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Desporto

O estádio-que-nunca-foi do Salgueiros é um lago gigante no meio da cidade

A natureza não perdoa.

Não sei se alguma vez repararam, mas há um lago abandonado mesmo no meio da cidade do Porto, ali entre o jardim de Arca d’Água e a VCI. Durante algum tempo, foi piscina pública para os putos e o spot ideal para os velhinhos irem pescar os peixinhos vermelhos que despejavam de aquários (tipo catch and release, mas ao contrário) que, como crescem segundo o espaço que têm, se tornaram gigantescos. Fui até lá na esperança de conhecer um destes tipos, para ver como é que uma pessoa fica depois de comer peixes-mutantes, mas tudo o que encontrei foi um descampado abandonado. Já quase nem se repara no lago, escondido que está pelos muros, as chapas de metal e a vegetação que cresce desregradamente ali à volta. Mesmo que quisesse saltar lá para dentro, ia precisar de roupas à prova de silvas e, no caso de não querer ficar lá presa para sempre, um bom escadote para subir os muros, por isso todas as fotografias que estão aqui foram tiradas de sítios menos evidentes, tipo pátios ou andares que eu consegui invadir para ter qualquer coisa para mostrar. A princípio fiquei, claro, um bocado desapontada por não poder ir mesmo até ao lago, mas isso foi só até descobrir tudo o que está por trás. Em 1997, o espaço foi doado ao Salgueiros pela Câmara do Porto, à época presidida pelo Nuno Cardoso (isto vai ser importante), para aí se construir o novo estádio, mas, assim que as obras começaram, meteram logo água — literalmente. “Tiveram mais de um ano a tentar sugar a água, mas mesmo com máquinas não conseguiram”, contou-me a Maria Lamares, que anda a preparar um projecto para reabilitar o espaço, “a água aqui nasce e vem naturalmente para a superfície.” A sério, pessoal das obras: de onde é que vocês achavam que vinha o nome Arca d’Água? lsto não tem nada que ver com o lago. É um jardim privado de uns apartamentos que eu consegui invadir. Entretanto, em 2006, o Salgueiros foi à falência e o terreno foi vendido. Mas, alguns meses antes da venda, o Carlos Abreu, presidente do Salgueiros, abandonou o clube e criou uma agência imobiliária fantasma com o Nuno Cardoso, nessa altura já ex-presidente da CMP, e juntos compraram o terreno por três milhões de euros. Isto, claro, depois do primeiro licitador ter desaparecido misteriosamente com a sua oferta cinco vezes superior. Resumindo: temos um tipo que dá o terreno a outro que o põe à venda para depois se associar ao primeiro para, em conjunto, comprarem o terreno de novo. Alegadamente, claro! Parece estranho. Mas saiu-lhes o tiro pela culatra porque, além do buraco para os alicerces da obra do clube falido ter dado um novo lago artificial à cidade, nada de relevante aconteceu naquele lugar. A natureza é fodida. Um tipo que mora no 4.º andar deixou-me tirar esta foto de casa dele. O terreno lá ficou, abandonado e inundado, e como tinham limpo todas as plantas que por lá havia, os arbustos, silvas, e todas essas plantas que ninguém curte, começaram a crescer. “Tapavam-me as janelas lá de baixo e começou a aparecer uma rataria enorme”, queixou-se o senhor Reis, dono de uma garagem na Rua do Amial, mesmo em frente ao lago, a quem fui pedir para tirar umas fotografias. “Até fecharem isso, os ratos subiam pelo telhado e passeavam dentro da garagem.” Yuuuk, que noooooojo! Em vez de se matarem os ratos e aproveitar o espaço onde, segundo a Maria Lamares, “a água deve ser quase pura porque passa por várias camadas”, fechou-se o espaço. É mesmo à Portugal: isto podia ser um spa, pessoal! Bem, enquanto isso não acontece, resta-nos entrar à socapa nos pátios das casas aqui à volta para poder ver o Estádio do Salgueiros, como, por pura ironia, as pessoas ainda chamam ao lugar.