FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

O que significa ser creep?

Conversámos com Adam Kotsko, um especialista em awkwardness e creepiness, que nos explicou porque é que gostamos tanto de creeps.

Frank Underwood, 'House of Cards,' no YouTube

Adoramos quando os creeps (esquisitóides) aparecem na televisão. Por exemplo, o Frank Underwood do House of Cards - um gajo sinistro sem qualquer tipo de remorsos e com sérios distúrbios, mas que não conseguimos deixar de apreciar pelas suas performances presidenciais. Imagina como seria ter de fingir que não somos obcecados com o Walter White - o inimaginável anti-herói de Breaking Bad. E repara como já andámos a lamentar o fim inevitável de Peep Show, apesar de que cada personagem é, à sua maneira, inegavelmente creepy.

Publicidade

Mas quando olhamos para a vida real, as pessoas são - estranhamente - menos interessadas nos creeps. Ninguém quer ser amigo de um dealer-de-metanfetaminas-assassino. Ou melhor, ninguém quer ser amigo de um gajo que anda por aí "a lamber o rabo aos manda-chuvas", ou até de alguém que passa o tempo a lamber a sua própria mão.

Adam Kotsko, um académico do Shimer College em Chicago, e especialista na atracção perversa que sentimos por personagens com características pouco agradáveis, tentou perceber por que é que somos tão obcecados com estas personagens que deveriam - tal como a definição de creep descreve: "causar um sentimento desagradável, de medo e desconhecido". Os resultados estão no seu último livro, Creepiness, que basicamente aglomera todos os seus trabalhos anteriores, como por exemplo: Awakwardness and Why We Love Sociopaths: A Guide to Late Capitalist Television.

Há uns dias liguei a Adam para lhe perguntar por que é que têm aparecido tantas personagens com distúrbios estranhos na televisão. Também conversámos sobre os componentes da creepiness, e, tal como ele explica no seu livro (num excerto que pode ser lido aqui), "Somos susceptíveis a que nos surpreendam e assustem (creeped out) porque corremos o risco constante de nos surpreendermos e assustar-nos (be creeped out) por nós próprios".

VICE: Olá, Adam! Então, quando é que começaste a pensar e interessar-te por cenas esquisitas, ou seja, a creepiness, e o que é que te inspirou para escreveres um livro inteiro sobre isso?
Adam Kotsko: No início estava inspirado para escrever um livro sobre "awkwardness", mas depois tive a ideia de escrever uma trilogia sobre personagens com características negativas. Começou tudo com uma piada - um colega meu ia escrever uma trilogia sobre esse tema e eu estava super céptico. Então pensei: "Oh, se ele consegue escrever uma trilogia eu também consigo", e a verdade é que acabei mesmo por escrevê-la. Aconteceu o seguinte: assim que comecei a falar sobre awkwardness, foi mais ou menos inevitável não falar de creepiness, porque o maior medo de uma pessoa awkward (estranha) é ser vista como um creepy (esquisitóide).

Publicidade

E como é que fizeste? Qual foi o teu método de pesquisa para encontrares a definição de creepiness?
A minha pesquisa foi basicamente conversar com diferentes pessoas em vários contextos sobre a sua própria definição de creepiness, e principalmente sobre as personagens de televisão que achavam ser creepy. Digo isto também no livro, mas por exemplo, a mascote do Burger King é uma espécie de exemplo creepy com o qual toda a gente está de acordo.

Falemos então do "creepy King": o que é que faz dele um clássico creep?
Parece que o segredo para a sua creepiness é que ele combina muitas características diferentes. Antes de mais, ele é invasivo. Está sempre a tentar entrar em casa de alguém ou a arrombar qualquer coisa. Dá a impressão que está sempre a tentar impingir-nos alguma coisa. Não quer roubar, ele apenas quer dar-nos um hambúrguer. Mas a cena mais creepy é que tu não sabes o que é que ele quer ou o que é que ele ganha com isso, porque usa uma máscara que esconde totalmente as suas expressões faciais. Tem também uma espécie de sorriso permanente.

Há também um elemento sexual, certo?
Certo. O desejo sexual parece irromper por áreas que não lhe dizem respeito. Nos anúncios, a forma como colocam os hambúrgueres, ou seja lá o que for, faz lembrar um pouco a pornografia. E, à partida, não devemos ter qualquer desejo de fazer sexo com uma sandes.

Dá-me, então, um bom exemplo de alguém (da televisão actual) que seja um creep?
Em Girls, a personagem da Lena Dunham's é bastante creepy, pelo menos no início da série, apesar de eu pensar que é um bocado exagerada. Um bom exemplo que mostra que ela é realmente creepy é, talvez, a forma como a sua nudez é retratada na série. Parece que está a ser empurrada para o espectador. Não é uma série normal da HBO, na qual se espera que a nudez apareça mais como pano de fundo, e também a sua relação com o namorado, Adam, que por si só já é um creep. Têm uma relação incrivelmente estranha e degradante no que diz respeito ao sexo, e está claro que ela tenta despertar nele esse lado degradante, para que ela possa escrever uma autobiografia super excitante. Não é que ela goste ou queira directamente fazê-lo, mas a verdade é que dá a impressão que sim, e isso é um bocado creepy.

Publicidade

Também estiveste atento às personagens do Peep Show?
Sim, Peep Show, claro que sim! Quer dizer, ambos são extremamente creepy - Super Hans incluído. Por exemplo: quando Jeremy quer doar esperma - ou qualquer coisa do género - e tem que masturbar-se, mas não tem à mão nenhum tipo de pornografia, tira uma fotografia do bolso e começa a masturbar-se com a imagem da rainha (quando esta era jovem). Espero que isso conte como creepy. Há também aquela primeira cena do episódio, quando o Mark se senta num autocarro, põe a mão no assento do lado, e deixa lá a mão quando a Sophie se senta. Ah, e o Super Hans, que sempre que aparece no ecrã é fácil perceber o quão creepy ele é.

Uma vez disseste que uma das coisas que torna uma personagem creepy é quando esta não se consegue encaixar na "hierarquia da sociedade" e por isso infringe determinados tipos de limites. Como é que isso funciona na televisão?
Penso que há um padrão geral, por exemplo, um personagem - que costuma ser masculino - é obcecado com uma mulher, que joga num campeonato muito diferente do seu. Se ele não desistir, assim logo à primeira, se continuar a insistir, penso que isso faz dele um creep, porque aquela relação nunca vai acontecer. Penso que o Steve Urkel a dar em cima (continuamente) da sua vizinha - desde a adolescência - é um exemplo perfeito.

Então por que é que os argumentistas continuam a recorrer à figura do creep?
Com o creep existe uma espécie de tema duplo. Porque normalmente uma personagem creepy serve de bode expiatório. Ou é rejeitada, ou punida de uma forma também ela creepy, e por isso as pessoas tendem a rejeitá-la. As pessoas acham piada a isso. Mas quando o creep aparece, por vezes também vemos que, afinal, alguém conseguiu o que queria. O seu desejo, mesmo estranho ou pouco convencional, é aceite, e penso que existe um fascínio por isso também. Então, as pessoas têm prazer em ver alguém realizar esta coisa meia transgressora que elas próprias não fariam, e sentem-se satisfeitas. Mas também ficam satisfeitos com a sua rejeição. É estranho. Acho que o creep começa a surgir como uma estranha válvula de libertação na sociedade contemporânea.

Achas que estamos a projectar as nossas próprias tendências esquisitas numa personagem creepy da televisão?
Sim, há sempre um elemento de projecção na cena creep. Por exemplo, se imaginares o típico rapaz neurótico que tem receio de aproximar-se de uma rapariga, ou que pensa que "elas só gostam de idiotas", ou "ela nunca irá reparar em mim", ele está a projectar o seu próprio desejo sexual - o desejo sexual que o assusta - neste outro idiota que fica sempre com a rapariga. Existe sempre um desejo de nos dissociarmos de outro elemento nosso e isso é o que gera esta estranha dinâmica de creepiness.

Segue Huw e Adam no Twitter.