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As Olimpíadas podem mesmo ser alvo do terrorismo?

Falamos com especialistas em terrorismo sobre a ameaça do Estado Islâmico aos Jogos.

Um soldado monta guarda perto da arena de vôlei de praia na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, no último dia 30 de julho de 2016. (AP Photo/Leo Correa)

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Alguns dias depois do ataque do Estado Islâmico que matou 130 pessoas em novembro de 2015 em Paris, o conhecido executor do EI Maxime Hauchard tuitou um alerta sombrio. "Brasil, você é o próximo alvo", dizia a mensagem, o que gerou medo de que o grupo pudesse estar se referindo aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que teve início na última sexta (5), em outra tentativa de causar destruição por todo o globo.

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Por meses, no entanto, nada foi além da ameaça por escrito, deixando o terrorismo como preocupação secundária do Brasil, ainda mais depois do surto de zika vírus e os vários problemas ambientais. Em julho último, como reportamos aqui, as autoridades prenderam uma dúzia de brasileiros de outro grupo, os Defensores da Charia. A ação duvidosa, ao mesmo tempo que afirmava se tratar de amadores, alegava que este grupo já tinha jurado lealdade ao EI, discutido um ataque aos Jogos e tentado comprar pelo menos uma AK-47 no Paraguai. Foi então que polícia brasileira prendeu um carioca acusado de apoiar o EI na internet.

O dilúvio de conversas jihadistas e respostas oficiais levantou preocupações sobre a segurança nos Jogos. Alguns consideram esses medos sensacionalismo, dada a falta de qualquer grande atividade do EI na América do Sul desde que o grupo se tornou uma ameaça global. Mas mesmo que o risco de um ataque coordenado como o de Paris seja baixo, há uma preocupação legítima sobre a segurança em qualquer Olimpíada — e o desafio de combater ataques de lobos solitários é continuo.

Mesmo que ameaças terroristas aos Jogos sejam rotina, incidentes reais são historicamente raros e incrivelmente difíceis de serem realizados. Prisões antes do evento também são comuns e muitas vezes visam acalmar o público. Marcos Degaut, um ex-oficial da inteligência brasileira, e Marcos Ferreira, especialista em contraterrorismo da Universidade Federal da Paraíba, suspeitam que as últimas prisões no país motivadas por terrorismo sejam uma espécie de cena teatral, e de fato, as próprias autoridades brasileiras rotularam os Defensores da Charia como meros amadores.

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Como grande parte dos países na América Latina, no Brasil há uma população relativamente pequena de muçulmanos que foi, segundo Maximiliano Korstaje, acadêmico de terrorismo na Universidade de Palermo na Argentina, bem assimilada. Combinado com o relativo afastamento do Brasil de assuntos do Oriente Médio e tendência em criticar o intervencionismo americano, há, digamos, pouca mágoa contra o país para que um grupo jihadista internacional decida atacar.

Além disso, notícias recentes sobre radicalização entre refugiados sírios ou da Al-Qaeda entrando no país se mostraram falsas. Mesmo assim Degaut acredita que devemos levar a sério as ameaças recentes, dada a ampla dinâmica jihadista em jogo na área. E apesar de o governo negar, Degaut (como muitos outros) diz que grupos islâmicos, incluindo a Al-Qaeda, têm pontos de apoio nas fronteiras porosas entre Argentina, Brasil e Paraguai. Em 2011 a revista Veja publicou um relatório que foi muito criticado por sua falta de embasamento. Nele, a revista semanal apontou 20 pessoas como grandes jihadistas vivendo no Brasil. A ideia era que presença destas pessoas teria sido encorajada pelas leis antiterrorismo consideradas muito brandas pelo veículo de extrema direita. Em agosto passado, o Brasil derrubou, em São Paulo, um cartel de lavagem de dinheiro que estaria financiando o EI.

Ferreira também diz que o número de convertidos ao islã no Brasil está crescendo, e que a juventude urbana descontente pode se sentir atraída pela propaganda do EI. Ele e Degaut, inclusive, questionam a efetividade das prisões altamente propagandeadas do governo nesse contexto. "Isso fornece a terroristas em potencial a publicidade que eles precisam", disse Degaut à VICE, acrescentando que a ofensiva "revelou aos terroristas como as forças do governo trabalham".

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O Brasil tem bastante experiência hospedando megaeventos esportivos, e os Jogos do Rio terão segurança suficiente para conter qualquer ameaça que possa emergir. As autoridades já bloquearam tentativas de entrada no Brasil de 40 pessoas suspeitas de terem laços com o terrorismo, e o país até já [recebeu treinamento](http://www.nytimes.com/2016/08/02/world/americas/rio-de-janeiro-olympics-terrorism-brazil.html ) de nações parceiras para impulsionar suas habilidades contra terroristas. "Estou no Rio agora", me disse Ferreira na última quarta-feira (3). "Nunca vi tantos policiais, militares e seguranças nas ruas. A vulnerabilidade aqui será a mesma vista em qualquer parte do mundo hospedando eventos assim."

E mesmo com a proteção durante os Jogos, o Brasil passa por crises financeiras e políticas. Degaut diz que o crime continua em alta, mesmo em áreas cheias de segurança — alguns incidentes dos Jogos vieram das mãos da própria polícia. O Brasil também esperou até o mês passado para fechar um contrato com milhares de seguranças particulares, e no domingo passado, a empresa selecionada tinha fornecido apenas 500 pessoas, fazendo as autoridades usarem substitutos da polícia e exército. O país também teve problemas reunindo soldados para responder a desenvolvimentos de última hora fora das arenas do evento, segundo Ferreira.

Os especialistas contatados pela VICE, no entanto, concordaram que seria quase impossível para qualquer grupo lançar um ataque em larga escala aos principais estádios do evento. Mas citaram a possibilidade de um ataque de um lobo solitário — especialmente em cidades com menos segurança como Belo Horizonte, Brasília, Salvador ou São Paulo, que também receberão eventos das Olimpíadas. Outros alvos possíveis incluem hotéis ou clubes fora da zona de segurança dos Jogos.

Como Veryan Khan, do TRAC (Terrorism Research & Analysis Consortium), disse: "Ninguém está realmente preparado para um ataque estilo lobo solitário".

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Tradução: Marina Schnoor.

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