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Opinião

O horror das ressacas aos 30 anos

Aos 20 e tal anos, as ressacas eram diferentes. Se isto continuar assim, como é que será quando tivermos 60?
personagem de Eraserhead de david lynch

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Dou-te um mês para tomares uma decisão. Bem, dois meses. Ok, podem ser seis. Está bem, um ano. Um ano parece-te bem? Óptimo. A cena é que tens que ter noção de uma coisa: continuar ou deixar. Continuar assim, como estás agora, ou acalmar um pouco. Não é que seja algo realmente tramado, ao fim e ao cabo estamos só a falar da tua saúde. Não é da saúde do Planeta, mas pronto, é melhor teres isso em conta.

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Já te perguntaste alguma vez, porque é que os velhinhos não se emborracham todos os fins-de-semana? Bem, porque, basicamente, se o fizessem morreriam. As suas ressacas seriam tão agressivas que se veriam obrigados a abandonar este mundo existencial e a retirar-se para o vaporoso mundo dos que já cá não estão, das memórias, dos passe-partout em cima dos móveis da sala que já ninguém sabe o que fazer com eles, das casas vazias e da subida aos céus. Enfim. O que eu quero dizer com toda esta conversa fiada é que já não és um puto. Já não recuperas as feridas como o Wolverine. Agora és um comum mortal e cada erro tem as suas - extremas - consequências.


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"Antigamente", quando eras adolescente e nem sequer sabias que o nome provinha de uma raça extraterrestre originária de Urano, tinhas o poder. Nem sequer eras consciente que o tinhas. Saías à noite e bebias nessas tascas manhosas, onde as bebidas eram servidas em jarras e empanturravas-te de sangria e cerveja e uísque-cola MUITO doce e acabavas a noite a vomitar e, na manhã seguinte, levantavas-te tranquilamente e punhas-te a jogar Jedi Knight, como se nada se tivesse passado na noite anterior.

ESSE ERA O TEU PODER. Ainda por cima, podias até ser um gajo decente à frente dos teus pais e ter conversas bastante normais. Durante essa época não fazias grande caso desse dom, já que não sabias que, com o passar da idade, ele também desapareceria.

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Depois continuaste a crescer - sim, é a vida -, chegaste aos 20 e poucos e a coisa continuou mais ou menos igual. Nem tinhas assim tantas responsabilidades e as leves dores de cabeça nem sequer eram infernais, por isso tinhas o fim-de-semana inteiro para aterrares no sofá, ver séries e comer tostas mistas, ou o que raio comias quando tinhas essa idade.

"O mais lixado é que tens uma vida bastante incompatível com ficar ressacado, essa confluência entre o mundo real e os estragos da extravagância é o que mais te vai tramar".

Agora - que já tens 30 e já não tens mais oportunidades de fazer o que querias quando eras adolescente - a coisa é um pouco diferente. O teu corpo está mais lixado e não é capaz de suportar tanta dor. Mas, isto nem sequer é o mais importante. Vamos lá ver, há que ter isso em conta porque se à noite - e de manhã - ficas absolutamente KO com a ressaca, isso pode durar até quarta-feira. E claro, pode ser um problema. O mais lixado é que tens uma vida bastante incompatível com "ficar ressacado", essa confluência entre o mundo real e os estragos da extravagância é o que mais te vai tramar.

A partir de certa idade tens que começar a usar o cérebro e a manejar um bocadinho melhor a cena das saídas à noite. Coisas básicas como passar a noite a beber sempre o mesmo, evitar os uísque-cola que nem sequer gostas assim tanto e nunca dizer não a essa rodada de shots que, na verdade, são mais uma invenção dos barmen - algo a que eles chamam de "elixir" - razão pela qual na manhã seguinte tens um festival de fogo de artifício na cabeça. É aí que a merda começa.

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No dia seguinte não és capaz de fazer nada, não consegues pensar, nem falar, nem mover-te. Arrastas-te pela casa e não consegues ordenar as acções. Se tens que arrumar a roupa do chão mas também te apetece uma fatia de fiambre, acabas por enfiar as calças no frigorífico. As conversas por telefone nesse momento são brutais. Não consegues segurar bem no telemóvel para escrever uma mensagem: "Desculpa".

Tens o cérebro lento e começas a pensar seriamente que é muito provável que estejas a ficar estúpido. Ficas triste e pensas que, às tantas, o divórcio acabou por ser uma boa ideia. És uma merda e não serves para nada. O teu domingo foi por água abaixo e a tua auto-estima foi com ele. Mas, a coisa não termina aqui, esta sensação vai acompanhar-te na segunda, terça e quarta-feira. Com um bocado de sorte na quinta-feira estarás um pouco melhor e o pior de tudo é que na sexta-feira já terás vontade de sair outra vez e provar de novo o tal "elixir".

Como disse antes, a ressaca em si é horrível, mas o pior é conseguir conciliar a tua vida de grandes quantidades de álcool no sangue com a tua vida laboral, familiar, ou sei lá quê. Ao fim e ao cabo, a ressaca é como ter um filho: não está mal de todo, mas as pessoas, a vida, o Mundo tornam as coisas muito mais difíceis. Teres que pensar no trabalho enquanto a tua cabeça não está no lugar certo, é bastante complicado. Além disso, apareceste no escritório com os óculos partidos, logo no dia em que tens uma reunião. Ser produtivo, isso que dizem sobre ser produtivo, é uma quimera, porque passas o dia inteiro a pensar "Huuummm, merda, foda-se. Merda" e cenas assim.

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"Mas ok, o álcool dilui-se, a semana está quase quase a terminar e já se avista o amanhecer de um novo fim-de-semana. É o ciclo da vida, o poder das estações".

Depois tens que ir buscar o puto à escola, preparar a comida, pôr uma máquina de roupa a lavar, limpar os restos de vómito que ainda estão nos sapatos que decidiste usar no sábado passado e todos estes clássicos. Se, normalmente, estas tarefas têm uma dificuldade de, digamos, cinco em 10, nestas condições a coisa converte-se num 500 em 10.

Mas, ok, o álcool dilui-se, a semana está quase quase a terminar e já se avista o amanhecer de um novo fim-de-semana. É o ciclo da vida, o poder das estações. O Inverno frio e rigoroso e, depois, a Primavera cheirosa, acolhedora e cheia de vida. Enfim, tu é que sabes. Dou-te um ano - ficámos por um ano, certo? - para que tomes uma decisão. Podes continuar com esta merda de ciclo ou apostar pela tranquilidade e serenidade. Eu já fiz a minha escolha e fico-me pela primeira.


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