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Fotografia

Luís Pedro Castro: o gajo que fotografa a malta ao léu

Um fotógrafo voyeur que saiu de Guimarães para ver o mundo e que se perdeu pelo caminho.

Luís Pedro Castro devia estar, por esta altura, a desenhar cadeiras para uma dessas cadeias de mobiliário tipo LEGO, mas isso seria demasiado normal para um tipo que, desde o secundário, tem a alcunha de Strangelfreak — uma mistura entre o estranho hábito de desenhar anjos e o ar freak de quem tem o corpo carregado de piercings e usa brincos com sapatos de cinderela. Devia, mas não está, porque de tal forma andava ele fartinho das bolas de Berlim do Natário que decidiu trocar Viana do Castelo por Barcelona com a desculpa macaca de que ia estudar fotografia. Por lá, descobriu que afinal não era tão moderninho como a avó dele dizia e começou a partilhar as suas noites com tipas que queriam é ser homens homossexuais, prostitutas, fist fuckers, e todo um conjunto de malta para a qual o vocabulário engavetado da sociedade ainda não encontrou uma descrição. Para descansar a mãe, que já andava a desconfiar que ele se andava a enterrar na coca — e fazer inveja aos amigos que deixou em Guimarães —, começou a cravar a máquina fotográfica ao pessoal conhecido e a fotografar tudo o que lhe acontecia à frente. Criou uma terra paralela, a Lalaland, tornou-se no voyeur oficial de artistas post-porn, publicou um livro e inventou um novo super poder, pois ao que parece as pessoas têm a tendência para começar a foder quando estão à beira da objectiva deste rapaz. PÁRA TUDO! Vamos lá esclarecer isto com o António Variações da fotografia. VICE: Para nós que nunca fomos além da Apúlia, explica lá o que é isso do post-porn?
Luís Pedro Castro: Post-porn é a utilização de sexo e de comportamentos sexuais na perspectiva artística. Quando isto acontece, deixa de ser pornografia porque a mensagem vai para além da sexualidade e da interacção física entre as pessoas. No post-porn, o sexo, que é uma linguagem comum a todos os seres humanos, é usado como forma de captar a atenção para assuntos de maior importância. Um bom exemplo é um trabalho Diana pornoterrorista que, numa performance recente, tinha todos os orifícios ocupados por arte e convidava o público a tirar poemas da rata. E o teu trabalho mostra o quê a partir do sexo?
O meu objectivo, quando tiro uma fotografia, é fazer com que as pessoas a olhem mais do que 30 segundos, que se perguntem o que é aquilo. Se vêem um corpo que tem mamas, mas está carregado de pêlos se questionem: “É homem ou mulher?” No fundo, o objectivo é dar voz às pessoas que são discriminadas dentro da comunidade LGBT e mostrar que existem comportamentos muito mais fora da norma do que aqueles que nós temos, que existe pessoal a levar vidas muito hardcore. E como é que te lembraste de começar a fotografar estas cenas?
Pensava que era uma pessoa muito à frente e com a mente aberta. De repente, fui para Barcelona e vi coisas indescritíveis. Isto fez com que começasse a ver o amor e a sexualidade numa perspectiva mais abrangente e foi isso que me motivou a tirar fotos. Nessa altura, ia colocando as fotos no meu blogue para que os meus amigos vissem o que andava a fazer e pudessem também ter acesso a essas realidades que eles nem imaginavam que existiam. Isto, para mim, era fácil porque à minha volta as pessoas têm uma tendência para se despirem e começarem a pinar umas com as outras e, por sorte, sentem-se à vontade para que eu as fotografe. Acontece-me muito ter amigos que se viram para mim e dizem: “Vou tomar um duche, não queres vir ali fazer umas fotos?” Mas quando é que percebeste que podias tornar isso num trabalho?
Quando estava a estudar design em Viana do Castelo, apercebi-me de que não queria fazer cadeiras, mas sim mudar cabeças e decidi ir para Barcelona estudar fotografia. Quando lá cheguei, tive a sorte de ser apadrinhado pela malta do bar La Bata, que era frequentado por lésbicas, transexuais, prostitutas e por uma série de pessoal hardcore. Este ambiente fascinava-me e uma vez, no final de uma performance da Diana pornoterrorista, decidi ir falar com ela e agradecer-lhe pelo trabalho. Ela percebeu que eu tinha tirado fotos, gostou e comecei a ser convidado para ir fotografar as apresentações que fazia. Acabei por me tornar não oficialmente no seu fotógrafo oficial. Nas tuas fotos não há um respeito pelas regras da fotografia. Afinal tu não percebes nada da poda ou estavas tão drogado nas aulas que não te lembras do que aprendeste?
Estava sempre drogado, sim, mas a técnica fotográfica, no meu caso, é um bocado impossível de pôr na prática porque os momentos que capto são espontâneos. Não posso estar numa discoteca e quando alguém começa a mijar em cima de outra pessoa, dizer: “Olha, espera aí que eu vou montar os projectores.” O importante na minha fotografia não é a técnica, mas o momento, a espontaneidade. Não posso chegar à beira dos meus amigos e dizer: “Hoje quero que vocês saiam comigo, se dispam e comecem a fazer sexo na rua.” São coisas que têm de acontecer naturalmente e eu só tenho de ser rápido para captar o momento. Então, os teus amigos quando te convidam já sabem que podem ir ter à net?
Sim, mas antes de publicar as fotos peço sempre autorização para o fazer. Tenho imensas fotografias fenomenais que não publico porque podem ser lidas de forma prejudicial. Há uma fronteira chamada respeito que eu não passo. As tuas fotos têm uma inspiração renascentista. Se tu és um tipo que não gostas de regras, por que é que foste escolher uma estética que é talvez uma das mais normativas?
Tenho um certo fascínio por pintura clássica — pela técnica de luz que usa, os drapeados e a forma como apresentam os corpos nus. Aliás, na altura não havia pornografia, mas havia este hábito de representar o corpo nu, que é algo que já não encontras hoje em dia, pelo menos de forma aberta. Achei que seria interessante usar essa estética para dar às minhas imagens um carácter híper-realista. O objectivo é que as pessoas se identifiquem quando olham e pensem: “Sim, também tenho rugas e pneus, mas sou um corpo e sou sexual, apesar de não ser o corpo canónico.” Tu trabalhas sobretudo com a comunidade LGBT. Os heterossexuais são um mercado onde não vais ou que não te recebe?
Recebem. Aliás, tenho bastantes pessoas heterossexuais que me abordam. Mas em termos de trabalho, está mais presente a desmistificação dentro da comunidade homossexual de que existem vários tipos de pessoas, gordas, mulheres de bigode, magras. Agora não tenho dúvidas de que tenho muitos seguidores que são heterossexuais e que, muito certamente, vão ao meu blogue para baterem uma punheta a verem as minhas fotos. Tu consegues viver deste trabalho?
Agora melhor porque até então estava a tentar descobrir a minha própria voz. Como já tive algumas publicações nos Estados Unidos e na Bélgica — e já se começa a falar do meu trabalho como algo muito contemporâneo, mas que ainda é tabu —, comecei a ganhar credibilidade. Agora já pergunto às revistas sobre o cachet de propriedade intelectual, quando estas querem publicar o meu trabalho e ofereço a particulares a possibilidade de terem acesso a fotografias assinadas. No entanto, ainda há muita incerteza sobre o dia-a-dia. Tu que és um gajo que já viu muita coisa, por que é que achas que ainda há muita vergonha em falar abertamente de sexo?
As pessoas não estão habituadas a falarem do tipo de sexo que praticam e acabam por sentir-se reprimidas a falarem sobre ele, de se virarem para o parceiro e dizerem que até gostavam que lhes enfiassem uma cenoura no cu, por exemplo. Há imensos comportamentos que, por estarem ligados à homossexualidade ou a outros preconceitos misóginos, acabam por não ser verbalizados. No meu caso, por exemplo, entendo que o sexo tem que ver com a conexão entre pessoas mais do que com o género. Apesar de ser homossexual, tanto me interesso por uma mulher que se vira para mim e diz “vamos para a casa de banho e faço-te uma mamada”, como por um homem que queira ir ver o Diário de Bridget Jones porque não chora há muito tempo. Para ti, o sexo é sinónimo de espiritualidade. O que queres dizer com isto?
No caso de algumas pessoas, o acto sexual é uma partilha e conexão. E para mim como observador e fotógrafo, o facto das pessoas se sentirem cómodas para partilharem esse momento comigo faz-me sentir parte desse momento. Ao mesmo tempo, distancio-me porque não faço parte do que observo. Por outro lado, acho que, sexualmente, se tiveres confiança com a pessoa com quem estás consegues chegar a um nível de auto-conhecimento mais profundo e que te permite perceber melhor os demais. Podes utilizar o sexo como uma ferramenta para te conheceres melhor a ti mesmo. Alguma vez alguma pessoa saiu a correr de uma das tuas exposições?
Nem ficava contente se não tivesse havido pessoas a terem uma reacção de asco ou desprezo para com o meu trabalho. Há sempre pessoas que vão pensar que isto é desnecessário e dizer coisas tipo: “Ele é homossexual, é óbvio fotografa homens nus.” Recordo-me de que, em Barcelona, era comum haver pessoas a criticarem o trabalho e a dizerem que lhes metia nojo porque tinha vibradores e cenas assim e, no final da noite, essas mesmas fotos eram as que desapareciam. Há uma realidade incontornável: quem desdenha quer comprar! Como é que a tua mãe descreve o teu trabalho às amigas?
A minha mãe diz que sou artista e que tenho um trabalho original, mas acaba apenas por expressar o seu orgulho junto de amigos e não com pessoas que possam interpretar de forma errada. Até porque há que separar aquilo que eu retracto daquilo que é a minha intimidade. Não publico fotos minhas, mas imagino que a minha mãe possa entender que se eu fotografo isto, talvez também tenha comportamentos destes. Nesse sentido, a minha mãe fica contente com o meu trabalho, mas não quer saber os pormenores sórdidos. Vais continuar a fotografar nesta área ou daqui a uns anos vemos-te a fotografar casamentos?
Já fotografei casamentos, não são é convencionais. Um deles foi uma boda da Annie Sprinkle e da Elizabeth Stephens, que são um casal de activistas sexuais que andam pelo mundo a casar-se. A diferença nestes casamentos é que elas oferecem às pessoas performances nas mais variadas áreas, desde a poesia à dança. Têm de ver as fotos desse casamento, vão pensar que o vosso casamento foi a coisa mais aborrecida do mundo.