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Entretenimento

O que aprendi depois de passar um mês sem ver pornografia

É possível que a pornografia esteja tão entranhada nas nossas cabeças, que já nem conseguimos criar as nossas próprias fantasias quando nos masturbamos?
Ilustrações por George Heaven.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Itália.

Lembro-me como se fosse hoje da primeira vez que decidi deixar de ver pornografia. Quase todos os meus amigos do Facebook partilhavam este artigo, que reúne uma série de testes com os quais podes averiguar se a quantidade de tempo que passas a bater uma em frente ao ecrã entra nos parâmetros de normalidade. A imagem principal do artigo mostra um sofá preto, de frente para uma mesa de escritório. Lembra-te alguma coisa? Em caso negativo, parabéns, fico contente por ti. Porque, para mim, aquela imagem era bastante familiar.

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Essa imagem é, nada mais nada menos, que o primeiro fotograma de muitas cenas pornográficas. Geralmente, os vídeos começam com uma mulher a sentar-se no sofá com um gajo de aspecto duvidoso, de rabicho e com umas mãos enormes. O homem finge tê-la convocado para um casting de fotografia, ela despe-se e os dois acabam por se enrolar, ali, na mesa de escritório ou no sofá. Segundo o artigo, se associas imediatamente este sofá a uma cena pornográfica, é provável que tenhas algum problema.

Eu sabia que tinha um problema.


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O meu problema não era o facto de ver pornografia todos os dias, mas sim, não ser capaz de imaginar as minhas próprias fantasias (ainda que o tenha tentado). A Internet estava sempre presente, o canto hipnotizante das sereias do PornHub ecoava na minha cabeça o dia todo, atraindo-me para as suas colecções de vídeos de sexo anal, BDSM e bukkakes. Para quê chatear-me e ter o trabalho todo a imaginar o enredo?

Na noite de passagem de ano, numa conversa sobre os desejos de cada um para o ano novo, um amigo meu, Matteo, disse: "Sabem que mais? Vou deixar de ver pornografia durante uma temporada. Preciso de me desintoxicar". Mais tarde, disse-me também que Milão - a cidade onde ambos vivemos - tem um dos índices mais altos da Europa de consumo de pornografia per capita.

A ideia de estar a contribuir para esse número de masturbadores anónimos fervorosos é bastante deprimente. "Também vou deixar", disse eu, cheio de boas intenções. E, mais tarde, pus-me a ver pornografia. No início de Fevereiro voltei a fazer a mesma promessa, mas desta vez a sério.

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Era um consumidor habitual de pornografia, quase todas as noites entrava no RedTube, YouPorn ou Tube8 antes de ir para a cama. Por vezes, quando me aborrecia durante o dia, ligava-me à Internet e fazia um ou outro exercício com a boneca de silicone. Face a este cenário desolador, pensei que fosse bastante difícil deixar de ver pornografia assim de repente, mas, para minha surpresa, os primeiros dias até não foram complicados. Só consigo compará-lo com deixar de fumar: é uma questão de honra, um desafio pessoal, uma batalha que tens que ganhar para continuares a considerar-te um ser humano decente.

Durante os primeiros dias, aquela sensação foi muito mais prazerosa que a ânsia que o vício me provocava. Masturbava-me como sempre, com a novidade interessante de que agora poderia recorrer à minha imaginação. Fantasiava com ex-namoradas e pequenas paixões e com coisas que gostaria de ter feito, mas nunca me atrevi a pedir. Não é que tudo aquilo fosse, de alguma forma, novidade, mas nunca o tinha feito de forma sistemática. Agora, cada vez que queria bater uma, tinha que recordar o vídeo que queria ver: concentrar-me, acrescentar alguns detalhes, dar corpo à cena e aplicar uma ordem cronológica.

Num acesso de ingenuidade, comecei a acreditar que não seria assim tão difícil de superar o resto do mês sem pornografia. Enganei-me redondamente. O primeiro problema - e o mais inquietante - foi a imaginação. As minhas fantasias começaram a tornar-se repetitivas - as mesmas cenas, os mesmos lugares, as mesmas pessoas, os mesmos corpos e o mesmo sexo. Não era capaz de imaginar algo mais criativo. Cada vez que tentava alargar os horizontes, caía no que já conhecia, como se fosse um casamento desgastado pelo tempo a entrar na rotina. Luzes apagadas, posição de missionário, cãibra na perna, copo de água, silêncio.

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Dez dias depois de ter iniciado esta experiência deixei de me masturbar, apesar de continuar a sentir a necessidade de ter orgasmos. E logo me dei conta - por mais óbvio que possa parecer - de que usar a imaginação era uma tarefa bem mais complicada do que aquilo a que estava habituado.

Tenho consciência de que isto pode fazer de mim um preguiçoso, um gajo que nem sequer é capaz de evocar a imagem de uma mulher nua. Mas, o verdadeiro problema consistia em sintetizar o desejo. Masturbo-me há 15 anos e, durante esse período, a pornografia converteu-se no triste substituto do desejo. Milhares de vídeos que se fundem numa única imagem de uma pila a penetrar mecanicamente uma vagina, imagem que preenche os vazios da minha imaginação. Definhado, caí na realidade de que não usava a imaginação para chegar ao orgasmo há, precisamente, uma década e meia.

Felizmente, essa segunda fase terminou pouco a pouco. A etapa seguinte consistiu, basicamente, num regresso do desejo natural - que, pela primeira vez, estava no meu corpo e não na minha cabeça. Nunca tinha experimentado antes algo como isso, pelo menos que me lembre.

Antes de deixar de ver pornografia, o padrão era o seguinte:

1) Apetecia-me bater uma.

2) Entrava num site de pornografia.

3) Procurava um vídeo.

4) Batia uma.

Nenhuma parte deste processo era orgânica e, muito provavelmente, nunca foi. A pornografia era apenas mais um passo no plano entediante e repetitivo que me ajudava a tirar prazer de algo que já estava claro na minha cabeça. Agora, havia um pensamento ou imagem a formar-se na minha mente que despertava em mim o desejo sexual. Agora, o processo consistia em fantasiar com algo e masturbar-me. Muito melhor.

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Também percebi que, pela primeira vez, não pensava em nada em concreto: nem num qualquer casal francês, ou num trio a fazer sexo num bungalow decorado com móveis do Ikea, nem tão-pouco numa orgia universitária. Era muito mais parecido com o sexo com que tantas outras vezes me tinha masturbado.

Partilhei as minhas reflexões com uma amiga. Disse-me, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, que quando ela se masturbava, raramente pensava em imagens concretas, mas, em vez disso, criava uma sensação. Também mencionou algo que não tinha reparado antes, apesar de ter visto milhões de vídeos pornográficos.

"Em 80 por cento dos vídeos pornográficos nunca utilizam as mãos", disse-me. "Com assim 'nunca utilizam as mãos'?". "Exactamente isso, que não usam as mãos". Ao centrar a cena na penetração a uma mulher, as restantes acções relacionadas com o bom sexo - mãos, toque, abraços e mordidelas - são eliminados para dar prioridade a um bom ângulo de câmara. Isto é, sexo sem os elementos que o tornam espectacular.

Depois desta pequena lição, notei uma melhoria considerável nos meus orgasmos. Quando via pornografia, no momento de me masturbar havia um ínfimo instante de extrema excitação que rapidamente desaparecia sem deixar rasto. Agora não, agora a masturbação prolongava-se muito mais tempo. Todo o meu corpo notava essa sensação, estava mais envolvido.

Antes, quando via um vídeo, apenas procurava uma cena que gostava, batia uma e fechava o portátil com rapidez suficiente para ocultar a minha vergonha. Agora recreava e conseguia desfazer-me daquela sensação sinistra de pós masturbação.

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Vê também: "A guerra Mormon contra a pornografia"


Já lá vai um mês e qualquer coisa, por isso decidi continuar a masturbar-me sem pornografia. Não sei quanto mais tempo aguentarei, porque um mês não é tempo suficiente para manter uma atitude ou comportamento. As coisas complicam-se um pouco na fase posterior "à lua de mel", quando a sensação de novidade desaparece e esse padrão tão entranhado na tua mente começa a reclamar a sua quota-parte.

Acho que serei capaz de continuar durante muito mais tempo, mas também sou suficientemente realista para perceber que seria bastante fácil voltar a cair na tentação. E voltando à analogia do tabaco: é como fumar um cigarro depois de ter deixado o tabaco - as primeiras passas são horríveis, mas com as seguintes voltas a tomar-lhe o gosto.


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