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Tentámos ver os concertos todos do NOS Alive (mas não conseguimos)

Corremos a maratona de Algés durante três dias. Adorámos a alcatifa, vimos actuações incríveis, discutimos o sentido da vida enquanto outros amavam os Radiohead e agora contamos tudo.

A seguir é o País. Todas as fotos pelo autor.

PRIMEIRA RONDA

Uma pessoa chega ao recinto do Festival NOS Alive, vê aquilo tudo alcatifadinho e vem-lhe logo à lembrança a promessa do candidato Vieira de alcatifar o País. Estamos a entrar numa zona de greatest hits, de activações de marca, estruturas montadas a prazo, muito trabalho ali investido, zonas vips, simpatias passageiras, profissionais ou francas, mas, sobretudo, muita música que ainda é o que faz mover aquelas multidões.

O cardápio parece daquelas colectâneas a puxar para o alternativo que se encontram nas lojas das grandes superfícies comerciais e que junta gigantes, lado a lado com emergentes, carreiras longas pelo

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A vida como ela deveria ser.

underground e hypes sempre frescos. Essa coisa da "festivalização" das franjas mais indie tem sido debatida, até nas faculdades, e encontra bons exemplos nos cabeças de cartaz desta edição do Alive. Numa deambulação errática, a VICE andou de palco em palco e faz aqui o relatório possível na óptica do utilizador.

A cortar a fita inaugural, uma espécie de armada espanhola, com uma novidade que, curiosamente, foi de última hora: os Baywaves, de Madrid, trouxeram ao Palco NOS Clubbing um som fresquinho que merece ser repescado num Soundcloud perto de si, enquanto que, ao lado, no Palco Heineken, o projecto L.A., oriundo da insular Maiorca, arrancava sons da Califórnia. A seguir, no Coreto (a.k.a. Raw Coreto by G-Star Raw), A.J. & The Rockin' Trio, puseram logo ali à torreira do sol, a malta a dar um pezinho de dança ao som dorockabilly desgarrado.

Ao longe, no Palco NOS (o principal, vá…) os 1975 tocavam sons deste século, mas, se calhar por ser ao longe, a cerveja levou a melhor e o grupo serviu apenas de banda sonora para o início do combate à desidratação que se prolongou por aqueles três dias de festival. Curiosamente, o número "1975" segui-nos até ao Clubbing, já que o

A.J. & The Rockin' Trio. O Coreto foi um mimo.

electrónico Xinobi (Bruno Cardoso, ex-guitarrista dos saudosos The Vicious Five) apresentava à mesma hora, em formato banda, o seu disco precisamente intitulado 1975. Nada como uma boa coincidência para fazer um apontamento de reportagem, não é?

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Arrepiando caminho para o palco do lado, no Palco Heineken os Vintage Trouble vieram relembrar como é que se faz puro rock n'roll com alma lá dentro. Estava capaz de jurar que vi o James Brown ali a espreitar com ar de gozo, mas vejo mal ao longe e sim eu sei que ele já morreu, não me estraguem a piada. De novo à volta com datas, em 1983, ainda as Golden Slumbers não eram nascidas, já os Jafumega cantavam, "toca a banda no coreto, que vontade de dançar" e assim foi. A jogarem em casa, este duo que tem a escola toda do Coro de Santo Amaro de Oeiras, traduzem em raízes folk, as suas interpretações e, ali no Coreto, estávamos de novo em harmonia. Uma banda a não perder de vista.

John Grant apresentou-se no Palco Heineken à hora da janta (decisões, decisões…), e, assim como assim, o Coreto voltou a funcionar como um íman. A razão era a melhor possível: os The Poppers, que vão lançar um disco novo lá para Outubro, e produzido por Paulo Furtado, a.k.a. Legendary Tigerman. Luís Raimundo (Rai) andou ocupado com os Keep Razors Sharp, mas, entretanto, está tudo pronto para estourar com o novo trabalho. Como novidade ao vivo, apresentou-se Bruno Cantanhede, habitual guitarrista e co-fundador de Born a Lion.

Team Brexit. Só têm mais um ano para beberem a um terço do preço. Em 2018, só com visto.

Quanto mais não seja para contar aos netos, foi preciso ir ver um pouco do Robert Plant à montra principal e, por isso, ´bora lá ver o senhor dos Led Zeppelin em versão "músicas do mundo", com novos arranjos, mas com o rock ainda dentro dele. Conta quem viu que os Dead Combo estiveram ao seu nível de sempre no palco EDP Fado Cafe, apesar do calor, mas os Wolf Alice arrebataram a atenção deste escriba e do muito público que foi cantarolando os temas.

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A certa altura, alguma "velha guarda" retirou-se respeitosamente e foi dar uma hipótese aos Pixies, em memória dos velhos tempos. Numa relação em que muito fã está naquela fase "não és tu, sou eu", a banda lá desfilou os

Pixies com Light Jockey. Chupem Chemical Brothers.

greatest hits e outros, mas não sei se haverá algo mais a assinalar, a não ser que continuam sólidos, entrosados e isso. Uma bone machine, portanto.

Os Chemical Brothers são como aquela aparelhagem de boa qualidade. Uma pessoa ouve aquilo num radiozito e soa só bem, mas com um som daqueles à maneira, aquilo mexe contigo e não consegues estar indiferente. Os primeiros acordes de "Go" são prova disso mesmo. Apetece surripiar o slogan de outro festival e dizer "Não há festa como esta!".

E agora a prosa fica um pouco mais séria. Enquanto a malta ficou a divertir-se - e fez muito bem - havia um momento a observar.

Sean Riley & The Slowriders vivem momentos amargos. Com o assunto a ser tratado com a discrição possível, a banda viu o seu baixista, Bruno Simões, desaparecer subitamente. O que fazer? Chamaram um amigo e decidiram continuar. "É bom termos bons amigos quando mais precisamos deles!", disse Afonso Rodrigues (Sean Riley) quando apresentou o novo baixista. Nada mais a acrescentar a não ser isto: vocês são enormes!

SEGUNDA RONDA

A pensar se não deveria ter comprado um cremezinho hidratante, que o dia anterior foi puxadote em termos de exposição solar, as palavras "come and save me" ecoavam cá dentro… não, espera… são mesmo os Jagwar Ma a cantar. Assim, a banda de Sydney apresentou um naipe de canções interessantes, mas a segunda metade foi mais festiva. Basicamente, quando puxam dos beats e dos efeitos num registo mais dance é que a coisa resulta melhor. E foi o que fizeram até ao final em altas.

Por falar em

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Daqui a dois anos dormes na lama de Glastonbury e pronto.

beats, no palco vizinho (Clubbing) o segundo dia foi totalmente preenchido por uma programação com a curadoria de Dj Kamala, com valores nacionais de qualidade, não fosse o evento dentro do evento chamar-se, NOS Alive E Os Nossos. Sempre à pinha e a puxar, foram horas de desbunda a mostrarem-se não só ao seu público, mas também para aproveitar a investida estrangeira que marca presença todos os anos. Podem não ter compreendido as rimas, mas o feeling esteve alive.

Enquanto isso, de novo no Palco Heineken, outra trupe australiana. A seguir aos Jagwar Ma, foi a vez da cidade de Melbourne estar representada por Courtney Barnett, que deu um concerto impecável. Com a sua maneira às vezes como que a narrar mais do que propriamente a cantar, a esquerdina Barnett tem o poder de segurar a voz e fazer a coisa explodir quando é preciso. Instrumentalmente segura, a banda que a acompanha faz daquela experiência uma celebração. Entre outros, o single "Pedestrian at Best" soa ao vivo como tem de soar: a dar tudo.

E, sim, foi o dia de mais uns australianos brilharem. Os Tame Impala deram o concerto que se esperava. Pezinho descalço, cabelos ao vento, confétis e seios ao léu do lado de cá da plateia, fizeram aquele finalzinho de tarde um agradável momento festivaleiro e quase que convidava ao

Courtney canhota és linda.

long drink na mão, mas era mais pela tonalidade lusco fusco da hora do dia, que o concerto teve momentos bem enérgicos e, como todos sabemos, estragar bebida é feio.

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Não há outra maneira de o dizer, e se calhar já outros usaram esta expressão para diferentes contextos, mas… o Father John Misty engravidou meia plateia à sua frente. Então não é que aquele tipo discreto atrás da bateria dos Fleet Foxes - que já por lá passaram, fez nesse dia 8 de Julho precisamente cinco anos - está agora um self made man e destila charme, canções e muito sentimento?

Isto não tem nada ar de

Foda-se, que cabrãozinho sexy é este gajo.

hype. Uma coisa é fazer umas músicas catitas em estúdio e depois não as conseguir defender na estrada, mas isto está aqui uma empreitada bem montada. Presença, voz e instrumentalmente imaculado, são características que podem fazer uma carreira durar. No final, foi tudo a correr para os Radiohead, e perderam um bom momento. Josh Tillman, é assim que o senhor se chama, apesar de se dizer tímido, veio cá abaixo à grade, do lado direito do palco e ainda distribuiu uns beijinhos e uns passou-bem.

Como aquela ganza que a alguns já não bate como dantes, os Radiohead causaram mixed feelings entre uma pequena sondagem à boca das urnas: o veredicto andou entre o tédio e o "foi tão bom, até o Creep tocaram!". De facto, e não há dúvida que foi um dos nomes que trouxe muita gente, mas entre momentos, vamos chamar-lhes intimistas, num festival onde não cabem todos nas filas da frente, nem sentadinhos nas zonas vips - e como foi dito no início deste artigo, na óptica do utilizador - essa aparente relação de proximidade pode dar origem a um longo bocejo para quem está lá no meio.

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E nada disto põe em causa a genialidade de algumas composições. Uma coisa é certa: sempre foram gajos para fazer o que lhes dá na real gana e isso ninguém lhes tira. A prova é que ao rever o concerto em diferido transmitido pela RTP, deu para perceber que foi bom. Valha isso e, já agora, dê-se os parabéns ao canal público pelo "furo jornalístico" e por ter decidido alargar o âmbito de serviço público a zonas diferenciadas e nem sempre contempladas. A valorização de terem os Radiohead, avessos em ceder direitos, foi um bom prenúncio, que tem de ser encarado como um estímulo.

Nada como acabar a noite numa discoteca e os Hot Chip fizeram as honras de fecho numa actuação enérgica, ao mesmo tempo que, no Coreto, o

Daqui Sue, tá tudo? dançar? só se for já.

DJ A Boy Named Sue, gira-discava um set eclético que lhe tem valido andar em digressão por todo o País.

TERCEIRA RONDA

O dia começou com os emergentes Whales, que venceram a edição deste ano do Festival Termómetro, e assim, reclamaram o seu prémio ao pisar o palco Clubbing do NOS Alive. Não desperdiçaram a oportunidade de tocar para quem os quis ouvir, e o quarteto, ainda relativamente recente, demonstrou consistência com um som enérgico de indie e electrónica. O Coreto voltou a fazer das suas e bandas como Savana, Galgo ou Jibóia, asseguraram e relembraram que há todo um circuito de bandas, tal como os putos Whales, que garantem o normal funcionamento das instituições musicais futuras.

A

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O futuro não falha.

fiesta dos Calexico, assim como o calor daquela hora, convidava para uns mojitos, mas de facto o que ali se passou foi um verdadeiro recital festivaleiro à antiga, como mandam as regras. Os ritmos latinos foram os cabrones de serviço e entre trompetes, violas e precursão, a banda de John Convertino e Joey Burns montou ali um arraial com algum jeito. No final ainda desejaram boa sorte à selecção nacional de futebol, Foi bonita a festa, pá!

José Gonzalez veio recuperar a veia de paz e harmonia que também faz falta a um evento destas dimensões e nem sequer faltou um pedido de casamento. Conta quem viu (a transumância não permitiu ver tudo) que foi comovente e deve ter sido mesmo, caramba. Os Band of Horses, no palco maior, tiveram uma espécie de primeira parte dos Arcade Fire, pelo que o ambiente foi simpático, embora pouco efusivo. Ainda assim, desfilaram temas, uns mais conhecidos que outros, que arrancaram um ou outro air guitar sentido. Voltando aos apontamentos de reportagem, tal como no início deste artigo, a banda dos cavalos acabou com o tema Funeral, nome que dá título ao primeiro disco do conjunto que se seguiu.

Curiosamente, há pouco a dizer sobre um dos momentos maiores do festival, até porque muito já se disse sobre o concerto dos Arcade Fire. São uma banda feita para tocar ao vivo, tudo é grandioso, eles são muitos em palco, o som é épico, resulta na perfeição e pronto. Mais um greatest hits, um guarda-roupa cuidado como mandam as regras pop de artistas maiores e que durem muitos e longos anos.

Foto aleatória de um casal apaixonado a ver não sabemos o quê.

Depois da barrigada dos Arcade Fire, as atenções voltaram-se novamente para o palco Heineken, onde Grimes, em estreia por cá, desfilou as suas canções. A brincar a brincar, já vai reunindo um naipe de sucessos. Muito acelerada na comunicação com o público, até parece nervosismo por falta de rodagem, mas não deve ser defeito, mas sim feitio. Foi tocando os temas a uma velocidade de uma aula de aeróbica e a festa fez-se naturalmente. O dancefloor agradeceu e a malta também.

Ficaram coisas por ver, mas o resultado geral foi bastante positivo, não é só uma máquina bem oleada e montada. Este é de facto um dos grandes festivais de música a ter sempre em conta. Venha o NOS Alive 2017.