O que aprendi sobre a "Beat Generation" num museu de Paris
William S. Burroughs. Todas as fotos pelo autor

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O que aprendi sobre a "Beat Generation" num museu de Paris

Desconsiderada por muitos, a Geração Beat tem nesta exposição, mais do que a celebração de uma era uma reflexão sobre a tolerância (ou a falta dela) e o direito à diferença.

Quando visitei Paris, no início deste mês de Outubro, dei por mim no Centre Pompidou e, de repente, diante dos meus olhos estava o rolo original, batido à máquina, do seminal On The Road, de Jack Kerouac. Quase 37 metros da "bíblia" de todo um movimento. Com mazelas, mas contra todas as expectativas, a primeira versão do manual da cultura Beat, que simbolizava precisamente a contracultura, o inconformismo, a transgressão e muita literatura, tinha sobrevivido até aos dias de hoje.

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O Mundo dá muitas voltas e, se há umas semanas, Bob Dylan seria só uma possibilidade remota na galeria dos escritores imortais, já nos idos dos anos 60 do século passado, o poeta Allen Ginsberg se tinha emocionado com a canção "Blowin' in the Wind". Nela viu a continuação do espírito Beat. A linhagem estava segura e bem entregue.

Um Dylan na parede.

Hoje em dia, para alguns o Dylan é fanhoso, o Tom Waits só berra, o Leonard Cohen tem voz de bagaço e a Kate Bush guincha como uma histérica. É neste mundo meio perdido, qual som de vocoder da Cher a cantar "do you belive in life after love?", que as pessoas vivem tão convictas das suas certezas.

É em tiradas do género, "mas é tão óbvio que nem é preciso explicar", que pode residir a maior tragédia: o estar terrivelmente errado, enquanto se saboreia uma aparente verdade absoluta. Ou absolutista, com tiques cinzentos do passado. Da mesma maneira que, hoje em dia, parece estranho que antigamente se fumasse dentro dos aviões, aqui há atrasado seria improvável sonhar que um qualquer museu de renome mundial se dedicasse a uma retrospectiva da Beat Generation, ou que… sei lá, o Dylan ganhasse o Prémio Nobel da Literatura. Voilá!

Dylan foi laureado e teria a sua graça se não fosse à cerimónia, ou se for, para além do magnífico texto que certamente apresentará, poderá sempre ouvir, do meio da plateia, um fã mais acérrimo da literatura conformada, gritar: "JUDAS". Seria a suprema ironia. Outra vez. [NOTA DO EDITOR: entretanto, em modo "Breaking News", sabe-se que, aparentemente, Bob Dylan terá rejeitado o Nobel]

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O movimento artístico da Geração Beat, foi uma voz de luta contra uma política de intolerância que promoveu, entre outras indecências, a chamada "caça às bruxas", na década de 50, nos Estados Unidos, liderada pelo senador Joseph McCarthy. Algo que pode encontrar algum paralelo nos dias de hoje em Donald Trump (ou Ted Cruz), Obrán, na Hungria, ou Le Pen, em França, para lembrar apenas uns poucos.

Desconsiderados por muitos, acusados de obscenidade em tribunal, às vezes de uma forma arbitrária, qual algoritmo de Facebook, os beatnicks têm nesta exposição, mais do que a celebração de uma era - com as suas características nunca escondidas de abusos de drogas e álcool e de ser uma coisa predominantemente de gajos -, uma reflexão sobre a tolerância (ou a falta dela) e o direito à diferença.

O puritanismo vigente na América do pós-guerra está, hoje, novamente à espreita. Em vésperas de eleições norte-americanas, racismo, homofobia ou delito de opinião têm sido o prato do dia. Os cerca de 500 trabalhos que edificam a mostra patente no Pompidou, entre fotografias, desenhos, pinturas, colagens, filmes e sons, são como uma cápsula do tempo e relembram que a memória não morde e é importante.

A exposição - que agora segue para o Centro de Arte e Media ZKM, na cidade de Karlsruhe, Alemanha, onde estará de 26 de Novembro a 30 de Abril do próximo ano - divide-se por várias salas com diversas latitudes. Entre Nova Iorque, São Francisco, mas também Paris, ou Tânger, local que acolheu Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Jack Kerouac, Brion Gysin, Neal Cassady, Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, entre outros, por vezes em situações de pobreza, mas sempre cientes daquela vontade de o céu ser o limite.

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Um Ginsberg na parede

Na sua autobiografia de 2013, Morrissey revela que David Bowie lhe teria confessado um dia, que tinha tido tanto sexo e drogas que não sabia como ainda estava vivo. Com a frontalidade que lhe é habitual, Moz retorquiu que, no seu caso, o que o espantava era ter tido tão pouco sexo e drogas e ainda estar vivo. Touchez!

Bowie entretanto morreu, Dylan ganhou um Prémio Nobel, Springsteen escreveu uma biografia notável, de esforço, suor e lágrimas, Obama quer malta em Marte e, quanto mais não seja por velhice, quase todos os membros originais da Beat Generation morreram. Uns sobrevivem e outros não. Assim é e assim será.

Se um músico morre, acabam-se os concertos, mas se um grupo de artistas desaparece, os seus trabalhos podem perdurar sob a forma de arte. Se um gajo vê a mesma banda várias vezes, porque não voltar a uma exposição?

Karlsruhe… deixa lá ver como é que se vai para lá…