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Manual de regresso a Portugal

O país que desertaram mudou muito. Aliás, não mudou nada.

Aqui estás tu, jovem atento. Não estavas distraído quando toda a gente disse que Portugal ia ficar um ralo de esgoto e fizeste-te à vida antes que a crise erguesse fronteiras da cinza, um pouco por toda a Europa. Como bom recruta da nova diáspora, nos próximos dias vais estar a fazer tempo no aeroporto de Zurique à espera do voo de ligação para a pátria amada — afinal, os teus pais são cristãos, e até não se importaram de te pagar a passagem para vires cá pelo Natal. Ou, se calhar, já estás por cá, um pouco atordoado com as coisas que mudaram. Não deu para acompanhar o que se passava aqui enquanto estavas a trabalhar em Paris de France, tinhas coisas mais interessantes para fazer. Pois bem: vamos tentar dar-te algum contexto sobre o Portugal AD 2012, para evitar mais choques culturais.

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AMIGOS
Vai ser uma festa pegada quando se reencontrarem com o pessoal que ficou — aqueles três. Abraços, copos, piadolas. Mas não se fiem — o brilhozinho nos olhos não são saudades vossas, é raiva impotente que arde com a força de mil sóis. Quem ficou em Portugal não emigrou por ter algo que os prendesse aqui, ou por não terem tomates para se atirarem ao mundo. De uma forma ou de outra, vão detestar-vos por terem feito o que eles não conseguiram, por isso digam-lhes só o que eles querem ouvir: que aquilo lá fora também está uma merda, é tudo mais caro e não há a boa da comidinha portuguesa. Guardem as histórias do lifestyle multicultural e das pessoas interessantíssimas que conheceram para os outros emigrados vão reencontrar.

SOCIEDADE
Agora é silly season o ano todo. Na variante em que os temas discutidos pela classe política são gravíssimos e fulcrais, mas enquadrados como se fossem a piada do dia. Houve uma manifestação monumental a 15 de Outubro, as ruas das maiores cidades encheram-se com uma massa humana pacífica e um bocado à nora sobre o que estavam a fazer ali. A resposta da administração foi a mesma que a tua ex-namorada do secundário te dá quando lhe perguntas se ainda anda com aquele gajo: nenhuma. Depois houve outra, com mais regabofe e pedras da calçada com asas. O bispo Marcelo não gostou, e toda a gente se comoveu com as imagens dos robocops a serem injustamente atacados por arruaceiros de cara tapada. Não volta a acontecer (tão cedo). Já agora: tinham pensado em alugar um Mercedes para impressionar o pessoal da terrinha, e de caminho rechear aquela mala enorme com enchidos. Esqueçam isso. Com a extinção de postos de trabalho na função pública, a solução para os boys [foi a Direcção Geral de Impostos](http://<a href=). Não ostentem. ENTRETENIMENTO
O Nilton continua a levar-nos à beira de um ataque de sorriso, e o Ricardo Araújo Pereira continua a embalar o pessoal no trânsito com vozes engraçadas. Há mais Malhoas e mais Carreiras, porque agora os portugueses estão ainda mais espalhados pelo mundo e fica difícil uma só pessoa fazer a tournée toda. A RTP foi privatizada e agora é uma loja de aluguer de vídeos, desde que digam que vêm da parte do Macedo. DESPORTO
Continua sem haver mais nenhum desporto a não ser o futebol, claro. O Sporting anda a fazer de tudo para aligeirar o ambiente. Diz-se que o Pinto da Costa vai, finalmente, retirar-se da direcção do FCP, para ser congelado e disparado para o espaço. O Benfica continua enorme. FAMÍLIA
Repitam comigo: “É tão bom estar de volta!” À quinquagésima repetição, começa a soar natural. Enfardem uns doces locais, quanto mais farináceos melhor. É que se não chegarem cá completamente badochas, vão fazer-vos waterboarding com banha de porco até ganharem uma corzinha saudável. No que toca a prendas, calhou-vos a sorte grande. Tragam uma coisa que tenha escritos estrangeiros em cima: qualquer coisa. Até pode ser um jornal, mas como trouxeram directamente da fonte exótica, vai ganhar um élan místico. As tias passam-se dos cornos com essas merdas, ainda conseguem fazer o cabaz de presentes por menos de 30 euros. Fora tudo isto, usem do vosso bom senso para evitarem desgraças. A nação que vos viu crescer vai ganhar uma patina de nostalgia viva, enquanto andarem por aqui. Mas resistam: mais uma semana por cá e mandavam tudo às urtigas outra vez. Pensem positivo, é só um par de semanas e, com alguma sorte, já vão estar a festejar a passagem de ano num sítio mais civilizado.