​O derby da segunda circular contado por um portista
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​O derby da segunda circular contado por um portista

Venha de lá esse sorteio para os oitavos, até os comemos. Nós ou o Braga. Palavra de visionário.

Sporting-Benfica, 16 avos-de-final da Taça de Portugal. Este é um daqueles jogos em que, para um portista como aquele que assina esta espécie de crónica, deveria imperar o velho provérbio do "matar dois coelhos de uma cajadada só". Ainda assim, já não é nada mau: um fica pelo caminho e o outro será eliminado mais à frente pelo Braga, abrindo espaço, como manda a tradição, a uma assada das antigas nas matas do Jamor. A bem dizer já não pomos lá os pés desde Maio de 2011, mas aí foi uma verdadeira barrigada: 6-2 ao Vitória de Guimarães, no ano de sonho do Villas-Boas e num jogo em que o menino James Rodriguez – ai que saudades… - assinou um hat-trick.

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Mas chega de nostalgia e olhemos para o derby da segunda circular entre leões e águias. Que, diga-se em abono da verdade, têm protagonizado um combate ao nível de um Myke Tyson vs Holyfield, ainda que, até ao momento, ninguém se tenha queixado de ficar sem um bocado da orelha. Mesmo assim, depois da curta viagem de Jesus da Luz para Alvalade, tem sido um verdadeiro festim para quem está a assistir de fora: ele é processos em tribunal, insultos quase diários, debates televisivos incendiários… e podíamos estar nisto o dia todo.

Infelizmente - e voltando a recorrer à linguagem proverbial portuguesa -, o jogo foi mais na onda de um "muita parra e pouca uva". Ou, usando e abusando da recriação, "muita porrada e pouca bola". No final foi pegar no balde de pipocas e vê-los a todos aos empurrões, aos insultos e às queixinhas ao árbitro. Foi tão rijo que o Luisão fracturou o pulso e o Gaitan fez um traumatismo, tendo ambos de ir picar o ponto ao hospital. Mas o que dizer deste jogo um pouco chato, salvo pelos comentários do visionário e sempre psicadélico Freitas Lobo?

Pois bem, parecia que ia ser desta que Rui Vitória conseguiria enganar Jorge Jesus, e sem ter de gastar 30 dinheiros. Os encarnados entraram muito bem: pressionantes, destemidos, aventureiros, como se tivessem uma corda em cada pescoço. E foi depois de Slimani atirar uma bola ao poste da baliza de Júlio César - que ficou a rezar de longe para a bola não entrar - que o Benfica marcou num contra-ataque: Gaitán faz uma abertura como quem estende a passadeira vermelha a Pizzi, este tenta fintar e, sem saber ler nem escrever, acaba por assitir Mitroglu, que remata de primeira e pelo meio das pernas de Rui Patrício – que, já se sabe, tem grandes dificuldades em mantê-las juntinhas.

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Por volta dos 14 minutos, porém, o Benfica começa a desenhar o seu calvário rumo ao apagão. Algo que acaba por estar ligado ao assustador desmaio de Gaitán, que chocou de cabeça com Paulo Oliveira. E, se até aí – e nas palavras do ensaísta Freitas Lobo, comentador oficial da Sport TV -, o encarnado estava "a jogar como um vagabundo", o que se viu depois foi como se tivesse bebido uma garrafa de penalty e ficasse a dormir a sesta encostado à bandeirola de canto. Ainda assim, e mesmo que em claro estado de tontura, acabou por ser ele - e o capitão Luisão – um dos melhores em campo.

Por volta dos 20 minutos, Freitas Lobo ainda se entusiasma com uma jogada dos encarnados, numa clara alusão à célebre porta 18: "O Benfica está a juntar bem as linhas". Aos 25 minutos Slimani cai, mais uma vez sozinho, e alguns minutos mais tarde Freitas Lobo mostra que a piscina é noutro lado: "O Slimani tem de cair mais vezes nas costas dos jogadores do Benfica". O argelino não compreendeu muito bem e, em vez disso, deixou foi cair o cotovelo em cima do Samaris, tendo sorte em não ir tomar uma banhoca mais cedo.

Por volta da meia hora de jogo, Júlio César começa a aparecer. Primeiro tenta repetir a asneira do jogo contra o Sporting para o campeonato, mas agora a bola que conseguiu atirar contra a cabeça do Slimani sai ao lado. A seguir - e para disfarçar - promove a rubrica moda em directo, rasgando um dos lados dos calções só para se armar em estiloso.

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Aos 35 minutos começa a ver-se finalmente algum sangue, quando Jardel dá um valente pontapé em Slimani que, desta vez – talvez por ter sido a sério –, cai com pouco aparato. Chegados aos 40 minutos e com o jogo em claro abrandamento, Freitas Lobo mostra o caminho do sucesso com uma tirada filosófico-espacial, que ficaria bem quer tivesse saído da boca de Nietzsche ou de Stephen Hawking: "É a profundidade, a busca da profundidade". Embrulhem comentadores de segunda.

Quando o resultado da primeira parte parecia arrumado, Slimani e Luisão protagonizam um divertido momento "Onde está o Wally?", descobrindo primeiro o argelino a localização do esférico. Júlio César sai da baliza para apanhar papéis, Slimani entra numa de futevólei e Adrien, pelo buraco da agulha, faz o empate. Os encarnados morriam na meia-praia.

A segunda parte foi de domínio quase total do Sporting, ainda que tenha sido o Benfica a rematar primeiro com algum perigo por Eliseu – El Gordo – e Talisca. A meia hora do final Freitas Lobo faz um elogio do outro mundo a João Mário – um dos homens do jogo do Sporting, a par de Adrien, Gerson, Bryan Ruiz e, claro, Slimani -, apontando-o como o verdadeiro ressurrecionista: "Dá vida nas zonas mortas."

Aos 80 comecei – e provavelmente meio país começou também - a rezar por um momento alheio de inspiração, que impedisse mais meia hora de futebol requentado. A sério, por momentos tive a clara certeza de ter trocado o streaming do derby por um Santa Clara – Covilhã, mas em casa emprestada. O que quase aconteceu nos minutos finais, com Júlio César a fazer uma defesa do outro planeta a um remate de Slimani e, pouco depois, com o atacante do Sporting a desperdiçar para as nuvens uma grande assistência de Gelson, que a ser testado no controlo anti-estática estaria com uma actividade voltaica bem acima do normal. Slimani parecia esgotado, mas Freitas Lobo não via necessidade para uma troca de: "Ele sabe jogar cansado". O espírito visionário do comentador fazia das suas.

O prolongamento foi uma valente seca, e só mesmo um momento Júlio César poderia impedir que o jogo fosse para grandes penalidades. A um remate de fora da área, o guarda-redes brasileiro borra a pintura e defende para a frente, e Slimani faz o golo da vitória numa recarga oportuna. Os jogadores do Sporting celebram como se não houvesse amanhã, Jorge Jesus junta-se à molhada e os adeptos leoninos fazem a festa, a terceira da curta época contra o rival e vizinho. Vitória justa dos leões contra um Benfica que, este ano, está muito fraquinho.

Venha de lá esse sorteio para os oitavos, até os comemos. Nós ou o Braga. Palavra de visionário.