Londres é espectacular, mas é um inferno lá viver

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Londres é espectacular, mas é um inferno lá viver

Até que ponto podemos continuar a viver em cidades onde a qualidade de vida é simplesmente terrível?

Antes de mais, quero dizer que esta é uma história muito pessoal: nasci em Londres e vivi lá durante os meus primeiros 30 anos. Cresci na zona de Lambeth, ia aos jogos do Arsenal com a minha avó, estudei em três universidades diferentes e quase toda a minha família e amigos ainda lá vivem. Vivi em Londres até 2011, mas foi nesse ano que me dei conta de algo e disse para mim: "Vai-te lixar, Londres, a nossa relação terminou e, desculpa, mas não sou eu, és tu".

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Quando contei à minha família e amigos que ia embora, quase todos fizeram a mesma pergunta: "E quando voltas?". O curioso é que nunca disse que ia fazê-lo, e, a essa pergunta, sempre respondia com um severo "nunca". Então vinha sempre a seguinte questão: "A sério que te imaginas a viver noutro lugar?". Para os que não estão familiarizados com os londrinos, aqui vai um facto: somos extremamente arrogantes no que diz respeito à espectacularidade da nossa cidade, e não conseguimos conceber outro lugar no mundo que se aproxime dessa grau de maravilhoso - em nenhum sentido.

Ora então, o que é que me desencantou em Londres? Simplesmente dei-me conta que a cidade não podia - nem vai poder - oferecer-me aquilo a que aspiro na vida. E a verdade é que não acredito que esteja muito longe da verdade: sonhava em ter uma pequena casa com jardim, dinheiro suficiente para desfrutar de uma reforma digna, ter acesso a zonas verdes livres de contaminação e ter, em absoluto, uma existência tranquila e em paz. A sério que acham que é pedir muito?

Viver em Londres converteu-se em algo ridículo. É a cidade com um dos custos de vida mais elevados do mundo, mas ao mesmo tempo há tanta contaminação que apenas o acto de respirar em plena rua é péssimo para a saúde (neste sentido Londres está na cauda da União Europeia). É como se alguém te recomendasse um restaurante óptimo, caríssimo e encantador, cuja comida põe os clientes doentes. Gostarias de frequentar um sítio assim? Ok. Londres tem museus, teatros, restaurantes, bares, discotecas e uma edição mensal da revista Time Out com cenas para fazer. Mas isso também existe noutros lugares. Agora vivo em Cupar, na Escócia. É uma cidade muito mais pequena e não tem lugares famosos para visitar, mas estamos a meia dúzia de passos de Edimburgo, uma cidade com gente mais jovem e muito mais atractiva. Também há museus, teatros, restaurante, bares e mil e uma coisas mais; além disso, estamos na Escócia, um país com paisagens incrivelmente belas.

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Viver em Cupar tornou possível que eu e a pessoa com quem vivo tenhamos um bungalow com três quartos, jardim e garagem. Apesar de ter feito trabalhos qualificados, em Londres teríamos que esperar 10 anos para juntar algum dinheiro e aspirar a algo assim. Em contra partida, estaríamos a viver num apartamento com apenas um quarto situado na zona 4 a pagar no mínimo 1200 libras. Sem incluir as contas do mês, claro. E também o passe mensal de transporte público que nos custaria umas 150 libras mensais.

A tudo isto juntamos que o administrador local de Londres pensa que pagar 2800 libras por um apartamento é algo "acessível". A sério? Que piada!

O pior de tudo é que não é apenas porque o preço dos alugueres é muito difícil de suportar. Há uns tempos tive de pagar nove libras por duas latas de cervejas e senti-me absolutamente roubado. Depois lembrei-me que estava em Londres e que o este tipo de merdas é normal. Segundo a empresa de metro de Londres as coisas funcionam sete dias por semana, mas isto é uma verdadeira falácia: durante os feriados, os dias festivos e os fins de semana, é muito provável que encontremos vários serviços encerrados, entre estações. Logo naqueles (poucos) dias em que tens tempo para desfrutar da tua "vida"… que coincidência!

Bem, mas podes sempre andar de carro. Só tens que pagar para mantê-lo e utilizá-lo, e além disso, não te esqueças dos 20 cêntimos que tens de pagar por cada cinco minutos num lugar de estacionamento. Outra opção é ficar em casa, abrir o Photoshop e fingir que estiveste nos lugares mais emblemáticos da cidade, e curtiste milhões. Depois partilhas a tua experiência com os teus amigos (principalmente com os que não vivem em Londres) para que morram de inveja e pensem nas coisas maravilhosas que poderiam fazer se vivessem nessa cidade grande e espectacular.

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Resumindo: é praticamente impossível começar do zero em Londres. A não ser que tenhas o apoio económico da tua família ou tenhas um salário gigantesco, acima da média (falo de um número anual com seis dígitos), os teus standards têm que ser muito diferentes dos meus se realmente queres ficar na cidade. E por causa de todas estas coisas, Londres está a converter-se numa Washington, um lugar com uma enorme diferença entre ricos e pobres e onde os primeiros têm carreiras profissionais bastante bem sucedidas. Assim que chegam a esse ponto, mudam-se para outro lugar. E porquê? Exacto: porque é demasiado cara (até para eles).

Londres deixou-se vender por completo. Isto, aliado ao envelhecimento agressivo da cidade está a fazer com que a sua alma e encanto se percam. É provável que o que vou dizer a seguir seja um cliché, mas passaram quatro anos desde que me fui embora e, sinceramente, a última vez que voltei a cidade estava irreconhecível. Já não parece a capital do Reino Unido, mas uma capital federal, desalmada.

Nestes momentos, a única coisa que não posso fazer é ver um jogo do Arsenal sem ter de apanhar um avião. Mas pronto, se vivesse lá obviamente que também não me poderia permitir pagar o bilhete. De qualquer das formas, não quero acabar este artigo com uma reflexão negativa, por isso aqui vai uma mensagem para a cidade que me viu nascer: "Cupar trata-me melhor do que tu, e graças a isso agora sou uma pessoa muito mais feliz".

E lembra-te: há vida para além das grandes cidades. Este artigo foi inicialmente publicado em i-D.