Fui a uma manifestação que acabou num espectáculo de variedades

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Fui a uma manifestação que acabou num espectáculo de variedades

De mau a péssimo.

Já recentemente tínhamos assistido aos avanços e recuos da CGTP aquando da manifestação na ponte 25 de Abril. Parece que a hesitação fez escola e o Que Se Lixe a Troika, apreciando a conduta dos sindicalistas, quis apresentar-nos um remake de como organizar uma manifestação obediente.

Primeiro, foi o

pedido de autorização a Assunção Esteves

para usar a escadaria da Assembleia da República e depois

a "negociação" com a PSP

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, que acabou num retrocesso daquilo que havia sido acordado inicialmente. Apesar destes episódios terem a sua importância, não seriam três palmos de escadaria que iriam influenciar todo o protesto do último Sábado.

Com cerca de meia-hora de atraso (era suposto que arrancasse às três da tarde), a frente da manifestação avançou para rua do Ouro em direcção ao Cais do Sodré. Os manifestantes percorreram mais de três quilómetros, do Rossio até São Bento, passando pela Câmara de Lisboa e fazendo uma boa parte da avenida 24 de Julho.

Não meu, não quero comprar o teu jornal.

Chegados ao Rossio, os manifestantes facilmente perceberam que a manifestação não espantaria pelos números — a organização apontou para dez mil pessoas, mas não estariam mais que três ou quatro mil pessoas. Desta vez, nem a mega-operação de marketing do

suposto apoio à Troika

, que conseguiu enganar redacções e jornalistas para demonstrar quão tendenciosos podem ser os media, serviu para reunir os milhares que a organização gostaria.

Esta malta invadiu um restaurante e eu curtia ter estado lá.

Durante a viagem (que eu atalhei mais ou menos a meio) foi possível ver, que apesar dos números, a contestação era ruidosa e assemelhava-se à do ano passado, com os manifestantes a repetirem em uníssono “Passos, ladrão, o teu lugar é na prisão” ou “Passos, escuta, és um filho da puta”.

Contraram o mesmo designer, por lapso.

Cerca de cinco minutos antes de os manifestantes chegarem a S. Bento, o palco estava montado, o sound check estava feito. Nesse instante, e em nome da independência partidária, foi elevada uma faixa com

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frase, lettering e ilustrações ligeiramente semelhantes

àquela que o Bloco de Esquerda usou na pré-campanha autárquica. Tudo em prol da convergência e da luta unida.

"O quê? Mais uma banda?

"

O ambiente que se viveu na avenida D. Carlos I até prometia coisas maiores mas aquelas cantigas de embalar com que os manifestantes foram recebidos antecipavam o pior. Aos poucos as pessoas foram chegando e todo o espaço em frente à Assembleia foi ocupado. Dali em diante, as canções, a poesia, os discursos foram-se sucedendo alternadamente, para não enjoar.

"Mais meia-hora de cantares e bazo."

Passada uma meia-hora e já havia um encore (que não foi pedido) de um swing (que também não foi pedido) que repetia qualquer coisa como “já não temos mais nada para a troika”. O público (e foi precisamente assim que as pessoas foram tratadas) fartou-se. Algumas pessoas, naturalmente defraudadas, acharam por bem dizer que não estavam ali para cantorias e começaram a assobiar as actuações. A set list da organização do Que se Lixe a Troika tinha sido posta à prova e o instinto de sobrevivência do movimento falou mais alto. No final da canção, como se de um comício partidário se tratasse, alguns elementos saltaram para o palco e voltaram a apelar ao chavão do “estamos aqui contra a troika” e gritaram algumas palavras de ordem. A maior parte dos manifestantes  não resistiu ao apelo e espectáculo de variedades pôde assim continuar.

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Jel, um dos derrotados das últimas autárquicas.

Os discursos (salvo raras excepções) traziam muito pouco ao que já se sabia. Rapidamente se percebeu que os manifestantes começavam a dispersar e só restaram uns poucos que acreditavam que faltava pouco para que aquele artifício (não foi por acaso que a interpretação que um actor fez foi a intervenção mais aplaudida) acabasse. Mas não foi assim, a organização do QSLT tinha preparado o evento até tarde. Ao todo foram mais de duas horas de discursos de precários e desempregados (nada que não possamos ver no Youtube com uma qualidade extra) dirigidos a uma multidão igualmente precária e desempregada.

Xau aí. Vemo-nos no Avante.

No final ficou a derrota de uma organização que levou uns poucos até S. Bento e que no fim os obrigou a assistir a um evento de cariz cultural duvidoso. Aqueles que compareceram à chamada, provavelmente, irão pensar duas vezes antes de voltar a lançar-se numa caminhada destas. É uma pena que o Que Se Lixe a Troika

continue em negação

e tenha chegado ao ponto de não perceber que a sua existência importa cada vez a menos pessoas, e que a sua função de conjunto-agregador (a única que lhe sobra e que deriva de uma adesão popular anterior) talvez tenha os dias contados.