Hells Angels, tiozões bêbados e tangas: Tudo que vi no maior encontro de motociclistas do Canadá

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Hells Angels, tiozões bêbados e tangas: Tudo que vi no maior encontro de motociclistas do Canadá

No sul de Ontário, na pequena e interiorana Port Dover, 100 mil entusiastas se reúnem todos os anos para celebrar o estilo de vida biker.

Um cara no encontro de motos da sexta-feira 13 em Port Dover, usando uma camiseta com o Donald Trump fotoshopado no clássico Exterminador do Futuro. Todas as fotos pelo autor.

Era por volta das 14h quando cheguei ao coração do maior encontro de motociclistas do Canadá. Recém-saído de um ônibus de traslado, me vi no estacionamento da única loja de bebidas de Port Dover, Ontário. Uma mistura de música country, barraquinhas de fritura, ronco de motos, cigarros, bebidas e, mais importante, um suprimento sem fim de motociclistas enchia as ruas. Rapidamente, comecei a me perguntar por que achei uma boa ideia passar a sexta cercado de pessoas com camisetas tipo "Biker Bitch", "White Trash Fuck" e, a minha favorita, "Badass Motherfucker".

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Mas é difícil ignorar quanto dessa cultura foi cooptada por caras nem tão Badass Motherfuckers assim — a maioria dos jovens usando jeans rasgados de grife e jaquetas de couro hoje provavelmente estão indo tomar o seu brunch. Na estrada, você tem mais chance de ver uma cara da contabilidade com uma Harley customizada de fábrica do que um mecânico que realmente sabe fazer sua própria moto. E desde The Electric Kool-Aid Acid Test até a temporada final deSons of Anarchy, todos os aspectos da cultura do motoqueiro fora da lei foram tantas vezes regurgitados pela cultura pop que é difícil separar mito e realidade.

E exatamente por isso, numa parte remota do sul de Ontário, cercada por centenas de quilômetros de fazendas e floresta, eu tinha que ver o encontro de motociclistas anual da sexta-feira 13 de Port Dover, para entender o que a cultura biker significa em 2016. Porque se você quer encontrar quem realmente se importa com a vida fora da lei, não tem jeito melhor do que passar um dia inteiro numa cidade tomada por milhares deles.

Para quem não sabe, Port Dover é basicamente o esteriótipo de cidade pequena — tratores, trailers, armazéns e raros cartazes dizendo "CONEXÃO DE INTERNET DISPONÍVEL". O fato das pessoas viajarem para esse lugar remoto é um testemunho de que a vida na estrada está longe de morrer. Desde 1981, o encontro vem arrastando cada vez mais gente — chegando a 100 mil pessoas nos últimos anos — com uma mistureba vibrante de vários clubes, gangues e entusiastas de moto do Canadá e EUA. Todo mundo, dos Hells Angels à vovó com jaqueta da Harley, vem pra cá, tanto para assistir como para participar da tomada da cidade, que nos outros dias conta com meros 6.400 moradores.

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Diferente dos motoqueiros posers que poluem o evento (com coletes que não são seus, ou acessórios que parecem hardcore, mas que você encontra em qualquer loja e só enganam quem é de fora) os grupos mais dedicados — como os Ontario Hells Angels, que tem um controle onipresente da cidade inteira — eram mais reservados. Agindo como homens de negócio, eles ficavam na deles e apertavam mãos. Eles davam tapinhas nas costas, beijos em bebês e poses para fotos. Mesmo com a pesada presença da polícia, era difícil não pensar nos Angels como uma autoridade temporária da cidade.

Achar outros caras jovens foi difícil. A maior parte do pessoal é formado por homens e mulheres mais velhos, de 40, 50 e 60 anos, e aqueles de 20 ou 30 anos estão ali por pura dedicação. Eles são membros de gangues, filhos de donos de oficinas ou loucos por motos. Achar alguém que eu identificasse como da minha geração — ou mesmo que se encaixasse num esteriótipo clássico de bad boy tipo James Dean — era quase impossível, mas o mais perto que cheguei foi na companhia dos Hells Angels.

Um cara usando um colete dos HA com um patch escrito "veterano" me pareceu abordável o suficiente. Parecendo ter 30 e poucos anos, ele tinha um jeito largado típico de solteiro e um grande sorriso. Com toda a confiança que consegui juntar, pedi para tirar um retrato dele. Apesar de ser simpático com outros, seu tom mudou de um amigável "Olá" para um gelado "Não". Depois de me encarar por um tempo, ele me puxou de lado e disse, com firmeza, que se eu queria tirar fotos de qualquer um da gangue, eu precisava me afastar alguns passou, acenando para longe da tenda. Claramente não me vendo como um encrenqueiro — e provavelmente simpatizando com o fato de que eu parecia muito novo e ansioso para ser um policial — ele me deu passe livre, me dizendo que se eu conseguisse tirar fotos, era melhor que ninguém notasse.

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Fora esse probleminha com os HA, o evento no geral não era tenso: a atmosfera era de uma festa típica bem família. Tinha uma parede de escalada para as crianças, uma fila enorme para usar os banheiros químicos, e uma "walk thru" em vez de drive thru na única lanchonete de fast food da cidade. O tipo de bandidagem que você esperaria do esteriótipo de motoqueiro (muito obrigado, Kurt Sutter) estava lá — as drogas, a bebida, as tatuagens feias — mas também havia mães, pais, filhos e fotógrafos de moto.

Uma fixação minha há mais de 25 anos, um cara atraindo muitos olhares era Paul Nurmi — um veterano do encontro, motociclista e entusiasta de nudismo. Usando uma tanga preta colada (ele é literalmente conhecido como "Thong Man" no encontro), óculos aviador e um capacete, ele me disse que o encontro fornece tudo que ele precisa na vida: uma chance de pilotar sua moto e liberdade para se expressar totalmente.

"Ando de moto há mais de 50 anos e sou um vagabundo de praia. Esse é o lugar perfeito para trazer sua tanga", ele me disse, quase inaudível por cima do ronco ensurdecedor de sua moto e várias pessoas pedindo uma selfie com ele.

"Você precisa se divertir de vez em quando!"

Mas nem todo mundo estava se sentindo tão em casa. Chris Timmis, um mecânico de motos de 31 anos, me disse que foi criado em cima de uma moto pelo tio, um ex-membro da outrora proeminente gangue canadense Rock Machine. Seus amigos, ele me disse, não curtiam a cultura biker como ele. Ele estava se sentindo um pouco de fora.

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Ainda considerado um membro jovem da comunidade, Timmins me disse que queria ter visto os dias de glória — quando era mais fácil pegar uma moto e sumir do radar por meses sem a presença constante da sociedade. Ele me disse que achava que mais caras jovens se interessariam pela cultura biker se não estivessem tão presos pelas redes sociais e as expectativas da sociedade.

"Muitos desses caras só querem pegar a estrada e não ter que lidar com essas merdas, sabe? Sei que eles parecem durões e tudo mais — e, claro, esses caras não levam desaforo pra casa — mas as pessoas só querem ser deixadas em paz e viver na estrada. Serem respeitadas. Esse é o tipo de dia em que eles não precisam se importar com nada", me disse.

De certa maneira, o encontro anual de Port Dover serve realmente pra isso. É como se todos esses amantes de moto se juntassem para começar sua própria sociedade. Se não fosse pelas jaquetas amarelas chamativas da Polícia de Ontário na cena, seria fácil achar que o lugar foi construído por motoqueiros e para motoqueiros. Todo mundo com quem falei tinha alguma história louca sobre o encontro — brigas, bebedeiras e desfiles de motos.

Um casal, de quem filei um cigarro no começo do dia, me disse que frequentavam o encontro juntos há anos. O cara me disse que ficou tão bêbado na festa uma vez, que ele e um amigo invadiram uma casa abandonada e passaram a noite lá. Dormir no chão foi difícil, e eles acordaram com uma puta ressaca, mas totalmente vivos. Esse sentimento — de viver a vida biker, mesmo que ela faça mal pra você — era um tema comum das histórias que ouvi naquele dia. Para a maioria da minha geração de amantes de cerveja artesanal, esse estilo de vida parece incompreensível ou, ao menos, insustentável, então perguntei pro cara se ele faria tudo de novo.

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"Com certeza. Não tem nada igual a isso."

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Tradução: Marina Schnoor

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