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Porque é que já não posso suportar tanta tecnologia

De onde é que saiu toda esta tecnologia? Foram os extraterrestres? Porque é que há oito anos os USB eram de 2Gb e agora são de 64Gb?

Foto por Ted Eyton via Flickr.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Quando as carruagens e os cavalos foram substituídos por carros, alguns de nós, humanos, torcemos logo o nariz. "Até onde chegará esta loucura?", perguntámos. Bem, agora o futuro chegou, já estamos nesse ponto em que as pessoas comem merda, passam os dias a olhar para ecrãs e não acham realmente ofensivo ter o mínimo de contacto físico com estranhos. É suposto recebermos cada avanço tecnológico com uma grande ovação e sermos totalmente alheios ao facto de que todas as nossas ficções de cariz futurista retratam esse mesmo futuro como um antro de morte e perdição humana — Brave New World , 2001: Odisseia no Espaço, Blade Runner, ou Terminator só para mencionar alguns óbvios. O futuro é doloroso e nós precipitamo-nos em direcção a ele.

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Mas nem tudo é morte e submissão. No outro dia acordei com uma ressaca realmente potente - acho que ainda estava bêbado - e fiquei maravilhado com o facto de poder tomar um iburprofeno que fez com que a minha dor de cabeça desaparecesse. A tristeza absoluta não me passou e a sensação de não ser importante e de nunca poder chegar a ser útil na vida também não, mas, pelo menos, já não sentia aquela severa agonia cerebral. Este comprimido é uma pequena maravilha e um exemplo de progresso bem justificado. Até aqui - e ponto - posso tolerar o avanço da tecnologia e dos meios de produção, mas tudo tem um limite caraças. Foda-se, uma coisa é um comprimido que te salva a vida, outra coisa muito diferente é comprares um carro que estaciona sozinho, ou teres em casa um aparelho que te faz sexo oral com uns resultados (*cof *cof *cof) assombrosos.

Não quero com isto entrar nesse pantanal perigoso que idealiza o passado, nem deixar que a nostalgia me tolde a razão. Por isso também não vou dizer que estávamos melhor quando o leite se distribuía em bolsas de plástico e as crianças brincavam com bonecos esculpidos em madeira rugosa. É normal que as coisas mudem e, graças a Deus, que assim é. As torradeiras, a televisão, as canetas, os computadores e os cinzeiros são do caraças. Todas estas coisas estão bem feitas e melhoraram a nossa vida.

Mas, o que é que acontece quando se cria algo sem que haja uma necessidade real que justifique a sua existência? Refiro-me a coisas como o milho torrado coberto de chocolate, ou os Google Glasses… São invenções que geram um comportamento altamente anti-social e que ninguém pediu. De certa forma - refiro-me, sobretudo, às novas tecnologias, à Internet e a toda esta merda das redes sociais - criou-se em nós uma necessidade, que de essencial tem pouco. Dar uma volta pelo Instagram enquanto vais à casa-de-banho não é o problema, mas estares todo o dia obcecado com as notificações das várias redes sociais que existem é um inferno. Ainda por cima, este software está sujeito a uns dispositivos físicos que invadem, clara e subtilmente, a nossa existência. Conquistaram a nossa atenção e converteram-se no cavalo de Tróia que dizimará a pouca humanidade que ainda nos resta.

Além da evidente alienação que criam em nós - dar atenção a tudo excepto o que tens à frente dos olhos, acumulação de informação, stress, cérebros em curto-circuito…-, a sobrecarga de gadgets tem uma componente estética fatídica. Os complementos tecnológicos sempre foram, de forma geral, medonhos. Se já era um tanto ou quanto ridículo levar um walkman pendurado nas calças, deambular pelas ruas de uma grande metrópole com uns óculos do futuro é o supra-sumo do grotesco. Se estas modas pegam, espera-nos um futuro decadente, não só pelo isolamento, mas também por uma estética odiosa, repleta de indivíduos decorados com óculos de realidade aumentada, aparelhos auditivos com mp3 (perdão, FLAC), smartwatches que controlam a saúde, drones pessoais que te levam as compras a casa, carros da Google que andam sozinhos…

De onde é que saiu toda esta tecnologia? Foram os extraterrestres? Porque é que há oito anos os USB eram de 2Gb e agora são de 64Gb? E isto é só o começo. Terminaremos como seres isolados da realidade, fora do presente, do aqui e do agora, permanentemente transportados para uma dimensão ambígua e desconhecida. Temos que aprender a dizer basta. Ao fim e ao cabo só precisamos de correr nus pelos bosques do nosso querido Planeta, beber água dos rios e comer as frutas e as verduras que nos dá a mãe Natureza. Tudo o resto, é conversa.