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Música

Quando a Capicua fez mossa e história em Barcelona

Cá fora foi lá dentro, com Noiserv, Capicua e Linda Martini. E havia muito orgulho em poder festejá-lo.

A Carrer Blai, perpendicular à Avenida Paral.lel de Barcelona, é onde se comem os melhores pinchos da cidade. Num sem fim de cafés e tascas, a rua estende-se em esplanadas e guarda-sóis.

E aí, numa informalidade quase de amigas de há décadas, chega Marta Bateira, aka M7, aka Beatriz Gosta, aka Isabel by night. E ao mesmo tempo que se senta Marta, sentam-se com ela as outras mulheres que traz na alma e na cabeça. Ela é ela própria, numa pluralidade só sua, que vai e vem numa velocidade estonteante, com um sorriso sempre pronto e rasgado, com um à vontade só seu.

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Estamos em Espanha mas ela fala em português. Admite que as línguas não são o seu forte e que, no fundo, a comunicação vai mais além dos idiomas. E é simples: quando queres, entendes. De cerveja na mesa, diz-nos que já tinha vontade de regressar a esta cidade e que tem que planear uma visita mais prolongada para uma "gandaia directa" com "babados fortes".

Aos trinta, Marta é imparável, com novos projectos e ideias. Comenta o boom Beatriz Gosta em Portugal, e no estrangeiro, com um brilho nos olhos e um orgulho especial na voz. O novo vídeo sairá ainda em 2015, espera. Mas há agora uma necessidade de saber gerir conteúdos, ver o que serve para a rádio, o que serve para a televisão e o que serve para o seu canal no Youtube. É um trabalho de equipa, repete várias vezes: ela dá a cara, mas atrás da câmara há gente com amor à camisola.

M7, aka Beatriz Gosta, aka Marta Bateira, aka Isabel by Night. Fotografia de Marta Nobre.

Confessa que o pai, provavelmente, nunca viu nenhum vídeo. Aliás, está mesmo certa disso. Há dois anos avisou-o do projecto e do conceito. Mas que se pode dizer a esta filha mais nova, nascida para ser uma rebelde com causas?

Enquanto nos explica o quão contente está de poder contar com um público heterogéneo (que vai desde o Bernardo de camisa que adora touradas à Joana das Belas Artes), fala também do desconforto que é confundirem-na com Beatriz, quando ela é M7. Confessa que às vezes, com tanta excitação e gritaria, pode ser desconfortável. Quando partilha o palco com a Capicua ela é só M7, e é como rapper que hoje está na Catalunha.

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Com o seu sotaque do norte, não esconde que nasceu irrequieta, com força e vontade de ser ouvida e ir mais além. Com a mesma facilidade que aborda temas como o turismo ou a gíria brasileira, fala como profissional quando se refere às suas entrevistas. Lê tudo, nem que seja para saber se são fiéis ao que disse.

"Mas, porém, contudo", citando uma das suas expressões mais populares, é tempo de ir embora porque em menos de uma hora sobe ao palco. Bebe o último gole, elogia impudicamente um amigo de um amigo e vai a correr arranjar-se.

Fotografia de Mariana Viseu.

São oito da noite quando a Sala Apolo abre as portas. E nunca se ouviu tanto português no mesmo metro quadrado de Barcelona. A organização do Portugal Alive esperava casa cheia, mas nunca se falou de pontualidade.

E assim começa Noiserv. Ele, só ele no meio do palco, rodeado de instrumentos e utensílios. Noiserv é o homem-banda com aquele coração delicado, com aquela voz intemporal e com aquele ar de namorado ideal. Num simples jogo de luzes azuis e brancas, ele paira no palco, enquanto a casa enche.

Na sua t-shirt às riscas, admite que não sabe em que língua deve falar ao público, e que está muito grato de poder tocar pela primeira vez em solo catalão.

Noiserv. Fotografia de Mariana Viseu.

"Ouve o que eu te digo / vou-te contar um segredo / é muito lucrativo / que o mundo tenha medo". É assim que a Capicua começa o concerto. Depois de ter vivido vários anos em Barcelona, é como se estivesse a tocar em casa.

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O nome Capicua vem precisamente do catalão, onde "cap" e "cua" é cabeça e cauda. E de número 33 estampado na barriga, celebra com nota 20 como se chama.

Do princípio ao fim o público aplaude a rapper, a Maria Capaz, a comandante da guerrilha cor-de-rosa, a Sereia Louca, a mulher activista que sabe do que canta e do que fala. Com dois DJ's, com projecção de live draw e a M7 a seu lado, Capicua é a pólvora da noite. A sala, de braços no ar a sentir a batida, sabe também ouvir sobre a violência doméstica em Portugal, sobre os refugiados na Europa, sobre a importância da liberdade não ser só uma data no calendário, ao mesmo ritmo que aprecia um poema de Sophia de Mello Breyner.

Com lotação quase esgotada, ela mostra o que é dominar a língua portuguesa com distinção. "Amo-te", ouve-se pelo meio da multidão. A Sala Apolo está rendida, a noite já é dela.

Capicua. Fotografia de Marta Nobre.

E surgiram os Linda Martini.

Este era o último concerto da noite. Os quatro alinhados em primeiro plano, prontos para os fãs. Numa sensualidade que lhes é característica, em versos verdadeiros e em acordes fortes, não desiludiram ninguém. Foram os Linda Martini de sempre e ponto final.

A única inovação foi o novo corte de cabelo do Hélio Morais, que ele sabe que lhe fica demasiadamente bem.

Linda Martini. Fotografia de Mariana Viseu.

Aquele antigo teatro barcelonês, por algumas horas foi Portugal. Na língua, no espírito, na emoção e na vontade. O festival seguia agora para Madrid. Numa alegria de início de fim-de-semana, a atmosfera era de euforia e de realização.

Cá fora foi lá dentro, e havia muito orgulho em poder festejá-lo.