FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Why Portugal? Porque podemos

Em 2017, Portugal é o país em foco no Eurosonic. A nova música feita em Portugal terá uma montra única (e inédita) para mostrar-se ao mundo.

Segue-nos no Facebook para descobrir as histórias que mais ninguém conta.

Cerca de dois milhões é o número estimado dos espectadores de festivais. NOS Primavera Sound. Fotografia de Ágata Xavier.

Ninguém sabe se agora é que é, mas pelo menos há vontade, e sobretudo, existe uma estratégia. Portugal será o centro das atenções em Janeiro de 2017, no Eurosonic, um evento dedicado à música, que agrega não só o que de melhor se faz na Europa, mas que também é local de conferência, assim como de diversos negócios, promoções e showcases.

Publicidade

A denominação correcta em "eurosoniquês" é: country focus. Quer isto dizer que, em vez dos dois ou três projectos nacionais que, habitualmente, marcam presença no certame, para o ano vão uns 20. E isso é de valor. Assim cantará a música feita em Portugal em 2016, na Holanda, na cidade de Groningen.

Mas o Why Portugal é o quê? "Why Portugal é uma marca que visa estabelecer uma plataforma de music exchange, num país sem export office para a música", sintetiza à VICE Nuno Saraiva, vice-presidente da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMAEI). "Aqui o que vamos fazer é uma plataforma que vai fortalecer as acções / missões de exportação - como por exemplo o country focus do Eurosonic - numa lógica de ligar os players dos vários sub-sectores da música em Portugal, com os de outros territórios", clarifica.

Mas então, porquê Portugal? Quais são os nossos trunfos? Jorge Bizarro, presidente da AMAEI, refere que "Portugal é o ultimo segredo da Europa. Somos do Sul, mas não somos mediterrânicos, somos atlânticos. E essa conjugação de Europa do Sul e Oceano Atlântico faz com tenhamos uma cultura única e, de certa forma, híbrida".

"É aqui que África encontra as influências Anglo Saxónicas. O nosso consumo de música é muito Anglo. Em Espanha - aqui ao lado - já não é assim e eles até se riem disso, mas a realidade é que nós não pertencemos ao "Club Med"… isto do ponto de vista cultural. Na prática, temos 215 festivais de música, com público estimado em dois milhões, cerca de 150 editoras de música e cerca de 70 estúdios de gravação. Tudo isto com um clima e praias únicos na Europa. Sim, porque a praia também pesa muito na nossa cultura e por uma razão simples: porque podemos!", sublinha Jorge Bizarro. E realça: "É óbvio que as condições estão cá e falta apenas o pretexto para a nossa indústria musical se tornar relevante na Europa. É esse o objectivo do Why Portugal, tornar Portugal não o fim, mas o principio da Europa. É tudo uma questão paradigmática".

Publicidade

Da Chick foi uma das representações nacionais no Eurosonic 2016 e mandou a casa abaixo.

Um dos players que vai a jogo, Hugo Ferreira, da editora Omnichord Records, acrescenta: "Começámos a pensar nesta ideia de criar um portal e queremos que seja uma coisa quase independente e de desígnio nacional. Aliás, como alguns de nós também somos managers, seria de esperar que tentássemos colocar as nossas bandas, mas desde o início que acertámos que qualquer projecto português poderá candidatar-se para a base de dados deles (Eurosonic) e a nossa base de dados (Why Portugal) é uma espécie de montra que vai funcionar tanto para o Eurosonic, como para outros festivais. Vamos tentar promover esta marca em todo o lado. Creio que não será ambicioso demais pensar que o Eurosonic não é um ponto de chegada, mas sim de partida".

Não deixa de ser curioso que tudo isto parta de um movimento mais underground e independente. Onde anda o mainstream? O presidente da AMAEI responde: "Num momento inicial sim, saiu de um movimento mais restrito, mas já tivemos o apoio das majors através da Audiogeste, que é a sociedade gestora dos direitos conexos fonográficos em Portugal, também a APORFEST [Associação Portuguesa Festivais Música] e o MMF Portugal [Music Managers Forum Portugal, uma associação profissional de managers na área da música]. Todos eles já demonstraram o seu apoio do lado dos festivais e managers, respectivamente".

Publicidade

"Queremos envolver todos as partes da industria da música, editoras, estúdios, produtores, managers, festivais, agentes culturais, técnicos… Precisamos da colaboração de todos!"

"Na minha opinião, a explicação pode estar nos diferentes objectivos entre o sector independente e as multinacionais. No sector independente o nosso mercado é, sobretudo, o nacional e, como tal, as edições são sobretudo as bandas nacionais. Nas majors, as agendas são internacionais e as edições na maioria também", refere, para logo de seguida enfatizar: "Torna-se crucial a procura de soluções de mercado para o sector independente. O nosso mercado é pequeno e a exportação aparece como a solução mais evidente".

Ou seja, a iniciativa pode ter partido do sector independente, por razões de necessidade, mas a ideia é unir o sector todo. "Sei que, assim que as pessoas perceberem a oportunidade, vão participar. Queremos envolver todos as partes da indústria da música, editoras, estúdios, produtores, managers, festivais, agentes culturais, técnicos… Precisamos da colaboração de todos! Está na altura de percebermos que temos objectivos comuns e que temos de fazer alguma coisa", sublinha o responsável.

O percurso tem sido longo e, para Nuno Saraiva, que também é manager e consultor, o paradigma está a mudar. "Já ando há muitos anos nas feiras e sempre notei que havia uma falta de presença dos profissionais portugueses (managers, agentes, editoras) nesses eventos. A primeira vez que falei de Portugal no Eurosonic como country focus, foi há cinco ou seis anos e eles, na altura, responderam-me que Portugal não tinha as estruturas profissionais necessárias para potenciar esse tipo de destaque e eu reconheci alguma verdade naquilo que eles disseram. Isso foi mudando com o tempo e as redes profissionais começaram a aparecer", revela o vice-presidente da AMEI.

Publicidade

A música é uma presença constante na vida das pessoas. Fotografia de Ágata Xavier.

No entanto, para Nuno Saraiva "ainda estamos no ano zero, porque ainda não existe um verdadeiro reconhecimento - pelo menos pelo poder político, com a excepção de casos isolados, como é o Departamento de Economia e Inovação, da autarquia de Lisboa. Principalmente a nível sobretudo deste último Governo, destes últimos quatro anos, em que a primeira coisa que fizeram foi fechar o Ministério da Cultura". A cultura foi, continua, vista como "o inimigo das poupanças, onde se gastava dinheiro à toa e sem retorno". "Não! A cultura é um investimento que, provavelmente, é de uma importância capital para formar - como fazem os suecos -, que é útil para qualquer actividade e é central a tudo. Acho que estamos um bocadinho a acordar - espero eu, sendo muito positivo - para a vida nestas questões", enfatiza Saraiva.

Hugo Ferreira, que também é empresário na área dos moldes, diz: "Temos de ter uma visão cada vez mais empresarial das coisas porque ao contrário do que se passava há 15, 20 anos, hoje em dia a música não dá dinheiro. Antigamente dava, as pessoas pagavam para ver concertos e os discos vendiam-se". O homem ao leme da Omnichord Records concorda que há uma mudança de paradigma. "Hoje é completamente diferente, porque apesar da música ser um dos aspectos mais importantes na vida de uma pessoa, ela é o aspecto mais gratuito. Mais facilmente se gasta dinheiro em copos do que num concerto, a música está disponível na internet, o que torna a vida cada vez mais difícil, tanto para os criadores, como para as editoras. O disco hoje não é uma fonte de receitas, é sim um investimento que a banda faz para sair e dar concertos", conclui, com base na sua experiência de editor. E Ferreira prossegue num registo em que já é o empresário a falar: "Cada vez é mais necessário olhar para estas coisas numa lógica de estratégia, cultivar contactos e ter-se muito presente a noção de que é muito improvável que alguém mande um mail para um blog, este responda e diga maravilhas e, a partir daí, algo aconteça. Não, isso não acontece! A indústria está muito fechada".

Publicidade

"A produção musical está num ponto qualitativo como nunca esteve. E se não se fizer nada agora, os ânimos podem esmorecer"

"Estamos a planear a melhor forma de entrar no mercado internacional, mas para já, é preciso saber que Portugal tem um meio musical (uma music scene). A nossa situação geográfica permite-nos ser um melting pot de culturas - eu nestas coisas gosto de dar exemplos de bandas que não são aquelas com que trabalho [risos] - e só em Portugal é que poderiam aparecer bandas como Buraka Som Sistema ou Throes + The Shine. Elas aparecem aqui, neste cruzamento entre a Europa, África, e as Américas, não só do Norte, mas também do Sul. E há bandas que só há aqui, porque faz sentido. Vamos exportar rock n'roll igual a milhentas bandas londrinas? Há que ter algum cuidado na forma como se exporta e o que é que se começa a exportar. A Islândia saiu com a Bjork, porque ela era diferente de tudo e só fazia sentido ali. Porque se a primeira coisa que aparece na Islândia tivesse sido algo igual a tantas outras, se calhar não tinha vingado. E hoje já olhamos para bandas de lá, que se calhar até são parecidas com outras, mas olhamos para elas com curiosidade, porque são da Islândia e isso é uma marca de qualidade.", reflecte Hugo Ferreira.

No nosso país há mais de 250 festivais de música. NOS Alive, 2015. Fotografia de Ágata Xavier.

Como conclusão, este editor refere que "a produção musical está num ponto qualitativo como nunca esteve. E se não se fizer nada agora, os ânimos podem esmorecer. Esta é a altura. E juntando o Primavera Sound em Portugal, que ainda hoje se fala lá fora como um grande feito para o país, juntando o hype turístico que se gera em torno de Lisboa e do Porto, em suma, todas estas condições de fora para dentro, esta é a altura ideal para dizer que, embora os outros não conheçam, nós estamos cá e temos valor!".

Publicidade

Para estes desígnios, convém que haja pessoas envolvidas que gostem realmente de música e não sejam uns meros burocratas, ou facilitadores. O Why Portugal tem no seu ADN pessoas que respiram música. A este propósito, Nuno Saraiva da AMEI, relembra a criação, em 2011, do Portugal Music Export, uma importação "à grande e à francesa" de um modelo francês, que chegou a ser aprovado pela então ministra da Cultura Gabriela Canavilhas e que, mais tarde, no Governo de Passos Coelho, foi considerado nulo - por questões legais -, mas com a promessa de não descartar o princípio de apoio à exportação da música portuguesa. O que nunca veio a acontecer. Para Saraiva, esse modelo, "tal como estava desenhado, estava errado", pois não contemplava pessoas como as que hoje estão envolvidas neste projecto. "Muitas delas estão na música por amor ou por teimosia. Serão estes os verdadeiros profissionais da música do amanhã, não serão os outros", garante. E conclui: "Creio que neste aspecto temos o barco com as pessoas certas nos remos, e bem apontado para a travessia que aí vem. Não deixa de ser quase «quixótico», pois ainda há um caminho muito grande por percorrer. Espanha tem dois export offices, duas feiras profissionais, essas estruturas já estão muito avançadas, por exemplo. Nós ainda estamos mesmo no início", afirma.

"Cantar em inglês só para ter uma vantagem para a exportação parece-me um erro e há muita gente que o faz… mal!"

Quando se fala em exportação, invariavelmente também se fala na questão "cantar em inglês". Depois de tanta tinta já escrita sobre o assunto, a VICE também quis saber, nesta momento de empreendedorismo, qual a opinião deste profissional do sector. Saraiva afirma: "No contexto de exportação depende dos mercados, se o target é em Inglaterra, ou no Brasil. Mas depende, sobretudo, da estética. Não é impeditivo para os Buraka Som Sistema, ou Throes + The Shine, como não seria impeditivo ao B Fachada cantar em português, porque é o que ele faz e há que exportar o que se faz. Mas cantar em inglês só para ter uma vantagem para a exportação parece-me um erro e há muita gente que o faz… mal! Há alguns artistas em Portugal com sucesso que cantam num inglês macarrónico. Sendo melhor, ainda assim, do que num país como Espanha, onde não há o sistema de legendas e ainda é mais complicado… Mas, francamente, não iria por aí. Nunca aconselharia a cantar em inglês só para exportar".

Para finalizar, colocámos a Jorge Bizarro a questão clássica dos planos para o futuro. Como se costuma dizer, grandes feitos acarretam grandes responsabilidades. A partir de Fevereiro de 2017, imediatamente a seguir ao Eurosonic, o que será preciso fazer? "Temos que criar as condições, políticas e económicas para a construção de uma plataforma que continue a afirmar as mais valias de Portugal para a indústria e isso implica o envolvimento dos agentes políticos e económicos. Existem modelos que podem ser adaptados, países como a Suécia, Dinamarca e até a Bélgica têm uma percentagem da música produzida exportada. Isto não apenas com os projectos locais, mas também com os de outros países que vão lá gravar, pois sabem que existem ferramentas de exportação", aponta o presidente da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes.

E aponta os tais caminhos para o futuro: "Para além das medidas internas, terá que existir um gabinete com o conhecimento e experiência da indústria internacional e que funcione como um export office. Mas algo que trabalhe com agilidade e de forma moderna. Já houve no passado tentativas demasiado institucionais e com muito peso económico e financeiro para a nossa realidade. A nossa proposta assenta mais numa base de 'guerrilha' móvel e não em embaixadas estáticas e pesadas".