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Entretenimento

Não ter Internet em casa é uma merda

Sacrifica qualquer coisa, mas instala Internet em casa. Deixa de comer se for necessário. É melhor teres fome que estares desconectado.

Fotografia: Flickr

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Suponho que o Mundo inteiro sabe, toda a gente chegou a deduzi-lo menos eu. Ainda não tinha percebido claramente, ok? Não é que seja um gasto excessivo, até me podia permitir a este luxo se não gastasse tanto dinheiro em frangos ecológicos e discos de vinil enviados dos Estados Unidos. Podia poupar um pouco de dinheiro, podia ter Internet em casa se em vez de beber um Jack Daniels, bebesse um simples VAT69, mas não seria o mesmo.

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Neste preciso momento da história da humanidade a Internet é barata, quase que somos obrigados a contratar o serviço. Faz parte de uma enorme conspiração para controlar-nos, por isso é que os preços são tão populares. Mas, mesmo assim, nesta vida um gajo tem preferências. Uma pessoa tem de saber o que quer e aquilo a que se pode permitir. De todas as coisas que decidi sacrificar no meu lar - frigideiras decentes, uma televisão, colheres pequenas, água quente… - uma delas foi a Internet. Que se lixe, "já tenho Internet no trabalho" pensei. "Além disso vai ajudar-me a desfrutar de outras coisas da vida. Não entrar em espirais de scroll infinito no Facebook, ou buracos negros no YouTube. Assim vou poder trabalhar nas minhas coisas em casa. Vou aproveitar o tempo. Tempo saudável".

Uma grande merda é o que é. Ignorem todos aqueles que dizem que se vive bem sem Internet, é mentira. Viver desconectado é uma merda. É uma sorte ter Internet no telemóvel, é a única coisa que me mantém com vida. Mas, navegar através de um ecrã mínimo é uma tortura, essa pequena moldura rectangular pelo qual entra a preciosa luz do sol que envolve os maravilhosos tons coloridos não é suficiente. A Internet é demasiado grande e incompreensível para ser vista pelo óculo de uma porta.

Há vários momentos na vida de uma pessoa onde a internet é absolutamente necessária e não aceita substitutos. Sacrifica qualquer coisa, mas instala Internet em casa. Deixa de comer se for necessário. É melhor teres fome que estares desconectado.

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Masturbação

Era óbvio que este tinha de ser o primeiro ponto. Internet em casa é, acima de tudo, uma ferramenta de masturbação. Há tempos publicámos na VICE este artigo que falava sobre a maldição de nos masturbarmos exclusivamente com o YouPorn e da beleza que existe em te "tocares" mentalmente - usar a imaginação e tudo isso - e conseguires viver uma experiência sensorial nova.

O artigo era muito bom e eu senti-me bastante identificado, mas vamos lá ver, um gajo às vezes faz umas massas pré-cozinhadas quando está com fome e não tem tempo nem vontade de cozinhar, da mesma forma que não se pode permitir a converter a sua casa num grande templo da masturbação intelectual e se tenha de conformar com uma coisa rápida já que só tem 20 minutos até ir buscar a filha ao colégio. A Internet, nestes casos, é uma amiga indispensável. Tentem entender-me, não é só uma questão de tempo, a Internet é uma fonte infinita de maná sexual, podem chamar-lhe bimba ou ordinária, mas isso significa que não estão a navegar nos sítios certos.

Estar em contacto com as pessoas

Antes faziam-se chamadas telefónicas. Agora, como as amizades também são mais frágeis, isto parece algo excessivo. A comunicação passou a ser textual e se não tens um dispositivo com Internet para comunicares com os teus amigos estás perdido. Vais perder concertos, jantares, encontros de cariz sexual e noites de bebedeira. Levas meses sem compreender porque é que as pessoas não saem à noite. Elas saem, mas não contigo.

Se não existes na Internet, na realidade não existes. Vais desaparecendo pouco a pouco das mentes dos teus amigos até te converteres num espectro. Um dia um deles dirá "lembram-se daquele gajo que às vezes mijava no bar das discotecas?" e ninguém vai saber de quem é que ele está a falar. Enfim, já não és ninguém, desapareceste e ninguém foi ao teu enterro. Nem sequer tiveste um. És tão patético que nem sequer tiveste de morrer para que fosses esquecido.

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Começar a fazer coisas

Primeiro achas que sem Internet em casa vais poder fazer uma série de coisas. "Há muito tempo que quero fazer colagens". "Vou restaurar mobília dos anos 70". Este tipo de merdas. Pouco a pouco apercebes-te de que a única coisa que sabes fazer bem é dar "likes" às coisas que fazem as outras pessoas.

Que gostes de algo não significa que a sejas capaz de fazer. Que sintas uma ligação com a escrita de Carver não significa que possas escrever como Carver. Já percebem onde quero chegar. Esta é a grande verdade da tua vida: os teus gostos não são as tuas virtudes. A Internet é perfeita para te distraíres dessa noção de que não vales nada, de que és simplesmente um corpo com ideias, que um dia morrerá.

Cultura

A base de consumo de cultura em qualquer país está na Internet. O leecher é o novo connoisseur . A Internet dá-te oportunidade de seguir em tempo real séries, filmes, música, banda desenhada, literatura e o que mais seja necessário. Sem esta cascata celestial de informação à distância de um clique estás condenado a ter de comprar ou pedir emprestados objectos de cultura.

Como o dinheiro é escasso, nunca poderás igualar essas pessoas que, mesmo sem dinheiro, continuam a ter de tudo. Ficaste para trás, não consegues seguir as séries e isto significa que já não podes entrar em certas conversas, em certos círculos sociais. Vais converter-te "naquele que não tem Internet", aquele que não sabe. Não podes seguir o ritmo de produção da realidade. Às vezes ficas parado à frente das tuas prateleiras repletas de livros e choras a pensar na insignificância real de todos aqueles pequenos volumes. O que tu pensavas ser tudo, afinal não é nada.

Internet

O que acontece quando realmente precisas de Internet e não a tens em casa? Sei lá, teres de enviar com urgência um PDF para o teu advogado antes de teres problemas reais com a tua ex-mulher, por exemplo. Há casos em que o processador do teu smartphone não é suficiente e precisas de uma máquina de verdade, uma máquina com tomates, uma máquina com Internet. Nestes casos tens de aceder a outro mundo. Um mundo novo onde toda a gente usa chapéus de baseball e tem uma cara triste: os cyber cafés (ainda existem?).

Estes sítios oferecem cápsulas de Internet e com 50 cêntimos tens o mundo a teus pés. Minutos de glória, minutos para solucionar problemas e voltares a conectar-te com os teus velhos amigos e amantes. São como pequenos oásis para aqueles que não têm Internet em casa. O ambiente é deprimente e normalmente os teclados e as cadeiras estão destruídos. Mas, sabes que mais? De um certo modo ligas-te a toda esta gente, a todos estes falhados que um dia decidiram não instalar Internet em casa e que continuam a lutar, a cada dia, contra a ordem natural das coisas. É difícil subir o rio contra a corrente, mas, lá em cima, onde nasce o líquido frio e cristalino, é onde os salmões dão vida a uma nova geração.