'A Cabeça Perdida e o Pássaro': Um Conto e Ensaio de Fotos

FYI.

This story is over 5 years old.

Viagem

'A Cabeça Perdida e o Pássaro': Um Conto e Ensaio de Fotos

Poesia em fotos.

Um conto e ensaio de fotos do fotógrafo Sohrab Hura.

O som da gaiola caindo no chão rasgou o silêncio da casa. O corvo tinha escapado. Uma luz se acendeu, e na cama, Madhu rolou de um lado para outro tentando achar sua cabeça. Suas mãos se encontravam no topo macio de seu torso, os dedos tentando sentir qualquer vestígio de um toco de cabeça, até caírem para lados por um momento, repetindo o movimento depois, freneticamente. Mesmo agora, ela vive esquecendo que não tem cabeça. E isso já faz um ano. Um amante obsessivo roubou isso quando ela caiu no sono com o som das ondas lá fora. Ela devia saber. A vidente tinha alertado que isso podia acontecer, e houve outros sinais. Toda vez que eles faziam amor, ele a mordia muito forte. Não era uma coisa incomum entre os homens, mas com ele era diferente. Ele tentava arrancar a carne dos seios dela e quando não conseguia, ele sorria e dizia: "Eu só queria um pedaço seu para não sentir saudades quando eu fosse embora", depois colocava o dinheiro do lado dela.

Publicidade

Era uma noite quente e suarenta. O vento estranhamente tinha parado de soprar e com isso o mar tinha morrido. Madhu limpou o suor de seu corpo. O dia tinha sido longo e chato. Um fotógrafo idiota tinha vindo de Chennai. Ele tinha ouvido falar de uma mulher que tinha perdido a cabeça e queria tirar fotos dela. Ele disse que queria fotografar todas as coisas incríveis e horríveis que aconteciam ao longo do litoral indiano e tinha começado por Tamil Nadu. "Por que alguém ia perder tempo fazendo isso? Bom, ele tinha um sotaque estranho", ela pensou. Madhu tinha começado a sentir o caminho para a sala. O andar cambaleante tinha se transformado numa dança. "Se o babaca tivesse deixado pelo menos meu cerebelo, agora tenho que comprar uma cabeça nova inteira." Ela estava economizando para comprar a cabeça nova que a vidente lhe prometeu. Mas agora tinha que se virar com a orelha que sua irmã tinha alugado, que ela colou na frente do ombro direito, o lado mais auspicioso. Ela sentia falta das pequenas coisas: se olhar no espelho, usar maquiagem, pentear o cabelo, esticar a cabeça para fora da água quando estava no mar, sabe… essas coisas.

Ela tinha que se apressar, a pílula estava começando a ficar escorregadia em suas mãos molhadas. Alguns meses atrás, ela tinha comprado o pássaro muito barato porque ele vinha com uma tosse terrivelmente alta, e supostamente temporária, que nada tinha conseguido curar ainda. Mas ela insistiu. De um canto familiar no final da parede, ela percebeu que tinha esquecido de fechar a janela. Ela já sabia que a gaiola tinha caído. Ela amarrava um fio nela e a outra ponta no dedão do pé direito toda noite antes de dormir. Ela pegou a gaiola do chão e chacoalhou, esperando sentir algum movimento dentro dela, mas só a portinhola aberta bateu contra as grades. A solidão abraçou Madhu por trás enquanto ela segurava a gaiola. "Droga, vou ter que comprar outro papagaio da vidente amanhã."

Publicidade

Tradução: Marina Schnoor