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Música

Uma conversa com o homem que descobriu Prince

Owen Husney foi o responsável pelo arranque da carreira do génio de Minneapolis. Prince Rogers Nelson tinha 18 anos e vivia na cave de casa de um amigo quando despertou a atenção do agente.
Prince num "meet and greet" numa loja de discos ao lado do seu empresário Owen Husney.

**Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma **NOISEY.

Recentemente, conversei com o primeiro empresário de Prince, Owen Husney. Foi ele que descobriu Prince quando este ainda era apenas um adolescente que ensaiava numa cave em Minneapolis, que mediou o seu primeiro contrato discográfico e que o ajudou a encontrar pessoas para tocarem na sua banda. Husney estava presente durante a gravação do primeiro disco de Prince, For You, de pé atrás do então adolescente de 18 anos enquanto ele comunicava à editora que queria ser o produtor exclusivo, apesar da pouca experiência. Prince tocou todos os instrumentos em For You, inclusive finger cymbals, e no mês passado o disco finalmente foi relançado em vinil. Foi para falar sobre este acontecimento que lhe liguei.

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Queria saber como Husney descobriu aquele adolescente baixinho e inspirado e como For You foi concebido. A conversa foi fresca, mas ao mesmo tempo dolorosa, tendo em conta o falecimento inesperado de Prince quatro semanas depois da minha conversa com Husney. For You não foi o álbum que transformou definitivamente Prince numa mega estrela pop internacionalmente, (isso aconteceu um ano depois, com o segundo disco homónimo) mas, ainda assim, tratava-se de uma coleção firme, suave e inovadora. A sua concepção, no entanto, não foi nada suave.


Vê: "O R&B dos anos 90 ainda reina em 2017"


Quando Owen Husney conheceu Prince Rogers Nelson em meados dos anos 70, estava pronto para guiar a carreira do jovem prodígio. Nos anos 60, Husney tocava guitarra (e era uma espécie de manager) da banda garage The High Spirits, que teve um hit ao fazer uma cover de um tema antigo de blues "(Turn on Your) Love Light". O sucesso garantiu-lhes notoriedade e uma digressão pelos Estados Unidos.

"Tínhamos groupies, um pequeno autocarro… Não tínhamos biliões de dólares mas, sabes como é, era uma vida louca", explica. "E isto nos anos 60, numa altura em que havia um contacto muito grande com o lado espiritual, digamos assim, e tirámos vantagem disso". Por outras palavras, a rapaziada dos The High Spirits aproveitou ao máximo o momento. Depois da banda, Husney avançou para a sua primeira experiência na indústria como faz-tudo. Tratava da agenda de espectáculos, mas também fundou a sua primeira empresa de design e começou a criar cartazes para as bandas; fez uma digressão com Sonny e Cher e chegou até a fornecer o buffet dos bastidores de um espaço em Minneapolis que era frequentado por Janis Joplin, Stevie Wonder, Rolling Stones, The Who e muitos outros.

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"Quando agenciava Prince, ouvia todo o tipo de discussões entre os artistas e os empresários enquanto arrumava as coisas e preparava a comida para o pessoal nos bastidores", recorda Husney entre risos. "Presenciei muitos conflitos e pude ver como funcionava a relação entre empresário e artista".

Em 1976, Husney recebeu um telefonema do seu amigo Chris Moon, que era dono de um pequeno estúdio na cidade. Moon descreveu Prince da seguinte forma: "encontrei o melhor artista que está para vir". Naquela época Husney estava ocupado e teve uma atitude meio desconfiada - já tinha ouvido essa história milhões de vezes -, mas quando finalmente ouviu as demos de Prince ficou interessado. As músicas eram descontraídas e duravam cerca de 10 minutos, mas a musicalidade impressionou-o instantaneamente. "Meu, se eu conseguir meter as mãos nisto…", pensou Husney. Vamos deixar que ele vos conte exactamente como foi.

Owen Husney: Foi então que perguntei ao Chris Moon, "Quem toca na banda?", e ele disse-me: "É só um gajo, acabou de fazer 18 anos. Toca todos os instrumentos sozinho e também canta tudo. Escrevo algumas partes, mas, basicamente, é ele que está a compor tudo sozinho". E eu fiquei tipo, "Ok, passa-me já o telefone do rapaz. Fim de conversa. Até à próxima". [Risos]. E liguei. Ele estava na casa da irmã em Nova Iorque e estavam a tentar conseguir fechar um contrato para fazer um disco com as demos. Contrato que acabariam por não conseguir.

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Noisey: Porque é que as demos eram longas demais e meio perdidas?
Os dois trabalharam muito para fazer essas demos, mas não era um material comercial. Geralmente quando as pessoas são extremamente talentosas, como é o caso de Prince, fazem músicas longas porque querem mostrar às pessoas que são capazes de fazer qualquer coisa. De qualquer forma, liguei-lhe e ele era muito tímido, falava pouco e estava hesitante, mas percebi logo de caras que era especial. Só lhe disse: "Bem, acabei de ouvir a demo e posso dizer-te desde já que acredito em ti. Mas vais precisar de alguém para te proteger. Conheço este ramo e ele pode comer-te vivo". Ele era totalmente novato, mas eu acreditava mesmo.

Glam Rock

E qual foi o passo seguinte?
Ele ainda estava a morar com um amigo naquela época, André Cymone, na cave da casa da mãe dele [Cymone acabou por ser o baixista de Prince antes de formar os Revolution]. Foi no início do Outono de 1976 e ele ainda não sabia se podia confiar em mim ou não, mas comecei a agitar as coisas. Quando voltou de Nova Iorque, depois de lhe ter ligado, foi a minha casa, onde eu tinha um piano e diversas guitarras. No momento em que entrou pela porta, olhei para ele e soube, intrinsecamente, que ele era Ogajo.

Como era ele? Quais foram as tuas primeiras impressões?
Estava vestido com umas calças de ganga que tinham uma marca de ferro bem no meio. [Risos] E umas botas castanhas. Era um look bem fixe, apesar de não serem roupas muito chiques, já que não tinha dinheiro para isso. Estava a criar as coisas e a tentar entendê-las no momento em que o encontrei, os seus olhos eram magníficos e, não sei explicar muito bem, tinham um formato de amêndoas… Eram lindos. Tinha sobrancelhas bem escuras e não era muito alto, como toda a gente sabe. No entanto, tinha um black power gigantesco. Mas era uma pessoa bastante reservada. Provavelmente tocou guitarra em minha casa, talvez um pouco de piano, mas estava mais interessado em conversar. Estávamos a conhecer-nos melhor. Dava para perceber que era um jovem muito talentoso. Ia directo ao assunto. Tinha a maturidade emocional de um CEO de 40 anos e, apesar de não entender muito do ramo, pude perceber que estava focado. Conheces o Little Richard?

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Sim, claro.
Já vi fotos do Little Richard quando ele tinha uma banda, antes de se tornar OLittle Richard. Todos os membros da banda estavam sentados, um deles a olhar para o lado direito, outro para o lado esquerdo, outro para baixo e então vejo um Little Richard bastante jovem, a olhar directamente para a câmera. Percebe-se que há ali uma chama, há algo de diferente. Foi isso que senti em relação a Prince. Havia foco e um brilhantismo na sua inteligência. Ele entendia os conceitos. E tinha acabado de sair do norte de Minneapolis e recém graduado da escola. A maioria dos jovens nessa idade escolhe passar o tempo a conduzir carros a alta velocidade, a fazer merda, a meter a sua própria testosterona à prova. Ele não era assim. Quando ouvi a demo e o conheci pessoalmente dei-me conta de que precisava de ser ágil e conseguir que fechasse um contrato com uma editora.

Uma pessoa tentou afastá-lo de mim e deu-lhe uma guitarra dourada de presente. Na verdade eu nunca soube se isso era tanga ou não, mas estávamos prestes a assinar o contrato e estava a nevando como o caraças, um vento desgraçado, e ele apareceu com outro gajo. Abriu a mala da guitarra dourada e disse, "bem, há uma outra pessoa que quer fechar comigo e deu-me esta guitarra dourada". Só olhei para ele e disse, "queres mesmo saber? Estou-me a lixar para essa merda de guitarra dourada. Podes ir atrás dessa pessoa e fechar com ela, não quero mais saber de ti, pode ir". Vi ele a ir-se embora de minha casa debaixo da neve. Senti-me como se o amor da minha vida estivesse a ir, como se o tivesse dispensado. Mas sabia que precisava de ser firme. Não conseguia comer - era fim-de-semana - e só pensava, "Onde está ele? Onde? Porque não me telefona?". Estava com o estômago embrulhado e creio que só na segunda, ou na terça-feira, o Prince ligou e disse, "ok, vamos lá. Vamos fazer isto acontecer".

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Conheceste os pais dele? Qual era a situação?
Ele tinha saído de casa. Tinha um padrasto com quem não se dava muito bem, acho que ele não era muito bom para o Prince, mas não sei os detalhes. Ele fugiu de casa e foi morar com o André na cave dele. E a mãe do André era um pilar fundamental na comunidade negra. Trabalhava no YMC ou YWCA, a coordenar actividades e programas. Ela fazia de tudo. Estava sempre a perguntar, "já fizeram os trabalhos de casa? Estão a fazer tudo bem? Já está tudo pronto?". André e Prince moravam juntos na cave e, para conseguirem levar raparigas para casa, desenharam uma linha bem no meio do espaço e Prince não podia passar para a área de André e André não podia ir para a área de Prince. Até colocaram uma cortina. [Risos].

Tão old school! Então, depois de cortejares Prince conseguiste-lhe um advogado, um produtor, o David Z [Etta James, Neneh Cherry, Billy Idol], além de músicos para formar a banda…
Precisávamos de diminuir a duração das músicas e, para isso, precisávamos de dinheiro. O advogado conhecia algumas pessoas, eu criei um material de imprensa e saímos por aí a vender o nosso peixe. Conseguimos 50 mil dólares de um médico e um advogado. A partir daí podíamos comprar qualquer instrumento que Prince precisasse. Ele mudou-se da cave para um apartamento pequeno no sul de Minneapolis.

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A tua agência de design estava a correr bem naquela época. Ficaste apreensivo de teres de a deixar para trás?
Eu acreditava no Prince o suficiente para deixar a minha agência — que gerava milhões de dólares — de lado e dedicar-me a ele. Amava muito a pessoa que ele era. As pessoas perguntam, "ele não era estranho?". Sim, claro, todos nós somos estranhos. Nunca conheci um artista que não fosse estranho. O facto de ele ser meio alienado e quieto quando estava rodeado por outras pessoas nunca me incomodou. Ficava contente de ele ser assim. Se ele fosse tipo, "vamos fumar um charro e vamos divertir-nos", nunca o teria agenciado! [Risos].

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Finalmente, a dada altura, conseguimos fechar um contrato e fizemos uma demo tape. Uma história interessante sobre esta demo tape: há uma música no primeiro disco que se chama "Baby" e queríamos uma orquestra. A única orquestra que eu conhecia na cidade naquela época era uma orquestra de estação de rádio, então fui buscá-los. Quando cheguei ao estúdio para ver como as coisas estavam, Prince estava super agitado e os gajos da orquestra, que tinham uns 90 anos de idade, não estavam a perceber muito bem. [Risos]. Prince trabalhou com eles e eu não sei o quanto ele entendia de composição naquela época, mas trabalhou com estes músicos, escrevendo e reescrevendo até chegarem exactamente onde ele queria chegar. Era um puto de 18 anos a trabalhar com estes músicos espectaculares.

Depois de teres a demo pronta, criaste material de imprensa e começaste a tentar vender?
Sim, ligámos para a Warner Brothers. Tinha feito alguns trabalhos para eles na minha agência, por isso liguei para Russ Thryet [CEO da editoral] e disse, "olha, vou retribuir-te aquele favor. A Columbia está prestes a lançar-nos. Queres ouvir um génio que acabei de descobrir? Queres ouvi-lo enquanto ainda estou aqui na sede da Columbia?", e ele disse, "sim, claro!". E então, quando consegui agendar uma data com a Warner Brothers, liguei para a Columbia e disse, "tomem atenção, a Warner Brothers vai lançar-nos e, enquanto ainda estou aqui na sede deles, querem ouvir a demo deste jovem génio de Minneapolis?". Depois, liguei para a A&M Records e disse, "olhem, estou aqui a fazer umas apresentações para a Columbia e para a Warner, querem ouvir?". Mas sempre soube que fecharia com a Warner. Eles eram o selo que mais dava credibilidade aos artistas naquela época. Os outros pareciam frios. Mas reuni com todos.

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Hoje em dia dou aulas [sobre a indústria da música] na UCLA e ensino os meus alunos a mentir, mas sem magoarem as pessoas. "Olha, vi a tua namorada com outro gajo num bar!". Esta é uma mentira maliciosa. Mas quando as pessoas não se magoam e tu consegues convencê-las a fazerem o que queres, estás à vontade.

É uma dica perspicaz. Tinhas três editoras interessadas, mas escolheste a Warner. O acordo que conseguiste foi bastante lucrativo, segundo se sabe.
Eu sabia que para fechar com a Warner Brothers precisava de fazer um acordo que fosse muito lucrativo para Prince, porque ele precisava de muito apoio. Era preciso uma guerra de propostas e no fim das contas fecharia com a Warner Brothers. [Risos]. Acho que eles não podem processar-me por dizer isso. A única editora que nos dispensou, que estava a lançando os Bee Gees, foi a RSO Records. Ainda tenho a carta de rejeição que recebi deles: "Achamos o seu artista talentoso, mas não vemos muito futuro, pelo que vamos deixar passar". Pensei que se conseguisse uma guerra de propostas faria muito dinheiro e poderia fazer três álbuns para lançar Prince, coisa que não aconteceria hoje em dia. Conseguimos os três álbuns e estou 99 por cento certo disto: foi o maior contrato de gravação de um artista desconhecido da história da música até àquele momento.

E quanto valia o contrato?
Acho que o contrato todo passava de um milhão de dólares. Eles queriam ter participação nos direitos editoriais dele naquela época, mas eu não percebia nada sobre esse assunto. Só pensava que não estava preparado para ter essa discussão, porque não fazia a menor ideia do que se tratava e queria ir embora da reunião e ler sobre a questão. Sabia que se perguntasse, "o que é isso dos direitos editoriais?" eles chamariam imediatamente outro empresário. No final acabaram por ceder e a razão para Prince ter direitos sobre todo seu editorial é porque eu não sabia do que se tratava! [Risos].

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Claramente Prince batalhou para produzir o seu disco de estreia mesmo não tendo experiência. Foi uma luta dura.
Eles queriam que Maurice White [fundador dos Earth, Wind & Fire] produzisse e também sugeriram alguns outros nomes, como Norman Whitfield [The Temptations, Marvin Gaye]. Havia algo muito interessante em relação a Prince — e ele não tinha nenhuma malícia nisso —, ele já tinha estudado todos estes artistas, como o Maurice, Norman e vários outros. Ele sabia quem eles eram e não queria as suas marcas no som dele. Queria, sim, desenvolver o seu próprio som e eu concordei com ele. Até me escreveu um bilhetinho que dizia, "Owen, tenho muito respeito por esses artistas e produtores, mas sou capaz de analisar a música deles e não é o tipo de impressão que quero que o meu som cause".

Tinha de dizer ao presidente da Warner Brothers que ninguém iria produzir este artista, de que ninguém ouviu falar e que ainda não tinha lançado qualquer álbum. Ele mesmo irá produzir o seu disco. Fui lá e lutei por isso. Eles concordaram em organizar um teste onde Prince gravaria todos os instrumentos sozinho, fora de Minneapolis. Mas eu disse a Prince, "tens um tempo livre no estúdio, faz uma música". Saímos de lá e ele gravou a bateria perfeitamente, voltou e gravou o contrabaixo. Depois o estúdio ficou cheio de pessoas de pé e ele não fazia a menor ideia, mas eram os melhores produtores da época: Lenny Waronker, Russ Titelman, Eddie Templeman e algumas outras personalidades da Warner Brothers. Ficaram muito surpresos. Portanto, o teste deu resultado.

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Entrei no estúdio e eles disseram, "olha, ele claramente sabe como fazer um álbum, e corremos o risco de precisar de descartar um disco, mas ele vai chegar lá". Nenhuma editora faria isso hoje em dia. Nem sequer correriam o risco. O Prince provavelmente não ficaria famoso hoje em dia devido às restrições que lhe seriam impostas. Conquistámos coisas grandiosas: o maior contrato de gravação de um artista desconhecido da história até então, que ele mesmo produzisse e convencemos a editora a deixá-lo tocar todos os instrumentos.

Então o plano era produzir tudo em Minneapolis e gravar com a ajuda do engenheiro Tommy Vicari [Michael Jackson, Whitney, Justin Timberlake]. Porém Vicari não podia gravar no estúdio por diversos motivos e tu não querias que Prince fosse para Los Angeles. No fim de contas aceitaste gravar o disco em Sausalito, do outro lado da Baia de São Francisco, mas nem tudo saiu como planeado por lá…
Certo. Quando já estávamos a gravar há uma semana em Sausalito, Prince chegou a casa e disse-me, "não consigo trabalhar com este engenheiro". E eu respondi "espera lá. Acabei de convencer a Warner Brothers a dar-nos tudo o que queríamos e agora queres livrar-te do engenheiro deles? Eles vão cancelar o projecto! Vai tudo por água abaixo!". E ele diz, "bom, tens de o demitir. Vou fazer isso por ti".

Porque é que Prince não gostava dele?
Ele é um engenheiro incrível, ganhou Grammys, é um gajo de alto nível. Não era mau, só… não tinha a mesma vibe que nós. E Prince tem uma característica interessante: tem um intelecto excepcional e uma habilidade para absorver tudo que está a acontecendo num determinado ambiente. É algo muito, muito especial e acho que é uma das suas maiores qualidades. Depois de duas semanas no estúdio com Vicari, ele entendeu tudo e disse, "ok, eu sei fazer isto". [Risos]. Então tive que abrir o jogo com a Warner Brothers.

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E eles não se passaram?
Claro que se passaram. Uma vez, o presidente da Warner Brothers ficou nervoso porque eu não lhe ligava para dizer como estavam as coisas e os vice-presidentes de marketing, Russ Thyret e Lenny Waronker, voaram para o estúdio. Queriam ficar por dentro do que se estava a passar. Prince estava a gravar a primeira música de For You, "So Blue", e nesta não tocava baixo. Lenny disse, "vai ficar incrível quando adicionares o baixo". Prince olhou para cima e disse, "não vou tocar baixo nesta música. Sai daqui. Desaparece do meu estúdio". Ele mandou o presidente e o vice-presidente de marketing, os gajos que aceitaram promover o disco, desaparecerem do estúdio. [Risos]. Fui ao hall de entrada e a minha voz estava a falhar. Eles olharam para mim e disseram, "nós entendemos. Deixa-o estar. Deixa-o fazer o que quiser".

Uau. Foram bastante compreensivos.
Sim! Por isso é que a Warner Brothers tinha tantos hits. Nos anos 70 lançaram êxito atrás de êxito. Então foi isso que aconteceu, nunca mais nos chatearam. Ele ficou muito, mas muito tempo a produzir o disco. Queria que ficasse perfeito, mas, sinceramente, não é bom fazer um disco perfeito, porque os discos perfeitos podem ficar estéreis; as imperfeições dão-lhes profundidade.

Vamos falar sobre algumas músicas…
Ele fez uma música a capella chamada "For You", que é tipo 30 vozes de Prince sobrepostas. É a primeira música do disco e é muito directa ao assunto. Fizemos demos para a maioria das músicas dele, antes dele as finalizar, como "My Love Is Forever", "So Blue" e "In Love". O foco e a criatividade brilhantes de Prince são características que testemunhei pouquíssimas vezes na indústria da música. Na verdade, acho Michael Jackson inacreditavelmente brilhante pelo que fez, compôs e lançou. Se Prince está no mesmo patamar que John Lennon e Bob Dylan? Talvez sim, talvez não. Se não está, ao menos chegou muito perto de estar naquele universo. É uma carreira longuíssima que amadureceu e ele levou o seu público na sua viagem, na sua jornada ao longo dos anos e eles amadureceram com ele.

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Tens alguma história de quando estavam a gravar uma música específica?
Há outra música chamada "Baby", que também tínhamos feito como demo. Foi nessa que incluí a orquestra. Imagina isto: um adolescente que tinha acabado de fazer 18 anos escreveu uma música sobre ter engravidado a namorada, não saber o que fazer e todo esse dilema e no final da música ele diz, "espero que o seu bebé tenha olhos iguais aos seus". É algo tão carinhoso… E Prince é um badass do funk, mas também há muita ternura no que ele escreve. Se prestares atenção à letra ficas arrepiado. A mesma coisa acontece em "So Blue". Acho que ele estava apaixonado pela Joni Mitchell naquela época e essa foi a sua homenagem a ela.

Mas ele também tinha um lado mais rock n' roll.
Sim. A primeira coisa que Prince me disse depois de termos fechado o contrato é que não queria ser rotulado como um artista de R&B. Pouquíssimas pessoas quebraram as barreiras como ele fez. Marvin Gaye e Sly and the Family Stone quebraram as barreiras entre rádio negra e rádio branca, mas ele não queria ser rotulado. Naquela época, se eras um artista negro, tinhas que viver no meio negro, que era composto por rádios negras e era preciso construir uma personalidade e depois desconstruí-la. Ele não queria submeter-se a isso e deixou-o bem explícito no segundo álbum, quando "I Wanna Be Your Lover" atingiu os tops. Ele não queria saber de barreiras, tinha repulsa por elas. Só queria fazer música boa e sabia como o fazer.

A tua mulher naquela época era cabeleireira de Prince, certo?
Bem, toda a gente se mudou e montou acampamento em Sausalito e Los Angeles e, sim, cuidávamos de Prince porque ele era muito jovem. Nos certificávamo-nos de que ele comia todas as refeições, que os seus lençóis estavam limpos, que o seu cabelo estava bem tratado. A Britt tratava sempre do cabelo e ele até chegou a falar disso numa carta que me escreveu.

É uma loucura pensar que ele era apenas um adolescente.
É bastante alucinante. Não sei sequer dizer se ele tinha carta de condução naquela época. A sério. Eu agenciei outras bandas que moraram na mesma casa durante um ano enquanto faziam concertos, mas não era o caso dele, ele não tinha nada. Zero. Nadinha. Morava numa cave.

Actualmente és professor na UCLA. Qual é o teu conselho para jovens artistas?
[Suspira]. Estás com tempo? Em primeiro lugar, Prince é uma "aberração". Nem toda a gente é tão intensa como ele e tem coragem de mandar as pessoas para o caralho, ou para se porem na alheta. Acho que um conselho que posso dar para muitos músicos de hoje em dia é: façam parcerias, façam músicas juntos, dêem a outra face, conquistem experiência a trabalharem com diversas pessoas diferentes… Não pensem em fazer tudo sozinhos, ou em compor sem ajuda de outra pessoa. E tirem vantagem das redes sociais de hoje em dia. Não havia nada disso na época em que Prince surgiu. É possível tirar vantagem disso. Vou dar-te o conselho que costumo dar no primeiro dia de aulas. Aprende isto: o importante é entender o show business. Nem tudo é uma questão de arte, ou amigos, mas sim de show business. Mostra que tens atenção aos negócios, ou podes dar-te mal.

Qual é a recordação mais valiosa que Prince te deu?
Provavelmente uma carta que me escreveu. Não quero falar muito, mas é uma carta muito bonita, em que ele fala sobre o seu amor por mim e sobre o que queria fazer. Provavelmente é da época em que estávamos a separar-nos. Senti que já tinha feito o meu trabalho: escolher uma pessoa que praticamente nunca tinha entrado num estúdio e fazer tudo acontecer. Houve um tempo em que eu simplesmente já não queria estar envolvido nisto, então disse-lhe que ia saltar fora e ele escreveu-me uma carta. Naquela época pensei, "meu Deus, ele transformou-se numa prima donna grotesca". Agora, em retrospectiva, dei-me conta de que ele precisava muito daquele tipo de apoio. E precisava muito que fizessem aquelas coisas [por ele], para que pudesse dedicar-se 150 por cento à música. Eu não possuo muitas coisas, mas o que tenho é excepcionalmente interessante. E aquela carta estará sempre comigo, provavelmente até ao dia em que eu morrer.

Owen Husney trabalha actualmente na UCLA e está a escrever a sua autobiografia.

Kim Taylor Bennett é editora do Noisey e está no Twitter.


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