ilustração de um sonho
"Colossus" Imagem: jeronimo sanz/Flickr

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ciencia

Estes são os cientistas que tentam entender os sonhos premonitórios

Alguns cientistas acham que os sonhos premonitórios existem. Explicar como se processam é que é mais complicado.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Todos os dias, por esse Mundo fora, há uma quantidade incalculável de desgraçados que se vêem presos em conversas sobre os sonhos "super realistas", ou "totalmente premonitórios", dos seus colegas de trabalho. Ouvir os sonhos dos outros pode ser entediante, mas, ainda assim, muitos de nós temos um genuíno interesse pela ideia de que os conteúdos oníricos podem predizer o futuro.

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O conceito de sonho precognitivo — factos inéditos que se tornam realidade — vai contra a nossa noção milsuraççaoais básica de tempo e relatividade. Se o tempo é linear e, vamos lá, se aprendemos e sentimos por meio da experiência, os sonhos premonitórios são impossíveis. Mas será que é realmente impossível sonhar com o futuro?


Vê: "Serás tu uma pessoa empática?"


Para descobrir a resposta, entrei em contacto com Stanley Krippner, professor de Psicologia da Universidade de Saybrook, nos Estados Unidos. Há 40 anos que este especialista estuda os campos da parapsicologia, dos sonhos precognitivos e do xamanismo. Entre os seus temas de pesquisa inclui-se a banda Grateful Dead. Ele acredita que, sim, os humanos são capazes de ter sonhos premonitórios. A investigação que desenvolveu, afirma, dá-lhe as bases para tal afirmação.

Durante a nossa entrevista, Krippner cita um dos seus estudos mais importantes sobre sonhos precognitivos. Nele, um voluntário sujeitava-se a uma noite comum de sono, mas com uma pequena diferença: o seu objectivo era sonhar com algo que aconteceria na manhã seguinte. O voluntário era então acordado quatro ou cinco vezes ao longo da noite para descrever os seus sonhos a um dos investigadores.

No dia seguinte, os investigadores escolhiam aleatoriamente uma actividade, que era integrada numa série de opções pré-planeadas. De seguida, o voluntário era submetido a essa actividade. Krippner diz que não havia qualquer possibilidade de os participantes saberem qual seria a actividade antes de ela ser escolhida e levada a cabo.

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Krippner cita o exemplo de um participante que, certa noite, sonhou com pássaros: pássaros no ar, pássaros num lago, pássaros a voar, pássaros de todos as formas e feitios. Na manhã seguinte, o indivíduo foi submetido a uma das actividades escolhidas aleatoriamente. "Consistia em ouvir alguns sons através de headphones", explica o professor. "E qual era o som? Cantos de pássaros. A segunda parte da actividade era ver um vídeo. E o que tinha o vídeo? Fotos de pássaros".

No final das oito noites, um júri imparcial comparou os sonhos dos voluntários com as actividades a que foram submetidos. A ideia era determinar se os sonhos correspondiam ou não à actividade prescrita na manhã seguinte. Krippner afirma que, para cada participante, o júri encontrou pelo menos uma correspondência entre o sonho e a actividade subsequente em quase todas as noites do teste.

"Se estivéssemos a falar sobre qualquer outro fenómeno, todos concordariam que essa correlação tem fundamento", assegura, por sua vez, Patrick McNamara, professor associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston e professor de Psicologia da Universidade Northcentral. "Mas, visto que não existe nenhuma explicação física por trás dos resultados destes estudos, os cientistas ainda dizem 'bem, nós não temos uma explicação para isto, portanto não confiamos nos resultados destes testes'".

O cepticismo é tão forte no campo dos sonhos precognitivos que Krippner chegou a chamar ilusionistas para inspeccionarem o seu laboratório e o método de estudo, de forma a investigarem se havia alguma possibilidade de fraude ou manipulação da pesquisa. Se aceitássemos — hipoteticamente, é claro — que os sonhos precognitivos de facto existem, qual seria a explicação por trás deles? A resposta mais simples é: ninguém sabe.

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"Eventos quânticos acontecem numa escala de tempo diferente daquela que a maior parte da população do Ocidente conhece."

O que sabemos é que o nosso inconsciente é capaz de alcançar grandes revelações durante o sono REM. No começo do século passado, Sigmund Freud afirmou que damos mais valor ao que acontece nos nossos sonhos, porque os nossos pensamentos inconscientes são, aparentemente, imunes à influência externa. Desde então, os estudos do sono comprovaram essa ideia e revelam que, durante o sono REM, o cérebro liberta-se das amarras da consciência, entrando num fluxo desordenado de pensamentos e sensações. Durante o sono REM, a mente pode fabricar ideias geniais, oferecendo a clareza necessária para solucionar dilemas do dia-a-dia, o que resulta em descobertas incríveis, incluindo (supostamente) as revelações de Einstein acerca da Teoria da Relatividade.

Isto leva-nos a uma das teorias sobre os sonhos precognitivos. Talvez o nosso cérebro, durante a desordem total do estado REM, possa identificar e processar diferentes tipos de "sinais" que não reconhecemos conscientemente e esses sinais possam ajudar-nos a compreender o futuro. Quanto à origem desses sinais, a resposta pode estar no emaranhamento quântico, a ideia de que duas partículas ou tempos distintos podem interagir entre si, estando fisicamente distantes.

Krippner explica como a física quântica poderia justificar os sonhos precognitivos. "Os eventos quânticos acontecem numa escala de tempo diferente daquela que a maior parte da população do Ocidente conhece", detalha. E acrescenta: "A nossa ideia de tempo divide-se em passado, presente e futuro. Mas a física quântica apresenta um conceito diferente de tempo".

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O psicólogo afirma que esse mesmo conceito pode ser encontrado em várias das culturas indígenas estudadas por ele durante a sua investigação sobre sonhos precognitivos e xamanismo. "Muitos povos indígenas vêem o tempo como um círculo; ele vai e volta, como numa espiral", conta. "Também temos alguns povos indígenas norte-americanos que acreditam na existência de um 'corpo extenso'; por outras palavras, um corpo que vai além da pele. O corpo extenso de alguém projecta-se e envolve outras pessoas e outras partes da natureza — tudo acontece ao mesmo tempo. Para eles, sonhar com o futuro não é nada surpreendente".

Aparentemente, a ideia do tempo não-linear torna os membros de sociedades indígenas mais receptivos a sonhos precognitivos e Krippner descobriu que sonhar com o futuro é mais comum e mais valorizado entre os índios do que em culturas eurocêntricas. McNamara dá outros exemplos que, segundo ele, indicam que há algo de místico nos nossos sonhos. "Vejamos o exemplo de sonhos entre gémeos", propõe. "Temos casos registados nos quais um gémeo sonha que algo acontecerá com o outro e a situação em questão acaba por acontecer. Também temos casos registados de gémeos que têm sonhos muito parecidos e que sentem que o outro sonhou algo muito parecido e que conseguem concluir o sonho do outro".

"O facto desses sonhos acontecerem entre parentes, ou entre pessoas com fortes laços emocionais, reforça a teoria de que há um processo biológico, ou cognitivo, actualmente desconhecido pela ciência, envolvido nesses casos", acrescenta. No entanto, também existem teorias muito convincentes que refutam a ideia dos sonhos precognitivos. De acordo com Robert Todd Carroll, um escritor e académico que estuda a Psicologia da Fé, a influência subconsciente é responsável pelo que chamamos de sonhos premonitórios.

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Vejamos, por exemplo, um dos casos de sonhos precognitivos mais famoso da história. Em 1865, o então presidente americano Abraham Lincoln teve um sonho no qual andava pela Casa Branca por entre gritos e cânticos fúnebres. Ele seguia rumo à Sala Oeste, onde via um caixão protegido por soldados e era informado que o Presidente tinha sido assassinado. Nos dias seguintes, Lincoln contou o seu sonho à sua mulher e a alguns amigos íntimos; 13 dias depois do sonho, ele foi morto.

No caso de Lincoln, podemos perceber, com muita clareza, a influência do subconsciente: em primeiro lugar, como Presidente no poder durante a Guerra Civil Americana, a sua segurança pessoal era, muito provavelmente, uma preocupação necessária. Além disso, Lincoln tinha sido vítima de uma tentativa de assassinato menos de um ano antes. Carroll também acredita que a probabilidade e o acaso podem explicar os sonhos supostamente premonitórios. "A cada noite, bilhões de sonhos são sonhados e seria muito estranho se nenhum deles correspondesse, de forma vaga ou precisa, a eventos passados, presentes ou futuros", escreve Carroll.

Sabedoria indígena e explicações psicológicas à parte, a caça a uma explicação científica para os sonhos precognitivos segue em frente. Apesar do nosso interesse pelos sonhos, o seu estudo nunca foi uma prioridade para a ciência moderna. Mas isso está a mudar graças ao advento da neuroimagiologia, que permite que cientistas observem o cérebro humano durante um sonho, e também graças a testes padronizados do conteúdo de sonhos. No campo civil, aplicativos que registam sonhos, como o Dream:ON, oferecem aos investigadores um banco de dados multi-cultural de sonhos.

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Krippner, que já deu a volta ao Mundo e conheceu povos indígenas da Ásia, África, América do Norte, América do Sul e Austrália, vê o futuro do estudo dos sonhos precognitivos com optimismo. "No Mundo existem anomalias que não podem ser explicadas a partir do ponto de vista ocidental", justifica. "Talvez estes estudos sobre sonhos precognitivos estejam à frente do nosso tempo e tenhamos que esperar 50 ou 100 anos para conseguirmos realmente entendê-los".

Como seria de esperar, ele acredita que as respostas do futuro estão no passado: "Acho que as futuras descobertas sobre sonhos cognitivos estarão de acordo com a ideia de tempo dos povos indígenas".


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