estas fiquem mais brilhantes, para que assim possam reflectir melhor a luz do sol.

Estes são os ensaios mais discutidos, (por usarem tecnologia para "acalmar" o planeta e combater as alterações climáticas), e cada um deles poderia custar algo como meia dúzia de biliões de dólares por ano, ou seja, meia dúzia de trocos neste esquema que é a economia global. Estamos prestes a assistir ao nascimento da primeira experiência mundial concebida para testar ideias como estas, mas primeiro, os cientistas quiseram debater o código moral. Que é como quem diz: avançar com isto sem alarmar a opinião pública ou infringir a lei.

Um dos engenheiros pegou no microfone para dizer que não havia necessidade de legislar experiências "climáticas irrelevantes" nesta área. Outro respondeu-lhe que a única experiência "trivial" de engenharia geológica que já tinha sido realizada, teve "implicações sociais muito graves". Um zumbido de gargalhadas ecoou pela sala.

Se há coisa que o aquecimento global nos ensinou é que os seres humanos conseguem modificar o termóstato terrestre e o seu equilíbrio normal. Poderá a tecnologia ajudar-nos a encontrar o equilíbrio que tínhamos antes? Muitos dos especialistas presentes na reunião (climatólogos, engenheiros, físicos, antropólogos, advogados) viajaram até Berlim para assistir à Conferência sobre Engenharia Climática, o primeiro encontro internacional alguma vez realizado sobre o tema, porque cada dia se convencem mais que a nossa tarefa é encontrar uma resposta para este problema.

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Hugh Hunt, um dos assistentes da conferência, quer contribuir para esta causa. Tem pinta de investigador. É distraído e tímido. Ao cruzar-se com um jornalista pode perfeitamente começar um monólogo aleatório, seja sobre emissões de dióxido de carbono, ou sobre o refrão de um hit dos anos setenta. É catedrático de engenharia em Cambridge, e um dos responsáveis do projecto SPICE (Injecção de Partículas na Estratosfera pela Engenharia Climática), que está por trás da mais célebre experiência de engenharia geológica.

"As alterações climáticas são um problema bastante importante", conta-me Hunt enquanto almoçamos. "Utilizar a engenharia geológica para resolver este problema também não é o ideal. Não sei se conheces alguém com cancro, mas a quimioterapia não faz bem nenhum: o cabelo cai-te, os órgãos falham e é possível que, entretanto, morras. Mas também, pode ser que não. Pode ser que te cures".

O tema da mudança climática pairava no ar, e era impossível não apanhá-lo. Richard Branson, fundador da Virgin, enviou à conferência uma pessoa que devia informá-lo acerca de tudo o que estivesse relacionado com a neutralização do carbono, para o seu projecto Virgin Earth Challenge. Um dos conferencistas apresentou os prós e os contras de colocar em órbita um espelho gigantesco. Outras ideias relativamente loucas foram também apresentadas.

"Continuando com o exemplo da quimioterapia: fomos capazes de diagnosticar o cancro a tempo de lidar com ele de forma não invasiva? O que devemos fazer é colocar-nos em posição fetal e esperar pela morte?", questiona Hunt. "Então será que podemos aplicar o equivalente à quimioterapia a nível planetário?"

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Em 2012, Hunt e os seus companheiros do SPICE planearam atar um globo gigantesco a uma mangueira, que regaria com água toda a superfície terrestre. Queriam testar um mecanismo para disseminar sulfatos em aerossol (estudos geológicos mostraram que o sulfuro expelido por vulcões em erupção faz descer a temperatura). Mas o projecto foi cancelado, por conflitos de interesses entre os investigadores e a conhecida opinião pública contra a engenharia geológica.

Outro esquema do projecto SPICE, o mais próximo que alguma vez estivemos da engenharia geológica.

"As pessoas pensam que estou a fazer isto para promover a engenharia geológica", diz-me Hunt. "É quase o oposto: acho que a ideia de que precisemos dela é bastante absurda. Não deveríamos ter chegado a este ponto. Somos obrigados a usar a tecnologia para sair deste problema da forma mais fácil possível, porque a engenharia geológica pode vir a ter efeitos terríveis".

Então, quais são as maiores preocupações dos activistas ecológicos? Os maiores riscos da engenharia geológica, que utiliza luz solar, são: secar ainda mais a África central, alterar o ciclo das monções, dissolver a camada de ozono…

Há quem diga que ao favorecer a investigação, os cientistas estejam a transformar a engenharia geológica em algo socialmente aceite. Steve Rayner, antropólogo da Universidade de Oxford, explica-me que ele e os seus colegas estão preocupados com a ideia de que "eventualmente, temas inconcebíveis se tornem concebíveis". Ele acha que a ideia é inevitável, e que já atraiu demasiada atenção para que se possa voltar atrás: alguém levará a cabo estas experiências, e algum governo poderá interessar-se pelos resultados.

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"Temos entre mãos uma tecnologia perigosa", adianta Hunt. "Se a desenvolvermos de forma responsável e prudente, quando os governos acordarem entenderão que o caminho já foi percorrido, e que a coisa não tem grande pinta, em vez de dizerem: 'Ninguém pensou nisto antes, e até nem é caro. Vamos já tratar disto'. Como no Projecto Manhattan: 'Ninguém pensou em usar armas nucleares antes. Há dinheiro, podemos usá-las', e zás, fizeram-no".

Em 2010, 74% da opinião pública norte americana tinha um total desconhecimento sobre a engenharia geológica. Desde então, tem sido o tema central de um artigo do New Yorker, fez parte do enredo do filme Snowpiercer, e foi tema de várias reportagens de televisão. Como quando o empresário Russ George despejou 100 toneladas de ferro na costa do Canadá para criar plâncton, que por sua vez poderia absorver todo o CO2 do mar. Ou como quando os autores do best seller Freakonomics disseram que a engenharia geológica era uma forma barata de acalmar as alterações climáticas. Estas pessoas ajudaram a que a engenharia geológica passasse de uma ideia com a qual todos os cientistas gozavam, a uma opção viável para os governos fartos da conversa do aquecimento global.

Depois disso, uma equipa de investigadores de Harvard publicou os resultados de outro estudo, e delineou os parâmetros de uma experiência para medir a influência da engenharia geológica na camada de ozono. O coordenador do projecto disse que poderia realizar-se em menos de dois anos.

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De volta à conferência de Berlim, Rayner passeava pela sala. A sua eloquência encantadora e a sua barba e cabelos brancos, fizeram-me pensar no John Hammond, do filme Jurassic Park , quando este falava sobre as implicações éticas de criar dinossauros. "Quer-nos parecer que uma proibição [da experiência com a engenharia geológica] não seria viável", afirma Rayner. "Mas também nos preocupa a ideia de dar carta branca aos cientistas que a querem levar a cabo".

Hunt levantou-se e perguntou quantos especialistas de engenharia geológica haviam na sala. Apenas três mãos no ar.

A Declaração de Berlim foi descartada. O objectivo era criar um quadro operativo para os cientistas, que tranquilizasse a opinião pública com a garantia de que a tecnologia da engenharia geológica seria usada de forma responsável, mas não se chegou a um consenso.

Seja como for, a Declaração é mais útil como metáfora: cada vez mais cientistas trabalham na área da engenharia geológica, e não conseguem chegar a um acordo sobre o que fazer. Pode ser que nem seja preciso.

"As decisões são tomadas nas sedes de poder, e não nesta sala de reuniões. Peço desculpa por dizê-lo desta forma", diz-me o dr. Will Burns, do Consórcio para a Engenharia Geológica de Washington. "A ideia que estou a tentar difundir é um bocado 'misantrópica': Perante uma tragédia,temos tendência a inclinar-nos a uma promessa milagrosa".

Simon Nicholson, da American University, tem um objectivo parecido: "Se o direito político encarar a engenharia geológica como uma solução racional, poderia haver uma espécie de febre da engenharia geológica", explica no seu discurso.

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E aqui reside o principal medo de todos os cientistas da área: a gravidade das transformações climáticas e o custo "relativamente barato" associado à engenharia geológica poderia incentivar muitos governos a tomar esta opção. Mas, mais que uma solução, o máximo que se pode esperar é uma cura parcial e temporária, (e que no pior dos cenários poderia danificar acções futuras). Este é o perigo moral da engenharia geológica: quanto mais viável pareça uma opção, menos probabilidade existe de que as pessoas, os governos e as empresas lutem contra as alterações climáticas, à moda antiga.

Segundo um estudo de Dan Kahan, de Yale, se a engenharia geológica fosse aceite como uma solução viável, a direita estaria mais "inclinada" a acreditar nas alterações climáticas, visto que esta área, aliada à ingenuidade do ser humano, pode beneficiar o sistema capitalista. Pode implementar-se através da indústria, com um custo específico, e é um argumento a favor da tecnologia como uma via para superar os nossos desafios. Além disso, poderiam alegar que já não seria necessário reduzir o consumo de recursos.

Mas um bom número de especialistas concordam em que a engenharia geológica seria "quase impossível" de controlar.

"Não acredito que a humanidade chegue sequer a implementar a dispersão de sulfatos em aerossol na atmosfera", diz Rayner. "Talvez um estado insular o faça, como acto de desobediência civil"

No último dia da reunião, a Declaração não resistiu, mesmo que os organizadores tenham experimentado o seguinte: perguntar aos especialistas reunidos (os melhores do mundo sobre este assunto) se acreditavam que algum dia poderíamos assistir à implementação da engenharia geológica.

"Bem, digamos em 10 anos?", perguntou o mestre de cerimónias.

Alguns cientistas levantaram a mão, a medo. Quando perguntou o mesmo, mas referindo-se a 20 ou 30 anos, outros tantos decidiram juntar-se. O prazo de 50 anos somou a metade. De acordo com os especialistas, significa que existem 50% de possibilidades de que neste século alguém tente implementar a engenharia geológica.

Isto chama-se : quitar o planeta.