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Entrevista

O Carlos Fiolhais merece ir dar uma volta ao espaço

Decerto que lá haverá vida mais inteligente daquela que há na terra.

“Deve haver vida inteligente algures no universo; na Terra está provado que não há.” Suspeita: é um dos cientistas do mundo mais apaixonados a falar do seu ofício. Facto: é o cientista português com o artigo mais citado em todo o mundo. Na televisão já disse que a pulseira do equilíbrio “é uma treta” e só por isso merece respeito, mas merece mais. Carlos Fiolhais, físico, divulgador de ciência, pai do Centro de Física Computacional, merecia a voltinha no espaço que tanto deseja. Ao cuidado da Virgin Galactic. VICE: Em que parte da sua vida percebeu que ser cientista podia ser fixe?
Carlos Fiolhais: Não houve um momento mágico em que uma pessoa diz “agora, vou ser cientista”, faz um golpe de magia e passa a ser cientista. Demora muito tempo. Entre a entrada na escola, que é aos seis anos, e a saída da escola, que, no meu caso, foi o doutoramento, aos 26 anos, mediaram 20 anos. Demorei 20 anos para ser cientista. Mas em que ano decidiu que ia ser cientista?
Talvez a meio, nos 16. E foi a idade em que entrei no curso de física. Não havia muitos alunos — éramos quatro. As pessoas perguntavam: “Física para quê?” E pergunto eu: no seu caso, física para quê?
Tinha lido uns livros sobre a estrutura do átomo e do carbono, aquelas histórias do Rómulo de Carvalho… Cheguei à física através dos livros de divulgação científica, não foi tanto pelas disciplinas científicas que frequentava — há pessoas que as consideram aborrecidas e era também essa a minha opinião. Mas havia ali uma aventura, um mistério escondido nos livros que depois procurei. Pensei: “Há aqui uma coisa que parece interessante, mas estão a esconder-me o interesse. Vou procurar o interesse que isto tem.” Descobri toda uma aventura de saber de que são feitas as coisas. O que estava a tentar era entrar nessa aventura, sem que ela aparecesse na escola. A aventura estava escondida. Era um sótão e a porta estava fechada. Há quanto tempo é que nós, humanos, metemos na cabeça que devíamos explorar o espaço?
Desde que a humanidade existe que existe o sonho de voar. Aquele mito de Ícaro, de subir mais alto, vem dos gregos. A ideia de ir ao espaço, ao que há lá para cima, é tão antiga como a humanidade. Claro que demorou muito tempo a poder concretizar-se. Ainda antes de poder concretizar-se, na altura da revolução científica, o [Johannes] Kepler escreveu um livro que era sobre uma viagem à Lua. Foi talvez a primeira obra de ficção científica. Era um conto, chama-se Somnium — sonho. A partir daí foi o que se viu: começámos a perceber como funcionava o céu e, no século XX, começámos a fazer foguetes que nos proporcionaram a concretização da viagem. Houve pioneiros da exploração espacial, como o russo [Konstantin] Tsiokolvski. Ele dizia que a humanidade tem um berço, mas que ninguém fica nele. A humanidade demorou muito tempo a sair do berço. Nada nos vai convencer a estar quietos?
É quase genético. O Carl Sagan dizia que o nosso destino são as estrelas e que, mais tarde ou mais cedo, chegaremos às estrelas. Parece impossível, mas o que parecia impossível hoje é real — as naves Voyager já saíram do Sistema Solar. Mais tarde ou mais cedo, os planetas vão ser, não apenas pontinhos no telescópio, mas sítios onde se chega. Isso é um problema tecnológico que não é fácil de resolver, porque as distâncias no espaço são quase impossíveis. São anos-luz, quase que é preciso congelar a vida para lá chegar. Mas o sonho é que alimenta a vida e, se o sonho era o mote do Kepler, o sonho continua. O que foi realizado deixou de ser sonho. Consegue convencer o meu amigo céptico, anti-americano e conspirativo de que houve um homem na Lua?
[Risos] O Neil Armstrong deixou lá um espelho. Se quisermos “viajar” até à Lua, enviamos luz para a Lua e ela reflecte-a através do espelho. Não há nenhum espelho natural na Lua. Tinha 13 anos quando Neil Armstrong pousou os pés na Lua. Foi isso que o fez pensar “vai ser mesmo fixe ser cientista”?
Talvez não, ainda faltavam três para os 16 anos, ainda era demasiado novo. Há uma distância entre uma proeza tecnológica e uma proeza científica. Não fazia ideia nenhuma das coisas científicas que permitem aquilo. Há um pacote imenso de ciência que permite aquela tecnologia: aquilo é um concentrado de ciência para fazer o foguetão, a nave, as comunicações. Foi uma missão que o Kennedy colocou ao seu país, foi um acto de nacionalismo contra os russos. Ele disse: “Antes do fim desta década, estaremos na Lua.” E cumpriu. É do tempo em que os políticos cumpriam promessas. Imagine agora o nosso primeiro-ministro a dizer que antes do fim da década teremos pago a dívida. Era mais fácil ir à Lua. Ou seja, sem Guerra Fria, não se passa nada.
Sem Guerra Fria não haveria corrida espacial. Havia uma motivação de querer ser o primeiro. Os russos tinham começado, os russos tinham de ser ultrapassados. Hoje essa motivação não existe. Os russos e os americanos colaboram na estação espacial internacional. A questão é: estão dispostos a pagar? Como dividem a pesquisa? E tem de haver um objectivo, não é repetir a proeza, para confirmar se está lá o espelho… É fazer mais, é conhecer melhor a Lua. Fala-se do regresso à Lua… E quem vai lá?
Há quem diga que os próximos astronautas são chineses — talvez tenham o dinheiro, talvez tenham a vontade de subir, de chegar primeiro que os outros, de mostrar que são uma potência. Mas o interesse principal será, por exemplo, pôr um pé humano em Marte, a Lua pode ser uma escala, um entreposto. Compare com os descobrimentos portugueses: para ir à Índia ou ao Brasil, parar um bocadinho na Madeira para pôr uns mantimentos pode dar jeito. Espero que o João Jardim me desculpe a analogia… Ele é um bocado lunático, mas compará-lo a um habitante lunar… E quando é que chegamos a Marte?
Espero que não demore mais de 30 anos. Estou convencido de que é o próximo sonho a cumprir no domínio espacial. Via-se como turista espacial ou isso é coisa de ricos?
Ir dar uma volta lá em cima, qualquer dia… A Marte?
Não, Marte é demasiado longe: seis meses para lá, seis para cá, seis lá. É muito tempo, com os meus anos de vida e a minha condição física. A Lua também ainda é longe: uma semana para cá, outra para lá. Mas uma voltinha, uma rapidinha, lá em cima, por cima da atmosfera, dominar a situação do alto… Uma pessoa como eu não se importa. Que conselho daria a um tipo português de 16 anos que queira ser astronauta?
Dezasseis anos é um bocadito novo. Tem de estudar primeiro. Não há ainda um astronauta português, mas vai haver. Candidatos não faltam. Conheço indivíduos quase astronautas que estiveram nas provas de selecção até à última. Mas são vários países a candidatar-se e o dinheiro da Agência Espacial Europeia vai recompensar os que pagam mais. Carlos, é possível ser feliz no espaço?
É possível ser feliz em qualquer sítio — até na Terra. Mas os prazeres — isto é, a comida e o sexo — estão amplamente limitados.
Mas há outros prazeres que podem compensar. Ver a Terra ao longe é um prazer inaudito. Ver o nascer da Terra em vez de ver o nascer da Lua. Ver isto com suficiente distância pode ser um prazer. E as limitações devem estar a ser ultrapassadas pelos cientistas, que não querem passar mal no espaço.
Os desconfortos das viagens espaciais podem ser diminuídos no futuro, mas há sempre a sensação de aventura que ultrapassa o desconforto. Até na Terra, as pessoas querem ir à Antárctida, ao Evereste têm um prazer que ultrapassa o desprazer de estar em sítios muito frios ou difíceis. Perguntaram ao primeiro tipo que foi ao Evereste por que é que ele lá foi e ele respondeu: “Porque o monte estava lá.” Por que é que as pessoas foram à Lua? Porque está lá. Por que é que queremos ir a Marte? Porque está lá. Vamos aos sítios porque estão lá. Toda a gente tem a aspiração de ir a sítios onde os outros não estiveram. Ser o primeiro, é uma coisa muito humana. Qual é a sua anedota preferida sobre a teoria da relatividade?
A melhor anedota sobre o Einstein que conheço é verídica. Quando ele era já mundialmente famoso, alguém lhe pediu para fazer uma conta. Resposta dele, embaraçado por não a saber fazer: “Julgam que eu sou algum Einstein?” Aquela teoria de que um povo num outro planeta a milhares de anos-luz pode, através de um telescópio superpotente, ver a Terra como ela era há milhares de anos, faz algum sentido ou é só conversa?
Acho isso muito esquisito. O que é que eles quereriam ver na Terra? Aquilo que observamos no telescópio é o passado, mas eles — eles entre aspas, os extraterrestres — até podem ver a Terra como era dantes, mas quando nos disserem já vamos saber depois. Não vamos aprender muito. Para saber o nosso passado é melhor ir para a arqueologia. Acho que percebi. Acho. Vou reflectir sobre isto. Para aligeirar: o Messi é mesmo um extraterrestre?
Não sei, às vezes parece. Mas estou convencido que não. Ele imita muito bem capacidades extra-humanas em algumas jogadas que faz, mas estou convencido de que também falha. E falhar é algo de muito humano. Se calhar, os extraterrestres também falham.
A gente pensa em seres perfeitos, super-humanos, melhores do que nós e, se calhar, os extraterrestres serão bactérias, umas formas primitivas de vida, que não chegam a falar. Nem a falhar. E existe vida fora deste planeta?
Existe vida quase de certeza — bem, não tenho a certeza. Vida inteligente? Deve haver vida inteligente algures no universo. Na Terra, está provado que não há. Fotografias carinhosamente gamadas à Universidade de Coimbra