Porque é que vemos tanta pornografia?
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Sexo

Porque é que vemos tanta pornografia?

Porque é que o porno tem tanto sucesso? Há várias respostas para esta pergunta tão simples.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA

Após uma árdua batalha que envolveu diversos procedimentos médicos, os meus filhos foram concebidos através de fertilização in vitro . A minha mulher suportou todo este processo que envolve uma série de injecções, exames e cirurgias. E a minha diminuta contribuição consistiu em masturbar-me num ambiente nada sensual de um consultório médico.

Uma enfermeira carrancuda deu-me um copo de plástico e conduziu-me ao local designado, decorado com pinturas de paisagens marítimas amadoras, móveis cobertos com plásticos pouco atraentes e uma pilha de revistas marotas - Penthouse, Hustler e por aí fora. Estávamos em 1996, antes da era da pornografia na Internet e quem gostasse de alguma coisinha assim mais diferente estava tramado. Era complicado entrar no esquema, mas no final de contas ajudava ter aquelas revistas por perto. Fiz o meu serviço com o auxílio de uma edição da Penthouse e entreguei o meu copinho, ainda quente, com um sorriso tímido.

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Por mais que os dados sejam quase de certeza subestimados, um estudo recente revelou que 66 por cento dos homens e 41 por cento das mulheres norte-americanas vêem pornografia pelo menos uma vez por mês. Uma análise dos pacotes de dados de servidores da Internet indicam que cerca de metade do tráfico na rede provém da pornografia. Há quem considere este dado um mito, insistindo que o número é bem menor, cerca de quatro por cento. Os verdadeiros números são desconhecidos e a pornografia mantém o seu estatuto de tabu cultural, mas poucos questionam a sua popularidade.

"Se a pornografia não neutralizasse os circuitos do cerebelo que detectam e suprimem as consequências sensoriais do nosso próprio movimento, seria muito menos eficaz no que à masturbação diz respeito".

Porque é que a pornografia tem tanto sucesso? Há várias respostas para esta pergunta tão simples. Mesmo que muitas vezes seja utilizado para criar um certo ambiente na actividade sexual, a maioria do consumo pornográfico, por homens e mulheres, está virado para a masturbação. Na verdade, muitas pessoas têm dificuldade em chegar ao orgasmo com a masturbação sem o uso da pornografia.

Mas, como é que a pornografia ajuda? A nível psicológico pode dizer-se que a pornografia ajuda na auto-indução do orgasmo, ao aumentar a excitação sexual, promovendo fantasias. Estas respostas estão correctas, mas talvez também estejam incompletas e não captem o aspecto neuro-biológico da auto-estimulação.

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Estamos programados para dar menos atenção aos sinais tácteis, derivados dos nossos próprios movimentos, em comparação com os que vêm do mundo exterior. Por exemplo, quando caminhamos pela rua, quase não sentimos as nossas roupas a roçar contra a pele. No entanto, se tivéssemos as mesmas sensações, de pé, parados, estas seriam extremamente evidentes e exigiram a nossa atenção: quem, ou o que é que está a esfregar-se em mim? Isto faz sentido: as sensações externas são mais passíveis de chamar a atenção, porque são possivelmente perigosas.

Este fenómeno é claramente ilustrado no caso das cócegas. A maioria das pessoas não consegue fazer cócegas a si mesma. A sensação táctil é muito mais fraca do que quando outra pessoa nos faz cócegas. Sarah-Jayne Blakemore e os seus colegas do Instituto de Neurologia de Londres, levaram a cabo experiências em que os voluntários recebiam cócegas ou deveriam fazer cócegas a si mesmos enquanto eram examinados por uma máquina que monitorizava a actividade cerebral.

As cócegas activavam certas regiões do cérebro, relacionadas com a descodificação da localização exacta e com a qualidade do toque. Quando a experiência foi repetida - com as cócegas feitas pelos próprios voluntários -, a activação destas regiões reduziu-se, em comparação às cócegas comuns.

Porém, ao mesmo tempo, as cócegas feitas pelos próprios pacientes produziram um forte estímulo no cerebelo (uma parte do cérebro que recebe tanto sinais tácteis, como instruções de outras regiões que dão início aos movimentos), como os sinais eléctricos que passam através dos neurónios para controlar os músculos da mão e do braço durante o acto das cócegas. O cerebelo é activado quando as instruções de movimentação estão relacionadas com um feedback dos sensores tácteis da pele. Os nossos cérebros sabem quando estamos a utilizar as nossas mãos e, por isso, reduz a sensação.

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As semelhanças entre as cócegas e a masturbação são óbvias. Em ambos os casos, o cerebelo será activado de forma a suprimir a actividade neural nas partes do cérebro que reagem aos componentes do toque, tanto sensoriais, como emocionais. Para intensificar os sinais tácteis, durante a masturbação, um gajo pode entrar num estado de devaneio, ou melhor ainda, utilizar a pornografia. Ambas as técnicas activam a parte visual e outras regiões sensoriais do cérebro. Mesmo que estejas a ler um conto erótico em vez de estar a ver um vídeo, isso afectará as regiões mais visuais do teu cérebro, criando uma imagem mental da história.

(Vale a pena mencionar que, tanto quanto sei, esta teoria não foi testada em laboratório – e é improvável que tal aconteça, tendo em conta as prioridades de financiamento do governo)

"Mesmo que estejas a ler um conto erótico em vez de estar a ver um vídeo, isso afectará as regiões mais visuais do teu cérebro".

O facto de que nos excitemos com os actores pornográficos, da mesma forma que reagiríamos a uma carícia na nossa própria pele, tem a ver com a informação recebida pela ínsulaposterior, o principal centro cortical activado pelas carícias e ponto crucial do cérebro emocional. Além das fibras nervosas activadas pelas carícias, a ínsula posterior recebe informações visuais altamente processadas.

O simples facto de ver um vídeo do corpo a ser acariciado activará a ínsula posterior de alguém, como se essa mesma pessoa estivesse a ser tocada. A activação dos centros tácteis emocionais causada pela pornografia, contraria a acção do cerebelo de atenuar a sensação do toque feito pelo próprio indivíduo. O resultado é que a subida da actividade dos centros tácteis emocionais aumentará ainda mais a intensidade e o prazer da sensação do toque, facilitando o orgasmo.

É mesmo assim. Se a pornografia não neutralizasse os circuitos do cerebelo que detectam e suprimem as consequências sensoriais do nosso próprio movimento, seria muito menos eficaz no que à masturbação diz respeito e não teria um papel tão importante nas nossas vidas culturais e privadas.