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Drogas

A Burocracia que os Usuários de Cannabis Medicinal Encaram na Alemanha é Tão Cruel Quanto a Dor

A justiça alemã decidiu que três pacientes usuários de maconha medicinal poderiam cultivar seu próprio remédio. Conversamos com um deles.

Cannabis medicinal da Holanda. Foto via Medische-wiet/Wikimedia/CC BY-SA 3.0.

No dia 22 de julho, um tribunal administrativo de Colônia, na Alemanha, decidiu que três pacientes usuários de maconha medicinal poderiam cultivar seu próprio remédio. Uma grama da erva medicinal importada legalmente da Holanda custa entre € 15 e € 20  (de R$ 45 a R$ 60) no país. Se o plano de saúde não cobre isso, que é o caso para a maioria dos pacientes, mesmo os com prescrição médica especial, o preço fica exorbitante.

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O juiz decidiu que um paciente em extrema necessidade não deve, fundamentalmente, ser impedido de cultiva cannabis como um último recurso. Uma das condições para isso é que sua casa seja extremamente segura, evitando a entrada de terceiros. Dois dos cinco requerentes não puderam oferecer provas satisfatórias das medidas de segurança estipuladas, então o caso deles foi rejeitado.

Günther Weiglein é um dos três pacientes vitoriosos. Com dores crônicas depois de um acidente de moto provocado por outra pessoa, ele vem tratando os sintomas com cannabis há anos.

Eu estive com Weiglein para discutir as circunstâncias do caso.

VICE: Oi, Günther. Posso perguntar o que você está inalando aqui?
Günther Weiglein: Estou vaporizando cannabis Bedrocan. Essa é a primeira cepa que a Holanda produziu. Mas eu prefiro Jack Herer, uma cepa antiga desenvolvida pela Sensi Seeds. Ela tem um conteúdo mais elevado de THC e funciona muito bem para minhas crises de dor. Eu adoraria cultivar Jack Herer em casa se tivesse permissão.

Você teve boas experiências com essa cepa?
Não apenas isso. A Sensi Seeds oferece muitas escolhas quando se trata de cannabis. E eles também codesenvolveram as bases genéticas para as cepas medicinais existentes.

Günther Weiglein. Foto por Michael Knodt.

Você pode explicar resumidamente qual a diferença entre as cepas?
No momento, aqui na Alemanha, eles oferecem quatro cepas de maconha, todas da companhia Bedrocan: Bedrobinol, Bediol, Bedican e, claro, a própria Bedrocan. Como paciente com dor crônica, a Bedrocan era a única cepa disponível para mim no início. Quando estou com dor, vaporizo um botão de Bedrocan. Sinto como se a dor estivesse coberta por algodão. Ela não passa, mas se torna suportável. Até recentemente, eu fumava maconha como a maioria das pessoas. Decidi vaporizar cannabis por razões de saúde. Quando você vaporiza, os conteúdos são apenas aquecidos, eles não queimam – como vapor numa bacia quando você está com gripe.

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Mas a variedade de cepas oferecidas na Alemanha não é suficiente. No momento, pacientes usuários de cannabis medicinal nos EUA têm uma seleção enorme para escolher. Eles podem optar entre diferentes cepas dependendo do tipo de doença que têm.

Por exemplo, pacientes com câncer precisam de cepas ricas em CBD; como paciente com dor crônica, eu necessito de botões com mais THC. Algumas pessoas precisam de cepas sativa, já a cepa indica funciona melhor para outras. Há também vários extratos que não podem ser desconsiderados para uso medicinal. Ainda há muito progresso a ser feito aqui na Alemanha.

Recentemente, você se tornou um dos três pacientes da Alemanha que podem, teoricamente, cultivar sua própria cannabis, certo?
Sim, éramos cinco requerentes com casos similares, e três casos foram aceitos pelo tribunal, incluindo o meu. Tenho uma aprovação especial há cinco anos do BfArM [Instituto Federal de Drogas e Aparelhos Médicos da Alemanha], que me permite comprar cannabis Bedrocan nas farmácias alemãs. Posso comprar isso na farmácia, mas o preço é € 15 por grama, então não consigo comprar o suficiente. Por isso submeti uma requisição para plantar minha própria maconha quatro anos atrás, mas o BfArM recusou o pedido. Então eu trouxe o caso contra eles para o tribunal e recentemente obtive esse veredito.

Então você já pode começar a plantar maconha?
Quem dera. De acordo com o juiz, posso começar a cultivar, porque meu apartamento tem as medidas de segurança exigidas. Mas as estipulações que as autoridades administrativas em Bonn fizeram em casos similares são impossíveis de cumprir. Em princípio, eles querem que seu apartamento seja tão seguro quanto o Fort Knox, e é você quem precisa financiar essas reformas.

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A sala onde quero cultivar maconha é segura o suficiente para o juiz, mas há muita burocracia envolvida. Continua sendo o BfArM que dá a permissão no final as contas – o juiz não pode permitir isso diretamente. Então nem eu nem os outros dois que venceram no tribunal recebemos os documentos necessários para realmente começar a cultivar.

Mas é só uma questão de tempo, não?
O veredito ainda não foi legalmente vinculado. Meu advogado, Matthias Schillo, e eu estamos convencidos de que o BfArM vai apelar. Eles são muito bons em atrasar e protelar, o que você pode perceber pelo tempo que levou para o caso chegar ao tribunal. Então ainda teremos que esperar o veredito da apelação. Mas mesmo se o veredito for mantido, eles ainda podem exigir documentos de autorização que não são referentes ao veredito. Por exemplo, a administração que trabalha sob o Ministério da Saúde pode reclamar da porta de madeira que leva à sala de cultivo e exigir uma porta de ferro. Ou uma fechadura melhor, qualquer coisa assim.

Bedrocan. Foto via Medische-wiet/Wikimedia/CC BY-SA 3.0.

Então você não pode simplesmente comprar uma miniestufa numa loja de jardinagem e montar no seu quarto, mesmo tendo permissão. O que o BfArM exige exatamente para que uma pessoa possa cultivar seu próprio remédio?
Primeiro eles precisam se certificar de que o paciente realmente necessita disso. Para poder cultivar, também tenho que proteger as plantas do acesso de indivíduos não autorizados. Para isso preciso manter as plantas numa sala de segurança. No meu pedido, estipulei o uso de um velho banheiro, que atualmente uso para guardar coisas.

Não preciso colocar barras de ferro nas janelas, porque moro no primeiro andar. Eu teria que fazer isso se morasse no térreo. Também preciso de um armário de segurança para trancar meu suprimento. Medidas extremamente exageradas como paredes duplas, janelas especiais e ter um cofre, que a administração exigiu dos primeiros requerentes, foram descartadas nesse veredito.

Então, apesar do veredito, você ainda só pode contar com a cannabis cara das farmácias. Como você lida com isso?
Não posso pagar toda a quantidade que me é receitada, então compro o que minha carteira permite naquele momento. Preciso de mais maconha nos meses frios do que no verão, especialmente nos dias úmidos de outono. Cultivar cannabis eu mesmo é a única saída para o dilema de sempre ter pouco remédio ou remédio do tipo errado. Medicamentos convencionais também funcionam para mim, não quero falar mal disso; mas os efeitos colaterais são pesados no meu caso em comparação com a cannabis.

Os outros pacientes preferem não aparecer, mas você continua dando entrevistas. Por quê?
Os outros pacientes não podem ou não querem revelar quem são por razões compreensíveis. Percebo que os pacientes usuários de cannabis ainda sofrem com um estigma. No entanto, ainda acho que maconha deveria ser acessível para as pessoas que precisam disso por razões medicinais. A cannabis precisa retomar seu valor na sociedade, um valor que ela já teve. A planta não pode falar por si mesma. Por isso tento oferecer a minha voz e talvez inspirar outros a fazer o mesmo.

Tradução: Marina Schnoor