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Música

O som e a fúria da Tesla Tapes

Um brinde valioso.

Em pouco mais de um ano, os Gnod, expoentes maiores do experimentalismo britânico nestes tempos, levaram a sua vasta actividade discográfica a outra escala. Esse desejo de expansão criativa, fora da esfera em colectivo, mas dentro da sua essência individual, deu origem à prolífera Tesla Tapes. Inicialmente criada para viabilizar projectos paralelos de cada membro, o conceito transformou-se, albergando actualmente gente próxima à banda da mesma forma que vai abrindo portas a desconhecidos. Um espírito

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Mi casa, tu casa

 que aos poucos tem vindo a alimentar um catálogo rijo de sons extremistas — incluam-se todas alusões possíveis a territórios degenerados do rock industrial, techno ou spoken word impregnada de electricidade e feedback em doses generosas. Um animal sonoro mutante de três patas e duas cabeças que fritou a meio do processo de concepção e assim se deixou ficar. Há quem goste de apelar ao pensamento "fora do quadrado", mas esta malta dos Gnod/Tesla Tapes pensa, definitivamente, sem qualquer recurso geométrico.

Num período em que muitos se queixam de uma quebra mortal da indústria musical tal como a conhecemos em tempos, com o decréscimo de aquisição do objecto físico, este é um exemplo de reinvenção e de perseverança de quem tem muito a oferecer e não se deixa limitar pela falta de meios. Embora amplamente popular nos últimos anos, o formato em vinil ainda é relativamente dispendioso (mais até para o consumidor) sendo que a cassete se assume como uma alternativa legítima. Não é invenção de agora, o suporte é bem popular no circuito underground desde sempre, embora com especial flurescência desde há uma década para cá. Por outro lado, assume-se como o mais portátil dos formatos físicos explorando também o factor de exclusividade enquanto peça de arte. Assim, por apenas uma libra e alguma porção de sorte, é possível que o carteiro vos deixe na caixa de correio uma das fitas mágicas da Tesla. Para quem já chegou tarde como eu, há sempre uma série de cliques a fazer no Soundcloud e Bandcamp enquanto se espera pelas edições futuras.

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OS ARQUITECTOS DA TESLA TAPES

Mas comecemos então por desenroscar cada um destes frasquinhos de esquisitice em jeito de degustação. Negra Branca e Raikes Parades são dois Gnod, identidades colaterais de Marlene Ribeiro e Andy Raikes. A primeira demarca-se da toada sónico-dada da editora, enveredando por uma pop espacial a meio gás que procura retirar dessa velocidade cruzeiro o efeito do pendente que balança entre a esquerda e a direita, sugando-nos desta para outra realidade. Psicadelismo agridoce, em tom feminino, ressaltando momentos platinados como este que vos deixamos de seguida. Quanto a Rikes, preparem-se para a oferta de um bilhete de ida, e sem volta, a uma selva imaginada por Alejandro Jodorowki onde as plantações dub rodeiam a fauna hip-hop que se move, atordoada, pelos tiros furtivos de dardos de LSD. E se quiserem um conselho de amigo: vão com precaução, não escutem isto em manhãs de ressaca. Ainda no seio dos fundadores, Dru$s e Dwellings batem pontos pela alienação rítmica e pela devastação emocional, respectivamente.

<a href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/raikes-parade" data-cke-saved-href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/raikes-parade">Raikes Parade by Tesla Tapes</a>

Ligeiramente mais afastado das ruínas das fábricas, Michael O' Neil injecta na Tesla Tapes a veia punk rock desenvergonhada que vem espeitando de modo dissimulado. Um local hero no circuito de Manchester que surge aqui com uma acentuadíssima pronúncia british (a lembrar os Wire), deixando-se envolver por linhas de sintetizador e drones carregados. Desconfia-se ser esta a parcela mais ortodoxa da editora e provavelmente aquele repuxo de guitarra em "The Man Inside The Castle" há-de ficar a ecoar nas vossas cabeças por alguns dias.

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<a href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/michael-oneill" data-cke-saved-href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/michael-oneill">MICHAEL O'NEILL by Tesla Tapes</a>

Run Dust é facilmente um dos pontas de lança no campeonato da electrónica corrosiva desta equipa. Vocal ou instrumental, o discurso parte do labirinto criativo em que uns Black Dice se viram encurralados ao longo dos últimos discos; traz contudo, uma corrente de energia capaz de perfurar o betão mais resistente e pouco ou nada se preocupa com o pó e entulho que vai deixando atrás. A perspectiva de progressão (e transgressão) é mais forte que a vontade de olhar em volta e configurar tudo em algo mais concreto. A técnica não só resulta como ainda permite embarcar num turbulenta descida aos infernos ao sabor de ritmos quebrados em loop. O domínio do

"escacar pedra"

com classe.

<a href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/run-dust-trank-gun" data-cke-saved-href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/run-dust-trank-gun">RUN DUST - Trank Gun by Tesla Tapes</a>

Sendo que o lema "contrariar o expectável" poderá definir muito do que se escuta no terreno da Tesla Tapes, não é de todo de estranho que chegando ao acampamento de Yes Blythe, deixemos de longe a cidade e nos aproximemos da natureza em estado bruto, num registo

field recording

 ainda ensombrado pelo soar das máquinas em descompensação. Um brinde valioso.

<a href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/yes-blythe-initiate-screen-prevails" data-cke-saved-href="http://teslatapes.bandcamp.com/album/yes-blythe-initiate-screen-prevails">YES BLYTHE - Initiate Screen Prevails by Tesla Tapes</a>

Electricidade estática ou energia em movimento, o som e a fúria concentram-se neste livro sonoro para páginas e páginas de metamorfoses múltiplas. É impossível traçar uma simples ideia de como poderá ser o próximo passo. E essa é, claro, a grande recompensa para quem se arrisca a entrar sem aviso neste extraordinário pantanal. Algo nos diz que esta história não ficará por aqui.