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Sexo

30 Anos de Coisas Eróticas

Livro resgata a trajetória do primeiro filme nacional de sexo explícito.

Mais de quatro milhões e 700 mil brasileiros assistiram, mas pouca gente se lembra. Em 1982, o longa-metragem Coisas Eróticas lotou os cinemas tupiniquins. Tudo porque o filme foi o primeiro nacional com cenas de sexo explícito – o público queria ver as musas Zaíra Bueno, Jussara Calmon e Marília Nauê. O casal de jornalistas Denise Godinho e Hugo Moura decidiu contar as histórias mirabolantes ao redor do pornô, desde as que envolveram a produção até a decadência do diretor por causa dum time de futebol amador. O resultado da pesquisa está no livro-reportagem Coisas Eróticas - A História Jamais Contada da Primeira Vez do Cinema Brasileiro, que será lançado no dia 4 de abril pela editora Panda Books.

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O diretor é o segundo da direita para a esquerda (Acervo pessoal de Toni Cardi).

VICE: Como surgiu o interesse de vocês escreverem um livro sobre o filme Coisas Eróticas
Hugo Moura: Tudo começou em 2009 com o trabalho de conclusão do curso de jornalismo. Naquele ano, comemorava-se os 30 anos do filme Império dos Sentidos, exibido no Brasil em 79. Até ali, nenhum filme brasileiro de sexo tinha sido levado às telas. Isso nos deixou inconformados. Pela internet, descobrimos que o primeiro filme pornô brasileiro tinha sido o Coisas Eróticas. Mas não havia mais nada na Internet sobre o filme! E aí começamos a investigar e, para a nossa surpresa, havia uma história genial por trás de tudo isso. E falar sobre a Boca do Lixo, em geral, foi um prazer. É nosso cinema. Marginal, esquecido por muitos, mas foi dali que muita gente – que anda por aí em novelas, inclusive – saiu. Denise Godinho: Em 2009, o Brasil era um dos maiores produtores de filme pornô do mundo. Em que momento essa história tinha mudado? Pelo Google encontramos em alguns blogs que o primeiro pornográfico havia sido dirigido pelo Raffaele Rossi. Mas muito pouco se falavam sobre a história do filme e seus bastidores.

Qual foi a maior dificuldade em fazer o livro?
Hugo: Pra mim, a maior dificuldade foi encontrar os atores, atrizes e produtores que participaram de Coisas Eróticas. Isso porque eles não fizeram parte do lado mais conhecido da Boca. Se a Boca era, de alguma maneira, underground, o grupo do diretor Raffaele Rossi era o lado B do underground. Além disso, vários deles usavam nome artístico! Depois o desafio que surgiu foi o de convencer essas pessoas a relembrar algo que fizeram 30 anos atrás. Em alguns casos, a família daqueles que participaram do filme não fazia ideia. Então é um tema delicado para quem trabalhou no primeiro pornô brasileiro. Hoje, os atores e atrizes são pais e alguns até avós. Outra é casada há anos sem que o marido não saiba que ela participou disso. O grau de intimidade teve de ser grande para as conversas que tivemos com os atores.

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Denise: Vale ressaltar que o projeto sobre o filme surgiu a princípio como um documentário. Quando recebemos o convite para escrever o livro, já estávamos batalhando atrás da pesquisa há um ano, então, para escrever foi mais fácil, porque já conhecíamos a história e já tínhamos contato com as fontes. Mas alguns relatos mudavam de entrevistado para entrevistado. Por exemplo, no caso do ator Oásis Minniti, quando ele era o rei do sexo surgiu o ator Osvaldo Cirilo para concorrer a fama pornográfica com ele. Tudo durou pouco porque infelizmente ele faleceu graças à AIDS. Esta informação acabou se misturando na cabeça de alguns entrevistados e muitos nos disseram, convictos, que Oásis é quem havia morrido de AIDS. Só quando encontramos sua família, depois de algum tempo, que descobrimos a verdadeira história. Na verdade, Minniti faleceu graças a um infarto.

Coisas Eróticas foi um sucesso de bilheteria. É verdade que o diretor Raffaele Rossi perdeu grande parte do dinheiro que ganhou com um time de futebol amador?
Hugo: O Raffaele torrou pelo menos metade do que ganhou com Coisas Eróticas no time de futebol de salão que se chamava Grêmio Recreativo Rossi. Ele montou um time de estrelas e trouxe jogadores até do exterior para a agremiação. Ele gostava muito de futebol e, apesar de a família não o apoiar em nada neste lado do esporte, continuou em frente e, infelizmente, deu no que deu. A grana acaba… Não tem jeito. Mas conta-se que ele pagava salário mais alto até do que times grandes Até fretou um avião para levar o time para jogar pela América do Sul. Só isso deve ter saído uma grana preta.

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Denise: Além disso, todos os entrevistados nos disseram que ele gastava dinheiro sem receio. Se um dia ele queria comer numa cantina italiana, ele não se contentava em ir só com a família. Chamava mais dez pessoas e pagava pra todo mundo. Fazia festas enormes no sítio cinematográfico que ele comprou em Embu Guaçu com a grana do filme. Viajou e curtiu a vida adoidado. O Eduardo Rossi, filho do diretor, não sabe explicar em que momento exato o dinheiro acabou porque, segundo ele, o Raffaele era bem reservado quanto a isso. Parece que em um dia eles viviam uma vida farta e, de repente, tudo acabou.

Que tipo de episódio inédito sobre o filme o livro conta?
Hugo: O Coisas Eróticas é mal visto. E está completamente esquecido - por estudiosos, cinéfilos, pesquisadores. Ele é o patinho feio do cinema. Patinho feio do pornô. Episódio inédito eu não sei dizer, porque não sei o que é inédito. De verdade. Porque basta dar um Google pra ver que praticamente não se fala sobre o filme. Há textos perdidos em alguns poucos blogs e é tudo. O livro fala de onde o Raffaele começou, quando ele chegou ao Brasil - o cineasta é italiano -, como começou na área cinematográfica, como teve a ideia para o Coisas Eróticas. O livro conta toda a história do filme. Como foi o convite aos atores, a vontade em fazer um filme de sexo explícito, o estouro de sucesso que foi, o Cine Windsor, os atores e produtores hoje em dia… O final de vida do Raffaele. Tem tanta coisa que era obscura sobre o filme e acredito que o livro vai trazer luz para esses episódios obscuros.

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Denise: Como o Hugo disse, acho que a história dos bastidores do filme é inédita. O livro conta como o Raffaele abordou os atores para participarem desta empreitada um tanto quanto polêmica, como eles burlaram a censura e estourou nos cinemas. Acredito que o mais interessante é saber como o Raffaele teve a ideia de fazer o Coisas e como ele sofreu enquanto a obra não alcançou os cinemas. Quem assiste ao filme hoje não acredita que houve uma luta e tanto para que ele conseguisse ser exibido.

Na opinião de vocês, qual o maior mérito do filme Coisas Eróticas?
Hugo: Coisas Eróticas apareceu numa época em que não havia videocassete ou internet. Os jovens de hoje podem consumir pornografia com um computador. Os pais podem ficar sem saber pra sempre porque existe computador pessoal. Daí, de repente, um cara, durante a ditadura militar, consegue fazer passar pela censura um filme pornô. Depois, coloca nos cinemas e lota sala dia e noite, noite e dia. E por quê? Porque as pessoas queriam ver sacanagem. Não tinha nada além de revistas pornô nas bancas - que deviam ser vendidas em sacos de pão para ninguém ver - ou pornôs estrangeiros que eram vistos clandestinamente em Super-8. O público pôde assistir sexo pela primeira vez.Coisas Eróticas contribuiu para acabar com um tabu imbecil de que sexo não podia ser mostrado. E derrubou hipocrisias, também, do regime militar, que abriu as pernas - num trocadilho bobo - para a putaria. Nos Estados Unidos, por exemplo, o primeiro pornô a ir para o cinema foi Garganta Profunda, em 1972. No Brasil, Coisas Eróticas só se viu projetado numa tela de cinema em 82. Quer dizer, dez anos depois! Estávamos atrasados.

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Denise:O longa mostrou para o Brasil o que antes só se fazia entre quatro paredes. Não acredito que foi o filme de Raffaele que abriu as portas da liberdade impedida pela censura, porque ele só alcançou os cinemas e o país já passava por uma abertura política. Mas, foi o primeiro filme que o brasileiro pôde ver e, dessa vez, com atores e situações típicas brasileiras. A mulata bonitona, o cara barrigudo, a rua que ele passa pra comprar pão todo dia, a praia que ele vai ao final de semana. Ou seja, era um filme que trazia aspectos brasileiros com pornografia. Até então, sexo era visto em revistas importadas que traziam estereótipos de outros lugares, que não era típico por aqui. E por isso, acho que ficou uma sensação de “Nossa, a gente também faz isso!”.

Os autores Denise Godinho e Hugo Moura no antigo Cine Windsor, sala paulistana onde o filme foi lançado comercialmente.

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