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Música

Portugal está Alive em Barcelona

Os Dead Combo, o B Fachada e o Anxious Myopic Boy tocaram em Barcelona no sábado passado.

Os sutiãs das fãs do Anxious Myopic Boy. Foto do Filipe Fernandes.

Este sábado ri-me como não me ria há séculos, aprendi coisas incríveis, revi uma data de gente, falei pelos cotovelos, e bebi uma grade de Coca-colas. Eram cinco da tarde estava eu a subir a escadaria do Apolo. Só tinha visto aquele sítio vazio às seis da manhã, e depois da quilometragem de uma noite de baile, os teus sentidos tendem a estar prejudicados. Mas sábado não, entrei fresca e fofa, o meu olfacto interpretou perfeitamente todas as nuances de álcool derramado na noite anterior.

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Sala Apolo vazia. Foto do Filipe Fernandes.

Havia gente, mas estava escuro, não dava para ver quem era quem. O primeiro que reconheci foi o Ricardo – aka Anxious Myopic Boy. Sentei-me com ele, estava abraçado à guitarra. Estás nervoso não estás? Estou ansioso. Está bem. Entretanto decorria o soundcheck dos Dead Combo. O Bernardo – aka B Fachada – que estava de costas, virou-se, e os dois protagonizámos um bonito reencontro, depois de pelo menos cinco anos sem saber um do outro . Não esperava que me reconhecesse tão rápido. Contei-lhe as novidades. Ele abraçou-me e disse-me que já tinha dois, que era altamente, que eram as pessoas mais fixes do mundo. Olha, a ideia é estar à conversa e deixar que os temas surjam naturalmente, ok? Está bem, não há problema. Não demorou nada, o Bernardo é um tipo fenomenal e eloquência, realmente, não lhe falta. Partilhámos o carinho que sentimos por Portugal, falámos sobre o que mais nos emociona, sobre as pessoas que saíram e as que ficaram. O Bernardo tem a sorte, como ele diz, de ter podido "inventar" o seu trabalho. É relativamente fácil ter êxito em qualquer coisa que inventes, porque quase não tens concorrência. Tive a sorte de poder começar pouco a pouco, com uma guitarra que me ofereceram quando era adolescente. Perguntei-lhe se dava muitos concertos. Disse-me que máximo, uma vez por semana, e que em Portugal já tinha ido a quase todo o lado. Também me explicou que ter estado um ano fora tinha sido bom. Se não falas não incomodas. Quando voltei já se tinham esquecido de mim. Foi bom, porque eu também voltei diferente, mais tranquilo. Entre outras coisas o Bernardo explicou-me que o público é que tem razão. Fazer músicas não é estar sentado numa pedra à espera que a inspiração te fulmine, demora tempo. É fazer, construir, memorizar, abdicar, limar e terminar uma canção. Um cozinheiro não cozinha num restaurante da mesma forma que cozinha em casa. É preciso ter essa percepção. Não fazes músicas porque tens coisas para dizer. Senão dizias. Senti-me como se ainda acreditasse no Pai Natal. Mas fazia todo o sentido. E não tinha nada a ver com vender a alma ao diabo, mas sim com saber mover-se. Acabaram os Dead Combo, e foi a vez dele.

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Anxious Myopic Boy. Foto do Filipe Fernandes.

Ricardo, já não me lembro bem como é que começaste com o Anxious Myopic Boy. Reaviva-me a memória. Esta não foi a primeira peripécia musical do Ricardo. Assim como o Bernardo, ele sabe que se pode viver da música, e também sabe que há várias maneiras de fazê-lo. Inventou uma coisa chamada Music for a meal. Tocou, durante uns tempos, versões simpáticas e melódicas de canções que ouvia, em restaurantes. Depois passou a dar concertos. A coisa funcionava e ele sentia-se bem. Um dia viu um vídeo sobre conseguir aquilo que queres através da visualização. Comecei a visualizar os meus desejos enquanto meditava, e olha onde estamos agora, e com quem. É realmente surpreendente. O nome é autobiográfico. O Ricardo Macedo já existia. Agora sou eu. Até já.

B Fachada no camarim. Foto do Filipe Fernandes.

O Bernardo voltou e chegou o Filipe. Beberam-se garrafas de água, fumaram-se cigarros, falou-se de Pré-história, da lei do mais forte, de espécies, de paternidade e de libertinagem. Eram sete e pouco e tínhamos larica nível dois. Subimos ao camarim e pouco depois o Ricardo voltou a descer, mas por outras escadas, as que vão dar ao palco.

Anxious Myopic Boy em acção, ja depois da chuva de sutiãs. Fotos do Filipe Fernandes.

Eram oito e meia. O Apolo estava composto. As crianças estavam coladas ao palco. Os adultos mais atrás, de braços cruzados. As fãs do Ricardo lançaram-lhe uma chuva de sutiãs. Entre canções bonitas vinha mais uma mão cheia de aplausos, e ala que se faz tarde. Gostaste? Sim, foi incrível. Quando comecei a cantar senti mesmo que tinha de estar ali. Foi tão natural e fixe. Depois desceu o Bernardo. Já estava muita gente, as pessoas falavam, e algumas foram embora como forma de protesto. O Bernardo continuou repertório fora, frenético. Entretanto tinham chegado os Dead Combo e era preciso ir falar com eles.

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B Fachada em concerto. Jordi. Foto do Filipe Fernandes.

Tó, conta-me um bocadinho como é que tudo começou e eu sigo-te com perguntas. Está bem. O Bernardo já me tinha dito que o Tó era realmente encantador, e a verdade é que sim. Adicionalmente, achei que ele era o gajo mais cool que conheci em muito tempo. O Pedro Gonçalves e o Tó Trips conhecem-se desde o liceu. Sempre tocaram, embora um de forma académica e mais ligado ao jazz, e o outro de forma mais intuitiva e rockeira. Como ele diz, aprendeu a tocar na rua. Os Dead Combo nasceram da vontade de reinterpretar os músicos que levavam dentro, foi uma espécie de reconciliação com a música, pelo menos no caso do Tó. Trabalhei muitos anos em publicidade e curtia, recebia bem, estava-se bem. E depois olhava para os meus amigos. Estavam sempre à rasca de dinheiro mas combinavam ir à praia, ou tomavam cafés no Chiado às cinco da tarde. Há muita gente que não sabe o que isso é. Eu também queria fazer aquilo. Houve quem não me entendesse, percebes? Mas eu não quis saber, e não me arrependo, mesmo que não tivesse corrido bem. Na altura o Tó não ligava nenhuma aos Heróis do Mar mas uma vez ouviu uma entrevista em que um deles explicava porque é que ia para Londres: tinha de ir tentar a sua sorte. E desde esse dia levou esta ideia dentro, até que uns anos mais tarde a converteu em verbo. Temos de escolher a vida que nos faz bem. Eu tinha 35 anos, e queria viver outras coisas.

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Camarim e farpelas. À conversa com o Tó. Fotos do Filipe Fernandes.

O Bernardo voltou, transpirado e ofegante. O Tó pediu desculpa e bazou, estava quase na hora deles. Com o Pedro não deu para falar. Acho que estava meio atarefado, e arrisco na teoria de que é um tipo bastante tímido. Tonicha, bora tá na hora, disse o Pedro. E desceram.

Dead Combo em Palco. Fotos do Filipe Fernandes.

O Apolo estava cheio-cheio, e na ovação notou-se perfeitamente. As pessoas continuavam a falar. De vez em quando ouvia-se um Sssh. As músicas iam acontecendo, os hits causavam furor, e os cigarros que o Pedro Gonçalves acendia também. Eu acho que o gajo não sabe que em Espanha é proibido fumar. É pró estilo pá, não vês? Eles levantavam-se, sentavam-se, vinham para perto de nós, o Pedro alternava instrumentos, ninguém se aborreceu. Encore, et voilà, que tínhamos hora de saída.

Para o ano há mais. Foto do Filipe Fernandes.

O Portugal Alive é uma iniciativa do Consulado de Portugal em Barcelona, que a Sidewalk Bookings ajudou a organizar. É uma versão menos popular e mais cultural do Portugal Convida, evento que acontecia todos os anos ao cimo do Passeig de Grácia, aqui em Barcelona. Também se espera que seja a primeira de muitas edições, talvez maiores e mais completas, diz Paulo Teles da Gama, o Cônsul.

A noite correu bem, as pessoas estavam contentes e sorridentes. Seguiu-se para bingo em bares periféricos. Nessa noite conheci portugueses incríveis, e se tudo correr bem, em breve também terão esse prazer. Fizeram-se prognósticos para os próximos carnavais e desvendaram-se segundos nomes vergonhosos começados por S (que prometemos guardar em segredo, forever and ever). Sete sumos de ananás depois fui dormir com o meu namorado Português, e no domingo almocei Cozido à Portuguesa.