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Música

A Alma da Cena de UK Garage Fotografada Por Ewen Spencer

Conversei com o Ewen sobre o UK garage, o grime, as roupas e se Andy Cole, o ex-atacante do Newcastle, foi realmente um dos “50 ravers originais do garage”.

Nos últimos anos, está cada vez mais evidente que não aproveitamos a cena de UK garage tanto quanto deveríamos. Não é possível deixar de pensar que a maioria dos DJs, produtores, cineastas e estilistas fazendo referência a Todd Edwards e Ben Sherman em seu trabalho hoje, na verdade cresceram ouvindo Coal Chamber e usando jeans JNCO.

Mas um homem que realmente esteve lá é o fotógrafo Ewen Spencer. Ewen fez muitas coisas nos últimos anos, desde trabalhar com o White Stripes e documentar os dias de paz do grime (se é que isso existiu) em seu livro Open Mic, até fazer as fotos para o disco Original Pirate Material. Seu novo projeto refere-se ao mundo cada vez mais celebrado, mas ainda não documentado de forma adequada, do UKG, e vem na forma do livro Brandy & Coke.

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As fotos são fantásticas e capturam perfeitamente a atmosfera daquelas noites primordiais. As calças com estampa de jornal e as camisas YSL estão por toda parte, sendo manchadas com champanhe estourando e drinques chiques. Depois de várias horas admirando as fotos e desejando ser uma das pessoas vestidas de seda que aparecem nelas, decidi conversar com o Ewen sobre o UK garage, o grime, as roupas e se Andy Cole, o ex-atacante do Newcastle, foi realmente um dos “50 ravers originais do garage”.

VICE: Oi, Ewen. Então, quando foi a primeira vez que você ouviu o termo garage usado em relação à música dance?
Ewen Spencer: Foi no começo dos anos 1990, mas era o garage americano, como a música house. O house de Nova York com vocais era chamado de “garage”. Ouvi isso pela primeira vez na cena soul, provavelmente. Na época, eu e meus amigos íamos a festas de soul, evitando a atroz cena rave. A música house estava se infiltrando na cena soul e, na época, o garage era basicamente house com soul.

Há um debate sobre quem são os verdadeiros pais do UK garage — qual é sua opinião sobre isso?
É, acho que é um debate válido. Isso veio dos Estados Unidos, não da cultura rave. A cultura rave era britânica. Veio de Detroit, nos Estados Unidos, quando começamos a ouvir house nos clubes — em Newcastle, por exemplo. A gente curtia todo esse lance, mas era algo colocado lado a lado com a música soul: Soul II Soul, soul moderno, SOS Band, tudo isso. Então, acho que a cena rave cresceu demais e o house mudou e se tornou outra coisa. Então, eu diria que o speed garage veio de Nova Jersey e se popularizou por aqui.

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Que outros tipos de balada vocês tinham em Londres na época em que o speed garage apareceu?
Minha experiência foi num pequeno clube em Hoxton Square, no leste de Londres, que era uma selva de clubes. Eu não era muito fã daquilo. Era um puta tédio ouvir aquele tipo de música a noite inteira. O estilo era horrível. Era muito tosco mesmo.

Como o começo das noites de speed garage era diferente do resto da vida noturna na capital na época?
Era muito mais excitante. Havia casais e um monte de caras que dançavam juntos vestidos imaculadamente. Eles usavam roupas muito coloridas. Esse era o período pós-rave, então, todo mundo aparentava ser meio mulambo. De repente, você ia para esses outros lugares e as pessoas eram muito elegantes, muito descoladas. Era ostentação, porque todo mundo tomava champanhe, mas também era empolgante porque você percebia que algo tinha mudado e era completamente diferente do resto. Dava uma sensação underground, era diferente. Eu curtia muito frequentar esses lugares.

Eram baladas estritamente maduras e pacíficas? Ou havia um lado tenso da noite?
Não era tenso. Nunca me senti ameaçado. Eu me sentia alegre e festivo, da mesma maneira que me sentia na cena soul. Você sentia que tinha ido lá para se divertir. Havia muita pose e uma atitude meio temperamental das pessoas, mas era só pose mesmo.

Seu livro se chama Brandy & Coke. Essa era a bebida preferida das noites garage? Ou você está insinuando algo além disso?
Não, isso se baseou simplesmente no que todo mundo estava bebendo: brandy e coca-cola. Esse era o drinque. Algumas moças aparecem bebendo champanhe nas fotos, mas o drinque que a maioria dos caras pedia era brandy e coca-cola.

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Não é um drinque que você vê muito hoje em dia.
Não mesmo, né? Isso te deixa muito passado, não?

Com certeza. E as drogas da cena garage?
O pessoal só fumava maconha, que provavelmente era uma influência caribenha — influência das Índias Ocidentais, possivelmente. É só uma coisa britânica, não? Isso é Londres.

Então esse foi um movimento para se afastar das pílulas da cena rave?
É, não havia nada disso. Esses superclubes gigantes e escrotos, lotados de gente usando ecstasy vagabundo e cocaína ruim nunca foram a minha praia.

Qual era o papel do estilo na cena UKG?
Enorme. Era uma das partes principais, na verdade. As pessoas estavam se vestindo de um jeito diferente. Elas estavam desenvolvendo esse estilo, era uma silhueta mais esguia do que a das outras pessoas na época.

O resto da Inglaterra estava se vestindo como o Leonardo DiCaprio no filme A Praia na época.
Exatamente. Eram coisas tipo Addict e todas essas marcas horríveis. O estilo era mais seco e lembro de pensar que isso me lembrava a cena mod, da qual fiz parte quando era mais jovem: um monte de caras dançando juntos com aquele visual mais esguio e arrumado. Eu também via muitos garotos andando de scooters na época. Isso dava uma sensação muito britânica e as pessoas realmente se esforçavam na hora de se vestir para sair, o que eu acho que faltava até então.

Muito da moda se baseava em marcas famosas, o que era muito diferente da cena rave e britpop que a precederam. Você acha que isso era um sinônimo da cena para um tipo de luxo?
Nem tanto. Era só aquela coisa britânica clássica — indo contra as possibilidades, uma subcultura formada principalmente por caras trabalhadores que queriam se vestir bem nos finais de semana. Isso é escapismo. Não acho que havia luxo. Ficou assim mais tarde, mas a cena já estava acabada aí.

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Qual era o visual garage definitivo para caras e minas?
As garotas usavam vestidos. Elas usavam uma maquiagem simples e o cabelo, unhas e sapatos de salto tinham que ser imaculados. Elas tinham que dançar bem. Quanto aos caras, obviamente, houve estágios diferentes, mas não era tão esportivo quando fiz essas fotos, era uma linha esporte chique diferente, como calças de chino, jeans Guess, esse tipo de coisa. E era possível ver algum Paul Smith, porque ele estava fazendo umas estampas ousadas na época. Lembro que ele tinha umas camisas com maçãs enormes estampadas.

Sou fascinado por essas camisas com estampas chinesas, com dragões por todo lado. Apesar de que isso foi um pouco depois, quando o Pied Piper apareceu.
É, foi um pouco depois, quando se tornou mais street.

Muitos caras usavam mocassins Kickers ou Bass, certo?
Eu ainda uso. Eu os chamo de mocassins Glaswegian.

E aquelas calças de seda preta?
É, eram calças de tecido misto. Você via muito disso. Não dava para entrar num clube de garage usando jeans na época, mesmo se fosse uma calça legal.

E Ben Sherman?
Sim, Ben Sherman, se você fosse um pouco sério. Mas muitos garotos estavam usando essas camisas acetinadas coloridas com estampas chamativas. Você via muitos caras de terno, mas o paletó era bem longo. Lembro que isso era bem popular. E você também via caras com camisas estampadas Moschino, óculos de sol e pantalonas. Os mocassins Gucci eram muito populares também.

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Quando você percebeu que o garage estava deixando de ser underground?
Quando as rádios piratas começaram a trazer os garotos dos subúrbios e das províncias. Você notava uma grande mudança em Ayia Napa — moleques britânicos bagunceiros e garotos indo aos clubes. Você ia pra Old Kent Road e via moleques em raves, mas era difícil achar algum nos clubes, mas eles iam nas férias, iam para os clubes e traziam isso de volta. Isso se espalhou e se tornou realmente popular. Aí vários caras tipo Craig David e a Ministry of Sound lançaram discos disso. Quer dizer, que puta prego no caixão de qualquer cena, não?

Eles lançaram uma compilação de deep house esses dias.
De quantas compilação de deep house a gente precisa?

Exatamente. Aí o grime se tornou a cena dominante da música urbana de Londres, por volta de 2004, o que era um som muito mais nervoso e cru. Por que você acha que foi assim?
As pessoas que faziam a música eram um pouco mais vividas e aprenderam com o garage e o So Solid. Eles queriam o sucesso e os espólios que vinham com isso. Mas o grime era sobre ser um pouco mais existencial. Sobre as ruas. Era sobre o que eles estavam dizendo. Você deve lembrar que, quando o grime estava aparecendo em 2004, o So Solid Crew estava tocando em shows enormes no país inteiro. Tinha gente sendo baleada dentro e fora dos shows, gente morrendo. Era uma coisa muito real. Três caras do So Solid foram acusados de assassinato.

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Ninguém mais leva tiro em balada hoje, mas isso acontecia muito na época.
A segurança hoje é gigante. Isso aparece tanto quanto a música. Isso ficou mais importante que tudo. Você via gente com facas por toda parte.

Você se lembra de algum incidente assim?
Sim. Eu tinha me afastado da cena garage naquela época, então, foi na cena grime. Tinha um tipo de fórum de música naquele dia na Royal Festival Hall, os caras do grime iam participar e eu vi muita gente armada. Mas o grime tinha uma competitividade que o garage não tinha. Tinha a ver com as ruas, sobre as próprias experiências deles, era sobre quem eram os melhores MCs e produtores. Isso só foi ficar dançante muito depois.

Você acha que os garotos estavam putos — mesmo na cena garage —  com sua situação?
Não acho que as pessoas estavam insatisfeitas no geral. Acho que o garage era mais sobre se divertir e o grime era mais nervoso. Havia um pouco mais de punk naquele mundo. O garage era um pouco mais acessível. Era sempre mais acessível porque era uma questão de se vestir bem e dançar.

É. Parece que muitos produtores de future garage hoje não percebem que o garage devia ser uma música sexy. O que você acha disso?
Com o future garage, ou qualquer tipo de revival, não é que a sensualidade foi tirada disso, é que ela é editada. A ambiguidade era a coisa sexy — não saber para onde a cena estava indo. Isso está acontecendo de novo um pouco agora. Mas não há problema nisso porque a música é incrível, a cena é saudável e eu gosto de future garage. Eu não gostava muito de grime. Não era para mim. Eu podia muito bem ser a porcaria de um turista — um cara estranho de 30 anos fingindo curtir grime. Mas gosto da energia e da atitude.

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Você não volta para casa e relaxa ouvindo Jammer antes de dormir?
Ele era muito incrível, o Jammo. Era incrível trabalhar com ele. Mas a coisa do future garage — isso provavelmente não é tão sexy porque há um elemento de nostalgia, o que não é muito sensual.

Por último, uma vez ouvi uma história brilhante, porém, totalmente infundada, que o Andy Cole era um dos 50 garage ravers originais.
Acho que ele jogava no Newcastle na época, então, não acho que ele poderia ser um dos ravers originais.

Bom, isso esclarece as coisas. O que você está fazendo agora?
Vamos publicar o livro, que é novo. Acho que isso valia um filme. Acho que agora que isso foi revivido, a cena provou sua significância. E mesmo sem o revival, é significativo olhar para trás e ver como isso informou a cultura popular e as subculturas desde então. Por exemplo, acho que não haveria grime sem o garage. Isso não teria acontecido.

Obrigado, Ewen.

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