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cinema

O Wes Anderson esteve a esbanjar estilo do outro lado da minha rua

E viu um filme a preto e branco sentado atrás de mim.
O Paulo Branco lá ao fundo, com um tipo chamado Wes Anderson, numa fotografia bastante manhosa captada pelo autor.

Wes Anderson não vai abrir um Parque Temático com o gajo dos Devo. O Wes Anderson tem um amigo que a cada filme novo lhe diz: "Mais do mesmo". O Wes Anderson está a preparar um filme novo em stop-motion. O Wes Anderson pode vir a fazer um filme novo inspirado nas películas de Vittorio de Sica. O Wes Anderson escreve todas as suas personagens com base em pessoas que conhece, conheceu ou que de alguma forma com ele se cruzaram.

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Como é que eu sei isto? Fácil. Saí de casa num sábado à tarde, atravessei a rua e fui ver um filme italiano dos anos 50 ("O Ouro de Nápoles", realizado por de Sica e escolhido pelo texano - pois é nasceu em Houston) ali ao Monumental, integrado na programação (extensa e interessante) do Lisbon & Estoril Film Festival. O Wes Anderson estava lá e falou com a gente que lá estava.

E era muita gente. Uma sala cheia mesmo. Apenas um senão, se fosse em Espanha havia 20 Margot Tenenbaum, 15 Chas Tenenbaum, 10 Eli Cash, pelo menos 50 Zissous, 75 Escuteiros Mestre Randy Ward, 220 Gustave H e pelo menos meia dúzia de Raposos. Por cá somos mais envergonhados no que se refere a esta coisa de mostrarmos o quão fãs somos. Achamos sempre que o "homenageado" vai ficar embaraçado ou assim uma coisa do género. Mas, desta vez é certo que nem seria o caso. Muito pelo contrário.

E as selfies que tiraram no foyer teriam ficado históricas em vez de só espectaculares. Ele próprio, haveria eu de ler na imprensa dos dias seguintes, confessaria numa conferência de imprensa no Estoril, que quando era puto tentava sempre vestir-se como as suas personagens favoritas dos filmes que via. E, claro, basta olharmos, nem que seja de relance, para qualquer um dos seus, e é óbvio: o guarda-roupa importa. Importa mais do que muitas outras coisas. Do que almoçar quando está em filmagens. Do que ter roulottes e camarins para os actores e equipa. Do que, imagine-se, racionalizar que tem de fazer coisas absolutamente diferentes do que fez antes, porque, diz ele, na sua forma de trabalhar, "meticulosa, simétrica e até um bocadinho obsessiva", parece-lhe sempre que, "naturalmente", está a ir "por caminhos diferentes". E na realidade, digo eu, está mesmo.

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O que nos dá a nós, energúmenos e facínoras mortais, a sensação de coerência e ao amigo dele a certeza de que "é mais do mesmo" é uma coisa muito simples, chamada BELEZA. Não há um filme deste gajo que não seja visualmente bonito. Bonito não, lindo. Lindo, o diabo, Maravilhoso. Espantoso. Deslumbrante. Gracioso. E elegante, vá. Como o próprio. Wes Anderson vestido à Wes Anderson.

E, estando nós em pleno Saldanha, vê-lo em cima do palco a acenar à audiência, em impecável fato aveludado (tem de certeza um para cada dia do ano em tons diferentes), cabelo a roçar os ombros e cachecol ao pescoço, como não recordar essa figura ímpar da mitologia urbana lisboeta que foi o Senhor do Adeus. Tão "andersoniano" que o norte-americano dificilmente o não transformaria em personagem fulcral de uma das suas obras futuras. Por isto tudo, encher a Sala do Monumental com 20 Margot Tenenbaum, 15 Chas Tenenbaum, 10 Eli Cash, pelo menos 50 Zissous, 75 Escuteiros Mestre Randy Ward, 220 Gustave H e pelo menos meia dúzia de Raposos e, assim, colorir o facto de os muitos que lhe fizeram perguntas o terem feito com alguma profundidade, interesse, trabalho de casa feito (ficou espantado e visivelmente satisfeito com as perguntas anotadas em caderninhos) e com conhecimento do seu trabalho, seria só lisonjeante e reverencial. Nada mais.

Mais espantoso, ou se calhar só para mim, para o próprio e para os que como nós - sentou-se duas cadeiras atrás de mim para ver o "Ouro de Nápoles", daí o íntimo "como nós" - já chegaram aos 40, foi a juventude da sala. Gente nova mesmo nova. De tal forma, que um gajo começa logo a pensar à velho, mas ao contrário: "Afinal, se calhar, esta juventude não está perdida".

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E, vá, sejamos justos, voltemos às vestimentas, havia rapaziada bem vestida. Eles e elas. Eu levei um saquinho hipster a tiracolo, em tweed, e calcei uma sapatola que tinha levado a um casamento. E, todos juntos, nós os da geração dele, os putos, o Abel Ferrara (sim, estava na sala e o Wes - já mencionei que se sentou duas cadeiras atrás de mim? - retribuiu na estreia do seu "Pasolini" no dia a seguir), os jornalistas, realizadores, argumentistas, músicos e actores da nossa praça, as famílias inteiras e um ou outro lumbersexual que enchiam a Sala 4 do Monumental, recebemo-lo como ele merece, em modo Rock Star, ou Indie Rock Star, ou Indie Pop Star… o que seja. Recebemo-lo debaixo de grande ovação e "yeaaaaahs" à mistura. Uma recepção que o deixou a ele com um sorriso do caraças e ao Paulo Branco com o maior ar de cagão deste mundo e do outro.

Ar de cagão? Ar de cagão o raio que me parta. Se fosse eu a trazê-lo havia de me andar a rir com cara de lambão durante dois anos. Ou pelo menos até o trazer outra vez para esmiuçar cada um dos seus filmes até ao tutano e - depois de o encher de bacalhau e vinho tinto, de o meter a trocar discos no Incógnito numa noite dedicada às suas bandas sonoras favoritas e de lhe encher as fuças com Macieira - passar 15 dias a viajar com ele pelo País à procura das suas 20 próximas Margot Tenenbaum, 15 Chas Tenenbaum, 10 Eli Cash, pelo menos 50 Zissous, 75 Escuteiros Mestre Randy Ward, 220 Gustave H e pelo menos meia dúzia de Raposos.

Não havia de ser difícil.


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