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análise

Que é feito dos metrossexuais?

O termo "metrossexual" foi cunhado em 1994, pelo escritor Mark Simpson.
Illustration by Marta Parszeniew

Este artigo foi publicado originalmente na VICE UK.

Quando tinha 13 anos ficava fascinado com os produtos para o cabelo que prometiam dar textura, controlo e volume à minha guedelha gordurosa. Chegou a um ponto em que utilizava várias coisas ao mesmo tempo e os meus folículos capilares acabavam transformados num peganhento monte de spray. Abaixo do merengue de fibra de vidro que era o penteado, o resto do meu ser era uma combinação de aftershave Paul Smith, creme hidratante Nivea, calças Levi's e imitações de camisolas de futebol dos anos 70 com as letras "BRA" de um lado e "ZIL" do outro.

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Era um look ridículo para qualquer um, mas em particular para um miúdo de 13 anos. A minha pele carregada de borbulhas não necessitava de mais hidratação e nem sequer tinha um bigode ligeiro para amostra, pelo que o aftershave era totalmente desnecessário. Mas este look não era algo que fosse imposto pelos meus amigos que, nessa altura, seguramente, ainda usavam roupa comprada pelas mães e metiam desodorizante roll-on. Era um look de gajos mais velhos: os metrossexuais.

"Na sua essência, são homens que reflectem a sua época: com muito estilo, egoístas e destinados à perdição".

O escritor Mark Simpson cunhou o termo "metrossexual" em 1994, mas, no livro que escreveu em 2002 sobre esta tribo, explicou-o muito melhor: "O metrossexual típico é um jovem que tem dinheiro para gastar e que vive na cidade, ou próximo dela - porque é lá que estão as melhores lojas, as melhores discotecas, os melhores ginásios e os melhores salões de estética. Pode ser gay, hetero ou bi, ainda que seja irrelevante, pois é óbvio que se tem a si próprio como objecto de amor e prazer em termos de preferência sexual".

Na sua essência, são homens que reflectem a sua época: com muito estilo, egoístas e destinados à perdição. Tendo em conta os padrões de fluidez de género e modificação corporal de hoje em dia, estes seres não são muito revolucionários. No entanto, os metrossexuais eram os dandies pós-11 de Setembro e pré-crise económica, que fodiam como se não houvesse amanhã, mas cuidavam da sua pele, viam futebol, mas cuidavam do seu cabelo e bebiam cerveja, mas cuidavam dos seus dentes. Conduziam um BMW Z3 e tinham uma Vespa vintage. Tinham as paredes das suas casas de solteiros forradas com imagens em lona de Bobby Moore e Michael Caine. Bebiam cerveja frutada e entregavam-se de bandeja às raparigas que trabalhavam em relações públicas. Isto era masculinidade.

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Há uma quantidade infindável de exemplos: as campanhas dos óculos Police com David Beckham, o trabalho de Gordon Ramsay antes de se converter no lunático que cospe comida crua em restaurantes americanos, José Mourinho antes de abraçar a faceta de pai de família refastelado no sofá, a obra completa de Tom Ford, o personagem de Hugh Grant em "About a Boy" e o vídeo de "Gotta Get Thru This", de Daniel Bedingfield, em toda a sua gloriosa representação da Geração Y.

A conduta, a filosofia e a estética do homem metrossexual foram retratadas no remake de "Alfie", que estreou em 2004, e em que Jude Law se passeia por Manhattan de scooter, quebra corações e hidrata a pele do rosto todos os dias. Assim como "Taxi Driver" era dirigido a toda uma geração de homens que sofriam a desilusão posterior à guerra do Vietname, "Alfie" era para o homem pós-Geração Y, cuja maior preocupação se prendia com a oleosidade da zona T.

Esta foi, durante algum tempo, a bandeira da masculinidade: os jogadores de rugby começaram a depilar-se, primeiros-ministros começaram a ser capas de revistas de moda e quase toda a gente deixou de usar gravata durante 10 anos. Foi a primeira vez na história em que se tornou muito possível levares um murro na tromba de alguém que usava tónico facial.

Mas algo sucedeu na elite citadina mais endinheirada: essa ideia de sexualidade super suave, gravatas finas, scooters e compilações de música para relaxar tornou-se antiquada. Um novo tipo de homem surgia no horizonte: aqueles com pinta de lenhadores, rudes, com muito pêlo, que adoram carne de porco extremamente bem passada, têm a barba bem tratada e bebem cerveja de barril.

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Fotografia: Javier Cabral

Tudo mudou. Os restaurantes de comida italiana transformaram-se em hamburguerias, os Zero 7 transformaram-se em Caribou e Jude Law transformou-se em Bon Iver. Foi como se nos tivessem roubado o futuro que nos tinham prometido e nos tivessem deixado numa obscuridade cultural em que toda a gente desatou a abrir cafetarias gourmet com palavras esquisitas no nome. Entretanto, os metrossexuais originais tiveram filhos, foram à falência e agarraram-se à coca. Mudaram de casa e venderam os discos do Miles Davis.

Claro que estes dois conceitos são igualmente ridículos e falsos, mas a diferença entre eles diz-nos muito sobre o que se tem passado na sociedade nos últimos anos. Com toda a alarvidade capitalista, os metrossexuais acreditaram na indústria, na produção em massa e nas marcas: Nivea, BMW, HMV e Absolut Vodka. Enquanto os lenhadores de hoje são hedonistas que desconfiam de tudo o que é feito fora do país, criam a sua própria cerveja e vendem-na a pessoas iguais a eles.

Os metrossexuais, com todos os seus pecados, viam-se a si próprios como homens do mundo, nem que fosse só por terem um poster do "La Dolce Vita" na cozinha e serem amigos do chef do seu restaurante italiano favorito. Os lenhadores vêem-se a si mesmos como pessoas enraizadas à sua cidade, que levam a cabo uma espécie de neo-tribalismo excêntrico e competem com gente de outras cidades do país para ver quem tem a melhor cerveja e o melhor cachorro-quente.

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"Enquanto os metrossexuais deixaram uma pegada tangível na cultura contemporânea, é complicado imaginar qual vai ser o legado dos 'lumbersexuals'".

Embora nenhum queira ouvir a verdade, ambos são resultado das políticas das suas épocas respectivas. Os metrossexuais eram produto de pessoas como Tony Blair, ou de playboys internacionais que vendiam e compravam armas, vestidos com os seus fatos Paul Smith, que cometiam atrocidades enquanto ouviam "A Rush Of Blood To The Head" na primeira geração de iPods. Por sua vez, as hordas de adoradores de barbas e carne de porco são filhos bastardos do "Big Society", gajos vestidos com roupas de trabalhador, que buscam desesperadamente recriar o ambiente de "To Kill A Mockingbird" e, ao mesmo tempo, recusam que algo tão insignificante como a classe trabalhadora se intrometa no seu caminho.

É impossível saber qual destas tribos é melhor ou pior. Ambas têm os seus pecados. Não obstante, enquanto os metrossexuais deixaram uma pegada tangível na cultura contemporânea, é complicado imaginar qual vai ser o legado dos "lumbersexuals", para além de terem convertido em cafés da moda todos os baldios que se lhes atravessaram à frente.

O legado dos metrossexuais é vísível nos homens, que são cada vez mais femininos. No lápis de olhos para homens, nos bronzeados de solário, na obsessão por ginásios e pelas bebidas com proteínas. É algo que foi mais além, do que vender café barato a preços exorbitantes, e, se calhar, apesar de ser tão ridículo, mudou a nossa forma de entender a masculinidade. Enquanto isso, os lenhadores servem apenas para desafiar as ideias do futuro e passam o tempo a "reclamar o que é seu", em vez de o "reimaginarem".

É fácil criticar os metrossexuais, mas quem sabe se não eram apenas vanguardistas, sonhadores esquecidos, com um legado que foi além do mundo em que viviam. Sonhadores, hidratados e depilados, que conduzem Vespas rumo à liberdade que, provavelmente, acabámos de encontrar.


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