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Libertaram o galego que vendia camisolas do Estado Islâmico em Portugal e Espanha

Cadelo foi posto em liberdade 24h depois da sua detenção, com a condição de apresentar-se semanalmente às autoridades.
Momento da detenção de Octavio Cadelo Tojeiro. (Imagem via Polícia Nacional)

Falemos de camisolas com a imagem do Estado Islâmico (EI) e atentados jihadistas, sweatshirts com a imagem do britânico Alan Henning – decapitado no ano passado pelos membros do EI –, malas com logotipos do grupo terrorista Harakat Sham, e até de uma bandeira com o desenho de uma gaita e um sabre árabe, na qual se incita à criação do "Califato de Xuvia", em Narón, uma pequena localidade do Norte de Espanha onde nasceu e foi detido, na terça-feira passada, Octavio Cadelo Tojeiro.

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Cadelo, que foi posto em liberdade 24h depois da sua detenção, com a condição de apresentar-se semanalmente às autoridades, ter-se-ia auto-proclamado, através da sua conta de Facebook, "o ayatollah de Xuvia".

Cadelo, de 40 anos, é um ex-militar retirado há cerca de uma década, segundo nos diz Luis Manuel Legre, pároco de Narón. "Conheço-o a ele e à sua família desde sempre, e esta situação apanhou-nos de surpresa", acrescenta Legre.

"Aqui na terra estamos perplexos. Sabíamos que vendia umas camisolas estranhas, e não sabíamos se isso podia considerar-se um delito, mas se assim o é, não tenho nada contra a sua detenção", explica.

"Conheço o Octavio e os seus amigos desde que são pequenos, até dei aulas a alguns". Legre, antes de ser pároco foi professor. "A única coisa que posso dizer é que, o que o Octavio diz nas redes sociais, e o que pôs nestas camisolas, não tem nada a ver com religião. Isto é fanatismo, uma loucura", conclui.

Conta de Facebook de Octavio Cadelo Tojeiro, que vendia camisolas com a imagem da execução Alan Henning. (Imagem via Facebook)

Enquanto a operação policial segue o seu curso, Cadelo, (acusado de apologia ao terrorismo jihadista e desprezo e humilhação das vítimas), declarou esta quarta-feira perante a Audiência Nacional, que esteve a cargo da investigação com a ajuda da Polícia Nacional.

Depois de registar o domicílio e a loja que geria Candelo, a Serigrafia Río Xuvia, a polícia espanhola encontrou várias dezenas de peças de roupa com material jihadista, e rastreou e documentou a venda deste produto a clientes de Espanha e Portugal, através da sua loja, física e online.

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O acusado proclamou-se "o ayatollah de Xuvia" e, entre outras criações, está uma bandeira que batizou como "Califato de Xuvia", composta por um sabre árabe e uma gaita [instrumento musical tradicional galego].

No seu Facebook, Cadelo trocava opiniões com amigos e publicava mensagens relacionadas com temas sociais, militares, musicais e religiosos. No seu mural mostra-nos a radicalização das suas mensagens. Recuando um pouco no tempo, vemos como em fevereiro de 2015 publica uma imagem com a decapitação de Henning acompanhada da mensagem, "Paga a coca".

Fazer propaganda do Estado Islâmico, da Al-Qaeda, ou de qualquer outra organização terrorista é crime em Espanha. O caso deste galego de 40 anos junta-se ao do cidadão de nacionalidade marroquina detido em Barcelona em julho, por difundir imagens do EI na internet.

Outro caso similar foi o de duas pessoas que foram detidas em maio porque distribuir propaganda do EI – que segundo a polícia espanhola provinha de fontes oficiais da organização terrorista – através de uma sofisticada rede de perfis virtuais, no Facebook e no Twitter.

Em março de 2015 a polícia espanhola desarticulou outra célula, cujas funções consistiam em ser, entre outras coisas, "instrumento de propaganda" do EI em Espanha, e propagar o "terror informativo" pelo país.

No final de julho a Amazon proibiu a venda da revista Dabiq, uma revista considerada propaganda jihadista, que vendia as suas edições no Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Espanha.

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O merchandising do EI chegou, nos últimos meses, ao Ebay, Facebook, ou ao próprio Amazon, onde continua a vender-se roupa reivindicativa. No Twitter, por exemplo, perfis como o de Zirah Moslem vendem desenhos anti-semitas a favor da Guerra Santa.

O filósofo espanhol Daniel Innerarity acredita que "nestes conflitos, como a guerra contra o jihadismo, a lógica territorial de ocupação tem cada vez menos importância, e o que aparece é cada vez mais a expressão psicológica ou expressiva da guerra".

"Existe uma tentativa de difundir o medo e exercer uma função expressiva, comunicar algo", continua Innerrarity. "O verdadeiro conflito é o que realmente está em jogo, a comunicação e a ideologia".

"Vivemos um momento em que abundam os significantes flutuantes, que se desvincularam completamente do seu significado inicial. A nossa civilização retira o significado físico às coisas, e autonomiza-as. É uma operação que invade todas as lógicas da vida", conclui Innerarity.

O sociólogo francês Gerard Imbert, doutor na Universidade Sorbonne (Paris) e professor na Universidade Carlos III (Madrid), especialista em comunicação audiovisual e estudos da imagem, acredita que a chave dos fenômenos como o que protagoniza Cadelo tem a ver com a "trivialização da violência, que desde os anos 70 se transformou num objecto de consumo".

Segundo Imbert, "desde os anos 90 o horror e a morte deram um passo à frente para transformar-se em objectos de desfrute perverso". O público, explica Imbert, "perdeu a consciência daquilo que as coisas evocam, e fica-se pelo ícone e pela parafernália dos sinais de identidade superficiais".