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Por que usar gargantilha sempre foi um ato de poder

Das guilhotinas da revolução francesa às passarelas de 2016, rastreamos a história do acessório que evoca sexualidade, poder e submissão.

Foto por Angelo Penetta.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa de setembro da VICE US.

Depois do Reinado do Terror, na França no final do século 18, os parentes jovens dos inimigos da revolução – que tinham sido decapitados na guilhotina – realizavam festas orgiásticas para esquecer seu trauma coletivo. Ou pelo menos era o que os jornais diziam. Os Bals des victimes ("bailes das vítimas") eram um fenômeno semi-apócrifo que, apesar de colocado em questão por alguns historiadores, eu prefiro acreditar que eram reais, porque essas festas me parecem insanas e completamente razoáveis ao mesmo tempo – uma resposta apropriadamente selvagem e catártica para a morte dos seus pais e dos pais de todos os seus amigos aristocratas.

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Os Bals des victmes também fornecem a história original do acessório mais onipresente de 2016: a gargantilha. Segundo algumas histórias, as jovens nesses bailes amarravam laços vermelhos no pescoço como homenagem aos parentes decapitados.

Com essa história mórbida em mente, veja seu feed do Instagram. O meu está cheio de garotas usando faixas pretas ao redor da garganta. Elas vêm em vários tipos: uma fita fininha amarrada com um laço, uma faixa grossa de veludo, uma coleira de couro. E tem algo inerentemente provocativo em cada uma delas, mesmo estando no pescoço de alguma menina de ouro das redes sociais como Lily-Rose Depp ou Gigi Hadid (as duas fãs conhecidas das gargantilhas). Depp, por coincidência ou não, ergueu uma guilhotina para sua festa temática francesa de "Sour Sixteen" ano passado. Pelo menos dez gargantilhas estavam presentes.

As associações degoladoras da gargantilha são ainda mais antigas. Ana Bolena aparece em seu retrato mais famoso usando um fio de pérolas preso na garganta, com uma letra "B" mostrando sua identidade entre as clavículas. Não muito depois que o quadro ficou pronto, ela foi decapitada por acusações incluindo bruxaria e adultério.

Mais de 450 anos depois, na música lado B do Hole "Old Age", Courtney Love canta: "Por favor, alguém diga para a Ana Bolena que as gargantilhas estão de volta". A faixa é um cover do Nirvana, reescrita por Love com uma letra de luto por concubinas esquecidas e a perseguição da sexualidade feminina. Ela também marca 1993 como um ano de pico das gargantilhas. (Como muitas heroínas do grunge, a então baixista do Hole, Melissa Auf der Maur, sempre combinava suas blusas de laço com uma delicada corda preta amarrada no pescoço.) A letra de Love também imagina a volta do colar de Ana Bolena como um sinal de rebeldia feminina atemporal.

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A gargantilha sempre significou tanto perseguição como poder. Em Olympia de Édouard Manet, um dos retratos mais polêmicos da forma feminina do Ocidente, a modelo do artista, Victorine Meurent, dá um acessório à sua nudez com um laço preto no pescoço e um olhar de "algum problema?" Os críticos desaprovaram o quadro quando ele estreou no Salão de Paris de 1865, mas as reclamações tinham pouco a ver com a nudez de Olímpia (que era comum nas populares pinturas de divindades clássicas da época) – e sim a humanidade de carne e osso e o olhar direto poderoso de Meurent. Gargantilhas representavam prostituição na Europa do final do século 19, e Manet tinha retratado uma mulher usando sua sexualidade com orgulho em volta do pescoço.

Outras outsiders icônicas que podem depor no caso das gargantilhas: as colegiais de Jovens Bruxas, a pequena assassina interpretada por Natalie Portman em O Profissional, Uma Thurman como Mia Wallace em Pulp Fiction. E não são só as mulheres dos anos 90. A gargantilha também fez sucesso nos anos 70. A sex shop lendária de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren em Londres introduziu coleiras de couro do BDSM para uma cultura jovem mais mainstream, onde elas ficaram desde então. Fazendo uma referência ao marco icônico do punk, Westwood recentemente lançou uma gargantilha dourada com letras enormes formando "S-E-X". Nenhuma palavra explica melhor a fonte do poder duradouro da gargantilha.

Seja em uma das criações sinuosas em prata de Phoebe Philo para a Céline, ou num colar de ouro pontuando o espaço entre o rosto e os seios da Kim Kardashian, a gargantilha sempre vai evocar uma mistura ligeiramente perigosa de sexualidade, poder e submissão. Que outro acessório abrange tudo isso?

Tradução: Marina Schnoor

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