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O rei da televisão em movimento

Ediberto Lima está de regresso para infernizar a vida das generalistas.

É o responsável pela nova maneira de ver televisão em Portugal desde que, em 1992, apareceu o primeiro canal privado. Foi o produtor de

Super Bueréré, Muita Lôco e Big Show — programas que mudaram a paisagem televisiva do país. Depois de ter saído da SIC pela porta pequena, Ediberto Lima, que lançou recentemente o livro O Deus e o Diabo da Televisão em Movimento, está de volta, agora ao comando da Regiões TV, um mini canal do cabo, de onde pretende liderar o ataque às generalistas. Quando penso na idade de ouro da SIC, durante a década de 90, sinto uma nostalgia desperdiçada. A minha primeira recordação do Big Show é perguntar a um amigo o que raio se passava naquele programa e ele responder-me que não sabia, mas que da última vez tinha ido lá uma mulher tirar a roupa. Viram-se as mamas e tudo. No sábado seguinte, obviamente, colei-me à televisão durante aquelas três ou quatro horas parentalmente proibidas e aborreci-me de morte. Hoje sinto que nunca aproveitei o Big Show e tento compensar essa orfandade no YouTube. O Ediberto Lima não é o meu herói, mas foi graças a ele que o Cândido cantou com o Mário Nunes (“o que os metaleiros não fazem para comprar gear”), que o Marcus Machado vestiu a sua t-shirt branca justinha (“parabéns, o Big Show ‘tá arrasando!”) ou que o Badaró se mascarou de Son Goku. Encontrei-me com o Ediberto no seu novo escritório. O homem que conheci, por vezes contraditório nas respostas, é insular, aparentemente sem vaidade, profundamente pragmático e polémico sem esforço. É fácil ter opinião sobre o rei da televisão em movimento, uma vez que ele se está a cagar para vocês, para os críticos e para a televisão generalista. VICE: És viciado em audiências?
Ediberto Lima: Não, a audiência é uma consequência. Da “televisão em movimento”, presumo. Já agora, de onde vem essa expressão que te define?
Foi-me dada por um copywriter da SIC quando lançámos o Big Show. Fizemos as promoções e ele inventou essa expressão devido à agilidade que tínhamos na edição — e ficou. Até hoje. O que achas da televisão portuguesa actual? A ideia que tenho é que se trabalha melhor, mas fazendo sempre a mesma coisa. E não há programa nenhum que consiga durar dez anos. Bem, o Morangos com Açúcar talvez lá chegue.
O Morangos com Açúcar é uma fórmula copiada do Brasil. É brasileiro, não é português. É um produto que a Globo faz há já uns vinte anos, que funciona como oficina de actores. No Brasil ninguém cai na televisão porque é amigo, filho ou amante. É visível a diferença entre uma novela brasileira e uma portuguesa. Mas, em termos de audiência, as novelas portuguesas têm tido bons resultados. Até já ultrapassam as brasileiras.
Veja bem, uma novela retrata o quotidiano de um povo. Vamos imaginar que no nordeste brasileiro surge uma epidemia de dengue. Então, o escritor vai na novela das oito, que é o filet mignon, e procura um personagem, um médico ou uma vítima do dengue para alertar a população sobre o que se passa. Pode acontecer com dengue, com pedofilia, com homossexualismo, com criminalidade, doação de sangue. Há sempre um tema em voga. Isso também acontece cá.
Mas vocês ainda têm muita batata para comer. Se você for na universidade e pegar os professores de televisão, traga-os até mim que eu faço a seguinte pergunta: o que é que já fizeram na vida? Um recém formado não sabe fazer um enquadramento, não sabe fazer nada. Eu tenho consciência do que faço. Mesmo quando ninguém me dá razão. No Big Show, eu sempre perguntava: “Maestro, quantos caloiros não sabem cantar?” E quando ele me respondia que naquele dia só tinha vindo gente que sabia cantar, eu dizia: “Não pode! Arruma um parente que não saiba cantar.” É isso que o povo gosta: das coisas que não são certinhas. Quando agora, na RTV, voltar o Big Show com a Ana Malhoa, espero que venha muita gente sem qualidades, porque é isso que me vai dar audiência. Pareces-me bastante defensivo.
Quando cheguei cá, recebi muitas críticas com o Big Show porque tudo o que é inovador as pessoas botam o pé atrás. Mesmo que seja bom. Têm sempre críticas para fazer. Quem é o crítico? É quem não sabe fazer e chega depois dando palpite. Eu desdenho os críticos. Quando cá cheguei tinha um crítico de televisão muuuito conceituado, que eu não vou falar o nome porque já faleceu. Li a primeira crítica, li a segunda, a terceira. Lá pela quarta um jornalista me perguntou o que tinha a dizer sobre ele. E respondi perguntando: “Essa pessoa que me está criticando já foi director de televisão?” Não. “Já foi director de teatro?” Não. “Já fez cinema?” Não. “Ao menos trabalhava no meio?” Não. “Então qual é a justificativa que esse senhor tem para fazer críticas sobre um produto que nunca fez?” Quem poderia ser crítico de televisão era o Emídio Rangel, o José Eduardo Moniz, o Júlio Isidro. Agora um Zé Manel que não conhece nada e nunca trabalhou na comunicação vir fazer crítica sobre televisão? Então passei a ignorar as críticas. Em termos de tendências, o formato reality show não saiu de moda nestes últimos dez anos ainda que, recentemente, tenha surgido uma espécie de formato benigno, como o Peso Pesado. Qual será a próxima tendência?
As televisões generalistas, por serem pouco criativas, são obrigadas a ir buscar ao cabo produtos de sucesso. Compram-se muitos produtos estrangeiros, mas os que fazem sucesso são os regionais. Eu não posso fugir da identidade do povo, é por isso que o Big Show fez sucesso. Você traz o Bon Jovi e mete no Pavilhão Atlântico e eu vou ao Coliseu do Porto e boto o Pedro Abrunhosa. Ponho os dois em horário nobre, ao mesmo tempo, e o Abrunhosa ganha, porque é regional. O Marco Paulo é regional, o Tony Carreira é regional. Os Backstreet Boys não, o Bon Jovi não. Editaste um livro recentemente. Porquê o título Deus e o Diabo da Televisão em Movimento?
O Ediberto Lima é isso: foi o deus enquanto monopolizou o mercado e agora é o diabo porque pretende infernizar as generalistas. E vou lançar um segundo livro, já tenho um terço feito. É quase um diário, conta a minha história aqui na RTV, o que está dando certo e errado. Para mim é mais interessante estar numa estação que tende a crescer do que estar numa generalista, que é um conceito em declínio face ao cabo. No livro falas das vezes em que almoçavas sozinho na cantina da SIC. As pessoas lá tratavam-te, ao início, como o indesejado tropical?
Não diria que me tratavam mal, simplesmente me ignoravam. É uma coisa de colonizado e colonizador. Era muito difícil admitirem que um brasileiro podia chegar cá e ensiná-los a fazer televisão. Em que momento é que a situação se inverteu?
Eu tomei a seguinte decisão: vou trabalhar e ter resultados e a situação vai-se modificar. Fiz sucesso com os meus programas e obviamente que a opinião deles mudou. Transplantaste várias receitas de sucesso no Brasil para a SIC que, na altura, era um laboratório privilegiado para fazer televisão longe do formato da RTP. Por exemplo: a música de introdução do Big Show usava o instrumental da “Vale Tudo” do Tim Maia.
Não usava o instrumental, era mesmo a “Vale Tudo” do Tim Maia e isso porque a canção reflectia o espírito do programa: [a cantar] “Vale, vale tudo! Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher! O resto pode!” Ainda agora, na RTV, estou a fazer um programa chamado Rosa Choque, que é o nome de uma canção da Rita Lee, e também a música do genérico inicial. Ah, não sabia que tinhas usado literalmente a música do Tim Maia. Então isso quer dizer que só depois é que escreveram uma letra própria para a mesma música?
Sim, depois mudámos a letra, baseada no que se passava: [a cantar] “O Big Show está no ar, é nele que eu vou-me ligar, é a TV em movimento” — movimento — “que está a dar o que falar, o Big Show está no ar.” Letra nossa. Continuando com as coincidências. A rubrica “Cidade Contra Cidade”, também do Big Show, era um programa autónomo no canal SBT. As dançarinas do Baião ou da Ana Malhoa eram iguais às dos programas da Xuxa. O próprio cenário do Big Show era reminiscente do Cassino do Chacrinha. Podia continuar a dar exemplos.
Aí é talvez uma grande coincidência, porque o cenógrafo que o fez não tinha nem ideia do que era o Cassino do Chacrinha. Dou total liberdade ao cenógrafo para apresentar uma proposta e depois logo digo se gosto ou não. Mas esse cenógrafo não era brasileiro?
Era, mas estava radicado em Portugal há muito tempo e não tinha essa comparação em mente, apenas noção daquilo que eu queria. Ou seja, tinhas consciência que reciclar sucessos brasileiros num país com pouca tradição televisiva de entretenimento era uma espécie de fórmula secreta para triunfar.
Sou brasileiro, trabalhei 18 anos na Globo. Desde criança que fui um telemaníaco, sempre tive a televisão no sangue. Nasci para fazer televisão, é isso que gosto e sei fazer. Não faço uma lista de coisas que tenho que adaptar de um país para o outro ¬— sei e faço. Quando cheguei cá havia um imenso vazio de produtos. Portugal estava fechado para o mundo. Eu cheguei e não via nada no horizonte português. Só que eu já tinha um horizonte criado, apenas fui buscar fórmulas de sucesso e adaptei-as. Aliás, só existem dois brasileiros que vingaram em Portugal: eu e o Edson Athayde. E o sucesso de ambos coincide no tempo.
Sim, ele começou com o “tou xim… é p’ra mim!” e depois teve a felicidade de eleger o Guterres. Somente nós vencemos em Portugal. Os outros não perceberam que a essência portuguesa é diferente da brasileira. A lógica de vocês não é a nossa. Tive que me adaptar para ter sucesso. O Big Show, como a Roda dos Milhões, o Super Bueréré e o Muita Lôco eram programas que davam vida e expressão a uma determinada camada social. Por exemplo: o Muita Lôco veio dar aos jovens a oportunidade de, sem censura, fazer perguntas aos convidados; o Super Bueréré deu a chance às crianças de estarem no plateau, bagunçando e brincando com os bichos; e o Big Show é o espelho do povo português. Ainda hoje?
Lógico. Há uma coisa no português que nunca compreendi. Você chega num banco para abrir uma conta e a primeira coisa que te perguntam é se você quer que eles coloquem o “Doutor” antes do seu nome. Eu tenho orgulho de dizer que cresci na miséria e que trabalhei para chegar onde cheguei. Vocês têm vergonha da vossa origem. Vocês são o Big Show e ponto final! Estou a falar do Portugal total, não de uma elite que mora em Lisboa e no Porto. Vocês têm aldeias de que nunca sequer ouviram falar. E o homem da comunicação tem que saber falar com o povo. Às pessoas que me acusam de nivelar por baixo, digo: “Vão à merda!” Você tem é que falar na linguagem do seu público. E não te aborrece a ideia de que as pessoas que cresceram com os teus programas possam ir ao YouTube e ver as mesmas ideias concretizadas muitos anos antes?
De jeito nenhum! Já ouviu falar do Lavoisier? Nada se cria e tudo se transforma. Qual é o problema de ter a capacidade de adaptar as ideias de produtos nos quais eu participei, trabalhei, convivi? Nenhum. Como é que explicas que a televisão no Brasil seja tão profissional e exportável? Toda essa coisa do “quem sabe, faz em directo”. Isso cá não existe.
A resposta é bem simples e curta. Acredito que seja a própria crise em que o Brasil sempre viveu, os homens da comunicação sempre se preocuparam em levar o melhor entretenimento para a população. Sempre tivemos a preocupação de levar alegria para o ecrã, levar boa informação, desporto. Há um certo entendimento nacional de que as auto-estradas, a Europa e afins fazem de Portugal um país moderno. O Big Show é, para ti, o espelho do país, mas aquilo da mulher de bigode, do Zé e da Maria de que falaste na entrevista ao i parece-me igualmente exagerado.
Nunca disse isso porque não faz parte da minha verdade. Você está analisando a coisa radicalmente. Eu trabalho para o povo, e a essência do povo português, aquele que me acarinha e que me demonstra isso na rua, fisicamente até, é idêntica à do povo simples brasileiro. É por isso que os meus programas fizeram sucesso. Vocês têm de perceber que Porto e Lisboa não são Portugal. Não é porque você teve acesso a uma faculdade que é melhor do que outra pessoa que não teve. A inteligência emocional é o que nos comanda e é isso que desperto nos portugueses. Os resultados dos meus programas estão aí para comprovar. Admito que o português consegue ser pedante em relação às suas raízes, mas não me parece que sejamos mais parolos do que os outros europeus.
O português é que tem a mania, é muito nariz empinado. Vocês se subjugam, se inferiorizam em relação ao resto da Europa. Eu trabalho de forma abrangente. Não divido classes, trabalho para todos. Gostava que vocês parassem de querer ser o que não são. Sejam autênticos, assumam que podem perfeitamente dançar, cantar, pular, contar anedotas, que isso não tem nada de brejeiro. Isso é ser feliz. Então o que é ser pimba para ti?
Essa palavra, não sei quem é que a inventou. Acho que foi o Emanuel, certo? A isso prefiro lhe responder sobre o que é ser VIP — Very Important Parvo ou então Very Important Pimba. O primeiro é aquele que critica o segundo. Mas a música popular não é toda a mesma. O Emanuel não é igual ao Starmusic. A mim interessam mais aqueles artistas em que parece haver uma espinha dorsal e honestidade artísticas, ainda que façam música de cariz popular.
Vou-lhe dizer uma coisa, mais para pensar em casa e menos para a entrevista. Você se coloca numa classe social onde você foi numa faculdade, se formou e tem uma visão em que pensa “a minha qualidade musical é aquela”. Mas, de repente, você se apaixona por uma menina lá de Trás-os-Montes que tem muito pouca cultura e que adora o “se elas querem um abraço e um beijinho…” — o que é que você faria? Isso não vem ao caso. O Emanuel e o Starmusic são cantores igualmente populares. O que eu acho é que artistas como o Daniel Saraiva, Manuel Brás, Cândido — não sei se os conheces todos, mas…
O que eu conheço é o Rachmaninov. Sou fã. Quando estou em casa e quero descansar ponho música clássica. Eu também sou produtor musical, tenho um gosto muito apurado. Tenho o que se chama ouvido especial. Mas quando estou a trabalhar me isento de tudo isso, não faço televisão para o meu umbigo, nem para os meus amigos. O Big Show dava espaço a esses artistas. Na altura da Roda dos Milhões, o Rangel me chamou um dia e pediu-me para prolongar mais meia hora o programa dessa noite. Dessa forma, ficava acabando à meia noite e meia e eu perguntei porquê: “À meia noite tenho o programa de música clássica do Maestro Vitorino e dá zero de audiência, então a Roda tem que ir até à meia noite e meia porque daí para a frente a audiência não conta.” Percebeu? A elite não paga as minhas contas, nem lava a minha roupa. Conviveste durante muitos anos com estes artistas e grupos, com os mágicos, os caloiros. O pessoal abusava? Drogas e isso.
Eu comecei nas artes marciais aos oito anos. Quem vê o Ediberto Lima diz: “Esse sujeito com esses cabelos, todo desgrenhado, deve ser isso ou aquilo.” Bom, eu trabalhei 18 anos na Globo e nunca fumei nem tabaco, nunca me droguei, nunca me injectei. Não me referia a ti. Vemos o Big Show e é difícil imaginar o que não rolava nos bastidores.
Dentro do meu estúdio ninguém sequer fuma tabaco. Aquelas estrelas que chegavam e o agente dizia que precisava de uma garrafa de uísque no camarim eu respondia: “Aqui não tem bebida.” E ficavam com uma opção só: se queriam beber era lá fora e já não entravam. Os meus bastidores são familiares, quem trabalhava comigo era a minha esposa e as minhas filhas. Para você ter uma ideia de quem é o Ediberto Lima, todos os técnicos eram proibidos de falar com as bailarinas. Aquele que eu pegasse falando com alguma estava demitido na hora. Eu sou mais do que rigoroso. Garanto a você que no meu programa não tinha bebida, nem droga e ninguém saía do limite. No livro descreves o momento em que a ideia para o Big Show te surgiu: ver CDs de artistas desconhecidos numa estação de serviço. Como é que se processava o agenciamento?
Nos meus programas todos os guiões e alinhamentos são cem porcento Ediberto Lima. Só aparece quem eu consinto. Eu ia para o Mónaco assistir ao Circo de Montecarlo e, quando acabava o show, me apresentava e dizia: “Preciso de você, você e você.” Tinha uma folga do Big Show? Ia a Las Vegas assistir a shows: “Quero você e você, tau tau tau.” Trabalhava com agentes nos EUA, no Japão e na França, que me enviavam cassetes. Com os músicos ouvia dez, quinze segundos de cada CD: “Ok, serve. Esse não serve. Ok, serve. Qual é a música que ele quer cantar? Essa não pode, vai cantar a sete. Avisa que aos três e meio eu corto.” Os meios de comunicação explodiram nos últimos anos — o cabo, a programação on-demand, a internet, as redes sociais. No meio de todo este ruído, ainda há lugar para a televisão em movimento?
É o que mais faz falta. O feedback que recebo todos os dias o confirma. O povo está precisando de alegria e os programadores ignoram isso. O que mais me preocupa é devolver a alegria, levar essa mensagem de volta. Fotografias por Nuno Miranda