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Música

Uma entrevista escrita a sangue negro

Não precisam de ter medo.

Não precisam fugir a sete pés, como o diabo da cruz, que isto não é um artigo sobre rituais satânicos ou sacrifícios humanos. Entrevistei o mentor do projecto musical La Chanson Noire, que afirma ter como principal objectivo “a divulgação dos prazeres da decadência, a apologia da exuberância e da extravagância, a defesa da liberdade e da libertinagem”. O álbum

Cabaret Portugal

, a ser editado no próximo dia 1 de Abril, comprova-o: é um cadáver esquisito que tem faixas com títulos tão sugestivos como “Valsa Suína” ou “Sonho de Uma Noite de Varão”. Entre outras coisas, aqui fala-se do Rei Ghob, doenças venéreas e luvas tornadas objectos de merchandising. E também se solicitam voluntárias para uma possível edição discográfica assinada em sangue menstrual. Eventuais interessadas deverão contactar Charles Sangnoir.

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VICE: De onde vem o nome La Chanson Noire? Sabias que Johnette Napolitano (ex-vocalista de Concrete Blonde) tem uma música com esse nome?

Charles Sangnoire:

La Chanson Noire vem de um exercício abstrato, foi essencialmente um

brainstorming

que fiz no sentido de buscar um nome que transmitisse a ambiência do projecto que tinha em mãos. Na altura não conhecia o tema da Johnette Napolitano — entretanto tomei contacto com o tema, mas confesso que não fiquei apaixonado.

Pareces ter um grande número de influências. Quais foram os artistas que mais te influenciaram, sejam ou não autores malditos?

É difícil fazer uma lista justa e exacta. No fundo, qualquer artista absorve muita coisa e há influências que se tornam mais presentes que outras. No entanto, de uma forma muito generalista, posso dizer que fui consideravelmente influenciado pela cultura anarko-punk. Em termos musicais, o meu gosto oscila entre coisas tão distintas como Napalm Death e Serge Gainsbourg ou Carlos Paião e os Moonspell. A nível de literatura interesso-me muito pelo horror e pela poesia surrealista.

O disco Cabaret Portugal conta com um lote de colaborações heterogéneas, como Adolfo Luxúria Canibal, Fernando Alvim, Fernando Ribeiro ou Nuno Markl. São contributos para divagares tanto no ultra-romantismo como no kitsch, tanto na ópera como na adega, tanto na pop-art como na feira de Coina?

Neste disco quis criar uma coisa verdadeiramente esquizofrénica. Peguei num conceito nascido do surrealismo francês, o

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cadavre exquis

, e decidi criar um pastiche de colaborações entre diversos autores e artistas em que todos tivessem um fio condutor — o título —, mas sem terem qualquer conhecimento do que uns e outros estivessem a produzir. Para ser franco, acho que podia ter ficado uma merda, juntar mais de 30 colaborações apenas com títulos como fio condutor podia dar em algo terrivelmente estúpido, mas por boa fortuna os astros alinharam-se e todas as peças encaixam na perfeição.

Existe algum statement inerente ao facto de lançares o novo disco, Cabaret Portugal, no Dia das Mentiras?

Não existe um

statement

explícito: eu gosto sempre de escolher datas caricatas para lançar os meus discos. No entanto, não posso deixar de pensar no estado actual das coisas e considerar que em tempo de ladrões e mentirosos a data acabou por ser muito bem escolhida.

Quais são os prazeres da decadência que pretendes divulgar e quais são os teus maiores prazeres decadentes?

Acredito que estamos a viver uma nova época vitoriana, cheia de coisas interessantes, novidades estranhas, mas também de repressão e puritanismo. Enjoa-me ver os tiques sociais, a pseudo-etiqueta, e enjoa-me de igual forma ver que as pessoas se estão a deixar enclausurar numa gaiola dourada onde se apregoa uma liberdade que não existe. A apologia da decadência surge como uma salvaguarda, como um Grito do Ipiranga, para que não nos esqueçamos de fazer o que nos dá na real gana, independentemente do que o nosso vizinho de Facebook vá achar. Todo eu sou decadência neste aspecto e o meu maior prazer é mexer com a cabeça das pessoas (se bem que “putas e vinho verde” é um adágio que me cai muito bem).

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O videoclip de “Valsa Suína” mostra afinidade com os filmes de zombies. Pergunto se o filme Massacre no Texas não terá sido também uma fonte de inspiração?

Por acaso não, embora goste muito de cinema de terror. Esse nem é daqueles que mais me toca, gosto mais dos filmes da Hammer ou europeus de série B dos anos 80 — muitas tetas e muitas tripas. O vídeo da “Valsa Suína” surgiu em grande medida do realizador, o Pedro Rodrigues, que é um mestre no horror à beira mar plantado. Quando se conhece gente assim é entregar o volante e apreciar a viagem.

Zombies e sodomização homossexual, ainda assim menos aterrador que a sextape do Castelo Branco

Ainda sobre “Valsa Suína”: não é muito comum ver-se sodomização homossexual em videoclips.

Pois não, mas acho que dá todo um colorido refrescante à coisa.

Gostavas de dar um concerto no castelo do Rei Ghob?

Não necessariamente, mas não me importava de dar um concerto durante a sua execução pública (e atenção que ser parvo é, por vezes, pior que ser homicida: este senhor deveria ser acusado de ambos os crimes).

As tuas luvas são bastante emblemáticas. Estão, por, exemplo, no videoclip de “Caixão à Cova” e na actuação na Balcony Tv (“Bordel de Lucifer”). Poderão ser um objecto de merchandising?

As luvas

são

um objecto de merchandising, mas infelizmente a ideia não é minha. Pertence inteiramente a uma marca nacional que fabrica malas e roupa interior feminina.

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Este bordel é uma bela porta de entrada para o universo de Charles Sangnoir.

Pelo que pude perceber pelo tema “Oceano Cor de Rosa”, tens uma paixão em comum com Saddam Hussein…

Provavelmente partilhamos mais que uma paixão. A paixão por cemitérios, por exemplo. Mas já neste aspecto, o senhor Hussein chegou lá primeiro que eu.

“Caixão à Cova” é sobre os prazeres e perigos de uma ida às putas?

É sobre os prazeres e perigos de enfiar o pirete onde não deves — as doenças venéreas têm muito que se lhes diga —, mas isto tanto se aplica a uma ida ao bordel da aldeia como a comer a filha do agricultor por entre fardos de palha.

Pelo que li, o teu primeiro trabalho (Canções de Faca e Alguidar) teve uma edição limitada de 50 cópias numeradas com o teu sangue. Achas que desmaiavas se subisses a parada?

Acho que gostava de fazer uma edição assinada em sangue menstrual — não meu, claro. Por razões óbvias. Conheces algumas voluntárias?

Tudo isto é pura merda?

Grande parte disto é pura merda. E o cheiro está cada vez pior.